Lucília Gago volta a ignorar órgão superior do MP na directiva sobre poderes das chefias
Novo instrumento que vincula os procuradores não foi discutido no Conselho Superior do Ministério Público. Sindicato dos Magistrados do Ministério Público prepara formas de luta.
A procuradora-geral da República, Lucília Gago, não discutiu com o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), o órgão máximo desta magistratura, nem sequer informou previamente os restantes membros, que ia avançar com uma nova directiva sobre os poderes hierárquicos dentro desta magistratura, em pleno estado de emergência da pandemia de covid-19.
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A procuradora-geral da República, Lucília Gago, não discutiu com o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), o órgão máximo desta magistratura, nem sequer informou previamente os restantes membros, que ia avançar com uma nova directiva sobre os poderes hierárquicos dentro desta magistratura, em pleno estado de emergência da pandemia de covid-19.
A directiva, que invalida uma emitida em Fevereiro e que a própria procuradora-geral decidiu suspender, voltou a suscitar polémica, tendo já levado a uma reacção violenta do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), que considera que o instrumento “abre a porta à interferência política na investigação criminal”.
Já em Fevereiro deste ano, quando emitiu uma outra directiva que tornou vinculativa para todos os procuradores um parecer do Conselho Consultivo do Ministério Público, Lucília Gago ignorou o CSMP. Em causa estava saber se as chefias do Ministério Público podem dar ordens concretas em processos-crime, uma questão cuja legalidade é contestada pelo SMMP, mas defendida pelo conselho consultivo.
A procuradora-geral colocou à margem o CSMP, um órgão colegial composto por 19 membros — 12 procuradores e sete de outras profissões da Justiça —, a que preside, apesar de ter sido uma decisão aprovada pela maioria dos seus membros, no final de Outubro, que levara Lucília Gago a concordar em pedir o parecer ao conselho consultivo.
A discussão tinha sido levada ao conselho superior por vários conselheiros no rescaldo da polémica ordem do director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal no caso de Tancos. Albano Pinto travara a inquirição do primeiro-ministro, António Costa, e do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, como testemunhas, no caso de Tancos, além de ter ordenado aos três procuradores titulares do inquérito que suprimissem perguntas escritas enviadas a algumas testemunhas.
O despacho de Albano Pinto não foi colocado no processo e a sua existência só acabou por ser do conhecimento público na sequência de perguntas feitas por alguns órgãos de comunicação social, em que o PÚBLICO se inclui. O documento só saiu do “segredo dos deuses” com a publicação de excertos do seu teor na revista Sábado.
No primeiro parecer o conselho consultivo decidiu por unanimidade que os poderes dos superiores hierárquicos se mantêm os mesmos apesar de algumas alterações feitas recentemente ao Estatuto do Ministério Público, permitindo às chefias ingerirem-se nos processos dos subordinados sem que isso conste por escrito dos próprios processos.
Face a várias reacções críticas, dentro e fora do Ministério Público, Lucília Gago acabou por suspender a directiva ainda em Fevereiro passado, tendo pedido um esclarecimento complementar ao conselho consultivo. Este emitiu um novo parecer em Julho, num documento que serviu de base à nova directiva, datada da passada quinta-feira. Entretanto, já houve uma reunião do CSMP esta quarta-feira, mas ninguém suscitou o assunto.
Desta vez, a procuradora-geral determina, no entanto, que as ordens dadas pelas chefias nos processos-crime “são sempre reduzidas a escrito”, ficando guardadas não no processo, mas num dossier de acompanhamento que pode ser consultado pelos sujeitos ou intervenientes processuais.
Ao PÚBLICO o presidente do SMMP, António Ventinhas, diz que já seguiram as cartas a pedir audiências ao Presidente da República e aos grupos parlamentares, estando para ser agendada em breve uma assembleia de delegados sindicais, que pode definir formas de lutas e se deve realizar em Janeiro. Ventinhas diz discordar da existência de “processos paralelos” e admite vir a impugnar nos tribunais administrativos a directiva. “A criação de processos paralelos no processo penal, à margem da lei, descredibiliza o Ministério Público e compromete a sua imagem de transparência”, sustenta Ventinhas.