Portugal poderá conseguir vacinar 80% da população contra a covid-19
O próximo desafio vai ser logístico: como criar rapidamente uma rede de distribuição da vacina da covid-19, sendo que pelo menos uma exige um congelador ultrafrio?
Não serão 6,9 milhões de doses de vacinas para a covid-19, mas afinal 16 milhões que Portugal receberá durante o ano de 2021. O presidente do Infarmed, Rui Ivo, explicou quinta-feira durante a reunião do Infarmed a forma faseada, a três tempos, como essas vacinas chegarão a Portugal. O PÚBLICO confirmou com o Infarmed que o número total ascende a 15 milhões e que se trata de vacinas adquiridas através da Comissão Europeia. Estes números irão sendo actualizados, à medida que a União Europeia formalizar novos contratos com farmacêuticas, explicou ainda Hugo Grilo, assessor de imprensa da agência portuguesa que regula os medicamentos. Ao fim do dia de quinta-feira, o primeiro-ministro, António Costa, anunciava que Portugal deverá comprar 16 milhões de doses.
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Não serão 6,9 milhões de doses de vacinas para a covid-19, mas afinal 16 milhões que Portugal receberá durante o ano de 2021. O presidente do Infarmed, Rui Ivo, explicou quinta-feira durante a reunião do Infarmed a forma faseada, a três tempos, como essas vacinas chegarão a Portugal. O PÚBLICO confirmou com o Infarmed que o número total ascende a 15 milhões e que se trata de vacinas adquiridas através da Comissão Europeia. Estes números irão sendo actualizados, à medida que a União Europeia formalizar novos contratos com farmacêuticas, explicou ainda Hugo Grilo, assessor de imprensa da agência portuguesa que regula os medicamentos. Ao fim do dia de quinta-feira, o primeiro-ministro, António Costa, anunciava que Portugal deverá comprar 16 milhões de doses.
Esta quantidade é mais do dobro das 6,9 milhões de doses anunciadas pelo Conselho de Ministros em Agosto, quando a União Europeia só tinha formalizado ainda um acordo prévio de aquisição de vacinas, com a Astra-Zeneca – a base da estratégia da UE para acelerar o trabalho das empresas de biotecnologia que estão a desenvolver vacinas em tempo recorde contra o novo coronavírus e, ao mesmo tempo, negociar a compra centralizada, a melhor preço, de imunização para a covid-19 que chegue para todos os europeus.
Estes 16 milhões de doses de vacinas - que permitirão vacinar 8 milhões de portugueses no pressuposto de que a maior parte das vacinas implica a toma de duas doses - não incluem ainda as 405 milhões de doses que a UE se comprometeu a adquirir à empresa de biotecnologia alemã CureVAC no dia 12. É o quinto destes contratos formalizados pela UE. Mas só as vacinas que forem aprovadas pela Agência Europeia do Medicamento serão de facto adquiridas e distribuídas pelos Vinte e Sete, entre os quais Portugal. Enquanto isso não acontece, a UE apalavrou a aquisição pelo menos 1,4 mil milhões de doses - com a possibilidade de comprar mais 400 milhões. Mas isso não quer dizer que compre essa quantidade toda, ainda não se conhecem sequer os resultados dos ensaios clínicos - apenas os comunicados de imprensa sobre resultados preliminares.
A UE a funcionar bem
“Este é um bom exemplo que como a União Europeia pode funcionar bem. Está a fazer contratos de gestão de risco com cada uma das empresas que está a desenvolver vacinas com potencial de chegar ao mercado”, diz Helder Mota Filipe, professor da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, e ex-presidente do Infarmed.
O problema seguinte, e que mais preocupa Mota Filipe, tem que ver com a capacidade logística portuguesa para distribuir e fazer chegar a todos os cidadãos as vacinas da covid-19. “Isso é da responsabilidade de cada país. Há uma que precisa de refrigeração a muito baixas temperaturas, e é preciso garantir que todo o país tem uma rede que garanta o frio, se não a vacina não poderá ser usada”, afirma. “Há arcas congeladoras que atingem temperaturas de 80 graus Celsius negativos em determinados hospitais, alguns centros de investigação, mas não existem em todos os centros de saúde”, exemplifica. “E é preciso não só que existam, mas que tenham espaço para armazenar a quantidade de vacinas que aí vem”, avisa.
Face aos anúncios dos políticos que as vacinas podem começar a chegar no início do ano, Mota Filipe duvida. “Não estou a ver, se calhar está no segredo dos deuses e há uma comissão qualquer que está a conceber tudo. Mas nenhum político pode garantir neste momento que já devemos ter vacinas em Janeiro, porque há ainda muitas interrogações, muitos ‘ses’”, afirma. “Se todos os dados dos ensaios clínicos das vacinas estiverem bem, se não houver dúvidas dos avaliadores, etc.. Como é que em meados de Novembro podemos garantir que até Janeiro conseguimos tudo para pôr a circular a vacina e fazê-la chegar aos grupos de risco?”
As unidades de ultrafrio, por exemplo, são caras, mas isso nem sequer é o mais complicado. “O mais importante é isto vai haver uma enorme procura a nível mundial, e o que eu temo é que mais uma vez, como aconteceu com os ventiladores e com as máscaras, no momento em que Portugal precisar de contactar os fornecedores destes equipamentos, nos digam ‘não, não temos, porque tudo o que tínhamos já foi comprado’. Estamos a aprender pouco com os nossos erros”, lamenta.
Não devemos também esperar que o número de vacinas agora prometido seja algo escrito na pedra, que não pode mudar. “É preciso confirmar que são seguras – não por haver falta de qualidade no processo, mas porque às vezes o desfecho final da investigação não é positivo. E dentro das que tiveram a segurança necessária, pode haver umas mais eficazes que outras, umas que conferem uma imunização mais prolongada que outra, ou umas mais exigentes em termos de manuseamento que outras”, sublinha Miguel Castanho, do Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa.
“Além disso, há vacinas com princípios de funcionamento bastante diferentes, há pelo menos de três – o que nos dá a possibilidade teórica de fazer uma estratégia de vacinação mais complexa, usando mais do que um tipo de vacina”, diz. Por exemplo, recorrer a uma primeira vacina baseada em anticorpos, que dá uma protecção muito rápida, explica o cientista, e “optar um segundo período de vacinação, com uma outra vacina, que dê uma imunidade a mais longo prazo”.
É verdade que isto não poderá fazer-se neste primeiro ano, nos primeiros tempos em que há pressa em travar a circulação do novo coronavírus entre os seres humanos, mas é preciso pensar nisto como estratégia de vacinação, diz Miguel Castanho. “Não é como comprar um carro e a pessoa vai lá e escolhe, é aquele e pronto. Pode-se verificar que uma vacina é mais adequada para um grupo etário, ou para outro subgrupo populacional. Alguém terá de analisar as várias opções disponíveis e avaliar qual a melhor para cada circunstância. Um país poderá até comprar dois ou três tipos diferentes de vacinas, combinar uma com outra”, para obter maior eficácia.