Uma grande incógnita: em que locais há mais contágios de covid-19
Muitos países não conseguem identificar a origem de entre 75% a mais de 90% das novas infecções.
Onde é que as pessoas estão a ser infectadas com o vírus que provoca a covid-19? Embora se saiba muito mais hoje sobre o vírus e a doença do que no início da pandemia, muitos países estão a deparar-se com a dificuldade de saber exactamente onde é que ocorrem mais frequentemente transmissões.
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Onde é que as pessoas estão a ser infectadas com o vírus que provoca a covid-19? Embora se saiba muito mais hoje sobre o vírus e a doença do que no início da pandemia, muitos países estão a deparar-se com a dificuldade de saber exactamente onde é que ocorrem mais frequentemente transmissões.
Na Alemanha, a chanceler Angela Merkel sublinhou recentemente que as autoridades não sabem a origem de 75% das novas infecções. O jornal norte-americano The Wall Street Journal aponta outros casos semelhantes: na Áustria, a percentagem de infecções cuja origem não foi possível de identificar chega aos 77%. Em França e Itália, apenas em 20% dos novos casos foi possível ligar a uma pessoa que tenha tido um teste positivo. E em Espanha, na última semana de Outubro, o Ministério da Saúde disse que foi identificada a origem de apenas 7% das novas infecções.
O jornal fez as contas aos dados de alguns governos e nota que em França, Reino Unido, Espanha, assim como nos EUA, as equipas de rastreamento de contactos estão a identificar menos de quatro contactos por caso positivo – a média dos países asiáticos, que tem usado estes métodos com sucesso, é de dez ou mais por caso positivo. Uma das razões pode ser o próprio aumento de infecções deixar as equipas com uma menor capacidade de resposta.
Epidemiologistas têm avisado ainda para a possibilidade de estatísticas sobre o local de contágio darem demasiado peso à habitação própria, que é, em vários países, o primeiro local de transmissão.
É o caso da Alemanha, onde nos 25% dos casos em que é possível encontrar o local de contágio, a própria casa surge à frente, seguido pelos lares de idosos e os locais de trabalho, enumera a emissora Deutsche Welle. Em hospitais, consultórios médicos e análises, e no sector da saúde em geral houve registo de relativamente poucos casos, embora estejam a aumentar, e o mesmo acontece nas creches e escolas. Os restaurantes e hotéis também não têm registado muitas infecções, e o número de casos ligados a transportes públicos é ainda menor, embora isso possa acontecer pela grande diminuição de número de passageiros.
Marc Lipsitch, epidemiologista da Universidade de Harvard, diz que o facto de a própria casa estar no topo da lista de vários países pode dever-se não só às habitações serem um local importante de contágio, mas sobretudo ao facto de ser muito mais difícil encontrar a origem de infecções noutros locais.
Em Portugal, nesta quarta-feira, Marta Temido, que falava numa entrevista ao podcast do PS, explicou que os dados recolhidos nos inquéritos epidemiológicos apenas conseguiram conhecer o contexto do contágio (se foi em casa, nos transportes, ou em meio laboral, por exemplo) em 25% dos casos na região Norte.
Para tentar contornar essa dificuldade de encontrar casos entre pessoas não relacionadas, existem, além das apps de rastreamento de contactos (cujo uso não está suficientemente generalizado para dar informação significativa, nem tem na maioria dos casos das apps europeias, geolocalização, avisando apenas da proximidade de um contacto com alguém que depois receba um teste positivo), medidas mais antiquadas, como um livro de registo nos restaurantes na Alemanha e Itália – uma medida adoptada entretanto também em França.
No entanto muitas pessoas, especialmente na Alemanha, resistem a deixar o seu contacto em livros de registo públicos – num caso recente num restaurante em Hamburgo, depois de vários empregados terem recebido resultados positivos nos testes, as autoridades não conseguiram contactar uma parte dos clientes, que tinham deixado nomes falsos, contava um artigo no grupo de media RND.
Em Paris, as autoridades de saúde não conduziram uma única investigação com base nos dados destes livros de registo, que começaram a ser usados no início de Outubro, segundo o Wall Street Journal.
O virologista alemão Christian Drosten tinha aconselhado no Verão as pessoas a terem, no Outono, um livro de registo de contactos para caso fossem infectadas poderem avisar quem esteve com elas e os locais que frequentaram. Parece simples, mas muitas pessoas quando recebem o resultado positivo já não se lembram exactamente de onde foram e quem contactaram nos dias anteriores a terem tido sintomas – ou não se querem lembrar, comentou Falko Liecke, responsável de saúde da zona de Neukölln, em Berlim, que regista uma incidência especialmente alta de infecções (e onde a polícia tem intervindo por vezes para desmobilizar festas ao ar livre).
A questão tem um impacto óbvio nas medidas de restrição, que poderiam ser adaptadas aos locais de transmissão mais frequentes. Nos EUA, investigadores seguiram dados móveis de 98 milhões de pessoas durante a Primavera e dizem que na primeira vaga foram restaurantes, ginásios, hotéis, cafés e organizações religiosas os principais locais de contágio.
As autoridades de saúde estão a fazer esforços para levar a cabo inquéritos alargados para tentar perceber melhor esta questão, e algumas a tentar mesmo abordagens mais originais: em Berlim, Liecke está a reunir uma equipa de investigadores especiais da polícia criminal para ajudar na busca dos locais com mais infecções.