Há 90 concelhos com mais do dobro da taxa que implica recolher obrigatório
Com uma actividade epidémica intensa, Portugal encontra-se agora na décima posição na taxa de novos casos a 14 dias por 100 mil habitantes no mapa de países do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças. Considerando as duas últimas semanas, estamos pior do que Espanha e perto de Itália.
É o retrato de um país com enormes assimetrias regionais aquele que resulta da divulgação, pela Direcção-Geral da Saúde (DGS), da lista dos concelhos com a taxa de novos casos acumulados a 14 dias por 100 mil habitantes. Olhando para o mapa, que deixa quase dois terços do país “pintado” a vermelho (risco elevado de transmissão da infecção pelo novo coronavírus), são 90 os concelhos com mais do dobro da taxa que implica recolher obrigatório, e que é de acima de 240 novos casos de covid-19.
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É o retrato de um país com enormes assimetrias regionais aquele que resulta da divulgação, pela Direcção-Geral da Saúde (DGS), da lista dos concelhos com a taxa de novos casos acumulados a 14 dias por 100 mil habitantes. Olhando para o mapa, que deixa quase dois terços do país “pintado” a vermelho (risco elevado de transmissão da infecção pelo novo coronavírus), são 90 os concelhos com mais do dobro da taxa que implica recolher obrigatório, e que é de acima de 240 novos casos de covid-19.
Há mesmo dois – Paços de Ferreira e Lousada – com mais de três mil novos casos a 14 dias por 100 mil habitantes, isto no período compreendido entre 28 de Outubro de 10 de Novembro, porque a DGS divulgou os dados com quase uma semana de atraso. E são 27 os concelhos que ficam acima do limiar dos mil, quatro vezes mais do que o patamar até há uma semana definido pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC na sigla em inglês) como o de risco elevado de transmissão. O ECDC elevou entretanto este patamar para 960.
Seja qual for o indicador considerado, estes números provam, de forma inequívoca, que Portugal está com “uma actividade epidémica intensa”, como enfatizou a directora-geral da Saúde na habitual conferência de imprensa para balanço da situação, em que sublinhou também que Portugal se encontra agora na décima posição neste mapa de países considerados pelo ECDC - além dos Estados-membros, o Reino Unido, a Noruega, a Islândia e o Liechtenstein. Acima de Portugal - que está com uma tendência crescente e surgia esta segunda-feira com uma incidência cumulativa de 710 casos - surgiam o Luxemburgo, República Checa, Áustria, França, Croácia, Eslovénia, Polónia, Itália e Bélgica. Nas últimas duas semanas, estamos pior do que Espanha e perto de Itália.
Olhando para o mapa português que volta a poder ser analisado em detalhe – a DGS tinha deixado de actualizar a lista no final de Outubro - , a maior parte dos 27 concelhos acima do limiar dos mil localiza-se na região Norte, a mais fustigada nesta segunda vaga da epidemia, mas também já é possível descortinar alguns concelhos da zona centro do país com taxas de incidência cumulativa muito elevadas, como Manteigas, com mais de dois mil, Belmonte e Guarda (mais de mil).
No Norte, Paços de Ferreira e Lousada continuam no topo, com mais de três mil casos por 100 mil habitantes nesse período, números que, ainda assim, indicam uma melhoria da situação face às semanas anteriores.
A divulgação deste indicador vai permitir finalmente que os cidadãos acompanhem a evolução da epidemia nos seus concelhos, como vinha sendo reclamado por alguns especialistas e autarcas. Será que esta divulgação vai ajudar, de alguma forma, as pessoas a alterar alguns comportamentos de risco? “Não consigo ter uma perspectiva preto no branco. Por um lado, é interessante que a população conheça a intensidade da transmissão no concelho em que vive, porque pode ainda adoptar mais precauções, como ficar em casa ou reduzir os contactos. Mas, por outro, também pode trazer uma falsa sensação de segurança às pessoas que residem em concelhos com menor incidência cumulativa”, pondera Teresa Leão, investigadora no Instituto de Saúde Pública da Universidade Porto (ISPUP). “As fronteiras são teóricas, não são muros desenhados pelos políticos”, observa a médica de saúde pública.
Mas Teresa Leão admite que este indicador é importante também para identificar as necessidades dos serviços de saúde e de apoio social. “Há pessoas confinadas que precisam de quem lhes leve alimentos, medicamentos”, lembra.
Quanto à diferenciação e escalonamento de medidas anunciados por António Costa na semana passada, tendo em conta a elevada discrepância de incidência entre concelhos, Teresa Leão é cautelosa. “É difícil definir um limiar e também pode haver dificuldades na comunicação à população”. Propõe assim que, em vez de se avaliar apenas a incidência cumulativa, se leve em linha de conta o índice de transmissibilidade (Rt), que permite perceber a evolução da situação. Se considerado de forma isolada, avisa, o indicador da incidência" poderá provocar algum receio e agitação na população, que se pode sentir incomodada por ser rotulada como de alto risco”.
A divulgação deste indicador é importante para as autarquias? Para os presidentes dos dois concelhos mais afectados, Paços de Ferreira e Lousada, é preciso cuidado na forma como a situação é apresentada. “No início algumas pessoas sentiram-se discriminadas quando iam para os hospitais, para as universidades. Até tomei uma posição na altura”, recorda o presidente da Câmara Municipal de Lousada, Pedro Machado. Com a disseminação da infecção na comunidade, esse problema já estará ultrapassado, acredita. “O que me preocupa agora é saber se as medidas vão ser suficientes”.
Mas tanto Pedro Machado, como Humberto Brito, presidente da Câmara de Paços de Ferreira, defendem que este indicador dá uma ideia distorcida da realidade, porque ambos os concelhos têm bem menos do que 100 mil habitantes. “Lousada tem 45 mil”, nota Pedro Machado.
O que ambos consideram relevante é o facto de a situação estar a melhorar nos últimos dias nos seus concelhos, um eventual reflexo das medidas restritivas decretadas há três semanas. Em Paços de Ferreira, a autarquia decidiu, por sua iniciativa, pôr psicólogos e técnicos de acção social a ajudar as equipas de saúde pública a fazer rastreio de contactos com maior rapidez, com uma plataforma informática criada para esse efeito. “Encontramos mais de 700 pessoas que nunca tinham sido contactadas. Estamos a aplanar a curva, mas isto demora tempo”, frisa Humberto Brito.
A DGS explicou, entretanto, que o facto de os números terem uma semana de atraso se deve ao facto de os dados da incidência por concelho terem tido “uma alteração” e “consolidação da metodologia”, processo que levou “a que só agora fossem publicados”.