A “geringonça” e a caranguejola
Ao racismo e à xenofobia do Chega, às posições que tem assumido sobre os ciganos, quando propõe a castração química de pedófilos ou a pena de morte e a prisão perpétua, quando manda Joacine para casa (porque “a casa” dos negros é a África), que há de comparável no BE ou no PC?
A extrema necessidade de o PSD justificar a (injustificável) aproximação ao Chega tem levado alguns comentadores (de direita, claro) a procurar dizer que não há grande diferença em relação ao que aconteceu em 2015 com o governo PS. Pois bem, isso merece alguma comparação cuidada.
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A extrema necessidade de o PSD justificar a (injustificável) aproximação ao Chega tem levado alguns comentadores (de direita, claro) a procurar dizer que não há grande diferença em relação ao que aconteceu em 2015 com o governo PS. Pois bem, isso merece alguma comparação cuidada.
Comecemos pelas amizades internacionais; falam sempre da Coreia do Norte e da Venezuela (que, de facto, são regimes que, de todo, não se recomendam), mas esquecem como a UE se aproximou da Turquia de Erdoğan quando precisou de se livrar dos imigrantes, ou da cobertura que o PPE tem dado a Orban ou a Kaczynski, ou de como os mais variados governos conservadores convivem bem com a Arábia Saudita (que não é melhor do que a Coreia do Norte), ou ainda de como os governos Cavaco mantiveram excelentes relações com o MPLA de José Eduardo dos Santos, como acolhemos Mobuto em Portugal e fazemos vista grossa em relação à entrada de Obiang na CPLP, e como, afinal, todos olhamos para o lado a propósito do que se vai passando na China. De qualquer lado da barricada o número de esqueletos no armário é grande e bastante vergonhoso; aqui, ninguém atire pedras.
E quanto ao passado? Fala-se de Estaline para justificar que o que se passou na União Soviética não é muito melhor do que os horrores da Alemanha nazi – o que, em muitos aspetos, é verdade –, mas esquecem-se os apoios dados a sinistros regimes na América do Sul, o convívio fraterno com ditaduras, um pouco por todo o mundo, e às vezes bem sangrentas como na Indonésia de Suharto ou nas Filipinas de Marcos. O rol não acaba.
Para que a comparação seja séria, o que temos de avaliar são as propostas e políticas atuais. E, ao racismo e à xenofobia do Chega, às posições que tem assumido sobre os ciganos, quando propõe a castração química de pedófilos ou a pena de morte e a prisão perpétua, quando manda Joacine para casa (porque “a casa” dos negros é a África), que há de comparável no BE ou no PC? Para alguma direita, eu diria que achará que matar inocentes através do aborto, ou permitir a morte assistida e a eutanásia, será semelhante. Até admito que, para certas maneiras de pensar, o seja; mas a confusão instala-se porque parte do PSD (e Rui Rio) apoiam a legislação sobre o aborto e a eutanásia, e o PC opõe-se a esta última. São, com certeza, temas controversos, mas suscetíveis de serem discutidos no contexto de uma sociedade civilizada, como tem acontecido em praticamente todos os países ocidentais; as ideias do Chega é que ninguém “civilizado”, da esquerda à direita, tolera.
Por outro lado, dizer, como dizem alguns, que o PC e o BE são partidos revolucionários, em que é que isso se manifesta nas suas propostas atuais? Não apoiar a presença de Portugal na Europa? Ou não ser a favor da NATO? Propor maior presença do Estado na economia e mesmo nacionalizações? Isso é matéria de opinião política, eventualmente controversa, mas não vai contra os ganhos civilizacionais que a cultura ocidental levou a cabo no último século. As propostas do Chega, essas sim, põem esses ganhos em causa.
Rio e o PSD deviam, ao menos, olhar para a clareza de Merkel ao recusar apoiar a eleição do governador da Turíngia porque tal tinha recebido o apoio da AfD, ou para o discurso de Casado quando votou contra a moção de censura do Vox: gente da qual discordo mas que, com este tipo de posição, me merece, realmente, respeito.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico