Elixir bucal tornou inactivo o SARS-CoV-2 em estudos in vitro

Os resultados são positivos e lançam a hipótese de se incluir os elixires bucais como parte das rotinas de prevenção da covid-19 “em conjunto com a lavagem das mãos, distanciamento físico e utilização da máscara, tanto agora quanto no futuro”. Apesar disso, não se sabe quanto tempo podem durar os efeitos.

Foto
DR

Alguns tipos de elixires bucais mostraram ser eficazes contra o SARS-CoV-2, vírus que provoca a covid-19, num estudo feito da Universidade de Cardiff (Reino Unido). Os autores encontraram “sinais promissores” in vitro — e esperam que os resultados dos ensaios clínicos os comprovem.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Alguns tipos de elixires bucais mostraram ser eficazes contra o SARS-CoV-2, vírus que provoca a covid-19, num estudo feito da Universidade de Cardiff (Reino Unido). Os autores encontraram “sinais promissores” in vitro — e esperam que os resultados dos ensaios clínicos os comprovem.

O estudo A eficácia virucida dos componentes de enxaguamento oral contra a SARS-CoV-2 in vitro, ainda não foi revisto por pares: está disponível em pré-publicação no site bioRxiv e foi submetido para publicação numa revista científica.

No estudo, os autores testaram sete elixires bucais de marcas diferentes que expuseram ao vírus durante períodos de 30 segundos, num teste em laboratório cujas condições foram concebidas para simular a cavidade oral/nasal num tubo de ensaio. E o que concluíram foi que os elixires que continham pelo menos 0,007% de cloreto de cetilpiridínio eram promissores na tentativa de tornar inactivo o vírus, assim como algumas fórmulas com etanol. 

Os investigadores perceberam que a “formulação exacta” de cada elixir é importante para avaliar a sua eficácia e sugerem que “as formulações individuais” sejam “testadas empiricamente na actividade antiviral”, ou seja, os resultados de cada elixir não devem ser extrapolados para outros: cada um deve ser testado individualmente para se apurar a eficácia.

Entre as sete marcas testadas só uma é vendida em Portugal: a Listerine. Foram testados dois produtos dessa marca e o “Listerine Advanced mostrou-se superior”, capaz de “tornar totalmente inactivo o SARS-CoV-2”. Na composição, os elixires desta marcam não contêm cloreto de cetilpiridínio, mas etanol. “Tal como os produtos que contêm cloreto de cetilpiridínio, a importância dac era evidente nas preparações que contêm álcool: o álcool sozinho, na mesma concentração que se verifica em Listerine Cool Mint ou Advanced, tinha um impacto mínimo, indicando que os óleos essenciais​ e o arginato de etil-lauroílo​ destas fórmulas aumentam significativamente a actividade antiviral”, concluem os autores.

No estudo, os autores não declararam qualquer conflito de interesses: admitem ter recebido ajuda da Venture Life Group (detentora da Dentyl, marca de higiene oral) para terem “informação sobre a composição​ dos elixires bucais”, mas não foram pagos pela empresa.

Apesar de as primeiras conclusões serem animadoras, é preciso “ver se funcionam em doentes e é esse o objectivo do próximo ensaio clínico”, afirmou David Thomas, professor da Universidade de Cardiff e outro dos autores principais do estudo, citado pela BBC. Um ensaio clínico, que irá decorrer no Hospital Universitário do País de Gales, vai determinar se o elixir ajuda a reduzir os níveis do vírus na saliva de doentes covid-19 positivos e quanto tempo duram esses efeitos – e os primeiros resultados devem ser publicados no próximo ano.

O uso destas substâncias está limitado à prevenção — não servem de tratamento, uma vez que não chegam aos pulmões, alertam os autores.

Nick Claydon, dentista citado pela BBC, afirma que estes resultados são de “grande valor” e que este tipo de elixires podem tornar-se “uma parte importante da rotina das pessoas, em conjunto com a lavagem das mãos, distanciamento físico e utilização da máscara, tanto agora quanto no futuro”. 

Estudo da Universidade da Pensilvânia com resultados semelhantes

O estudo da Universidade de Cardiff cita um estudo anterior da Universidade da Pensilvânia (EUA), que já tinha tido resultados muito semelhantes com os elixires bucais da Listerine. Este primeiro estudo, publicado em Setembro na revista científica Journal of Medical Virology, testou vários tipos de elixires e soluções para bochechar e sugere que podem ser eficazes contra os coronavírus humanos. Aqui está uma importante diferença entre os dois estudos: no da Universidade da Pensilvânia incidiram nos efeitos em coronavírus humanos, mas não especificamente no SARS-CoV-2, causador da covid-19.

Os elixires e soluções para bochechar podem ser úteis na “redução da carga viral” de uma pessoa infectada e ajudar a evitar a propagação do vírus, lê-se na nota de imprensa enviada pela Universidade da Pensilvânia. “As soluções nasais e elixires bucais, que têm impacto directo nos maiores locais de recepção e transmissão dos coronavírus humanos (HCoV), podem dar um nível adicional de protecção contra o vírus [que causa a covid-19]”, lê-se, por sua vez, no estudo.

Os produtos avaliados incluem “uma solução de 1% de champô de bebé”, soluções de lavagem nasal, Betadine e elixires bucais. E concluíram que estas substâncias, que podem ser adquiridas facilmente nas superfícies comerciais, eram capazes de desactivar este tipo de vírus em laboratório — o que pode sugerir que estes produtos possam ter potencial para reduzir a propagação de vírus por pessoas que são positivas para a covid-19, acrescenta a nota de imprensa.

O champô de bebé da Johnson’s (que já tinha sido testado e mostrou-se seguro para casos de sinusite crónica), por exemplo, desactivou 99,9% de coronavírus humanos com uma exposição de dois minutos. Produtos para bochechar como o Listerine foram “altamente eficazes a desactivar mais do que 99,9% dos vírus infecciosos, mesmo durante um tempo de contacto de 30 segundos”, lê-se no estudo.

“Enquanto esperamos por uma vacina, são necessários métodos para reduzir a transmissão”, disse Craig Meyers, professor de Microbiologia e Imunologia e um dos autores principais do estudo. “Os produtos que testamos estão disponíveis e muitas vezes já fazem parte da rotina diária das pessoas.”

“As pessoas que têm testes positivos para a covid-19 e regressam a casa para quarentena podem transmitir o vírus às pessoas com quem vivem”, acrescenta Meyers. “Certas profissões, incluindo dentistas e outros profissionais de saúde, estão em constante risco de exposição. São necessários ensaios clínicos para determinar se estes produtos podem reduzir a quantidade de vírus que os pacientes positivos para a covid ou com profissões de alto risco podem propagar enquanto falam, tossem ou espirram. Mesmo que a utilização destas soluções reduza a transmissão em 50%, já teriam um grande impacto.”