Proteger os povos de toda a UE da ameaça dos SLAPP
As falhas nas nossas leis que permitem que pessoas poderosas submetam quem os critica são uma enorme falha na democracia europeia.
Numa tarde quente de Primavera em Malta, uma jornalista chegou de carro a sua casa, dando de caras com um oficial de justiça a colar com fita adesiva centenas de folhas de papel ao portão de entrada da sua casa. Os dois cães de guarda da família ladravam descontroladamente e tentavam morder o oficial de justiça por entre as barras do portão, mas ele estava determinado a finalizar a sua tarefa. As ordens do tribunal indicavam que a jornalista, Daphne Caruana Galizia, deveria responder a 19 processos de difamação instaurados contra ela, de uma só assentada, por uma abastada e poderosa figura do mundo empresarial. Alguns meses depois a jornalista morreu, assassinada por uma bomba colocada no carro e detonada por controlo remoto.
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Numa tarde quente de Primavera em Malta, uma jornalista chegou de carro a sua casa, dando de caras com um oficial de justiça a colar com fita adesiva centenas de folhas de papel ao portão de entrada da sua casa. Os dois cães de guarda da família ladravam descontroladamente e tentavam morder o oficial de justiça por entre as barras do portão, mas ele estava determinado a finalizar a sua tarefa. As ordens do tribunal indicavam que a jornalista, Daphne Caruana Galizia, deveria responder a 19 processos de difamação instaurados contra ela, de uma só assentada, por uma abastada e poderosa figura do mundo empresarial. Alguns meses depois a jornalista morreu, assassinada por uma bomba colocada no carro e detonada por controlo remoto.
Somos um grupo de organizações da sociedade civil que consideram que este é o mais chocante caso de SLAPP a que assistimos até agora, agravado pelo facto de os processos terem prosseguido, após a morte de Caruana Galizia, contra o seu viúvo e os seus três filhos. SLAPP é o acrónimo de Strategic Lawsuit Against Public Participation [Processo Estratégico Contra a Participação Pública]. É uma forma legal de assédio destinada a intimidar e a silenciar vozes críticas. Firmas de advogados sem escrúpulos e cobrando elevados honorários gerem estes agressivos serviços a indivíduos poderosos e endinheirados, que possuem meios que lhes permitem arrastar procedimentos legais abusivos durante anos, para se esquivarem ao indesejado escrutínio do público.
Este escrutínio é essencial para a saúde das sociedades democráticas. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e outras instâncias judiciais nacionais e regionais têm, consistentemente e explicitamente, reconhecido nas suas sentenças o papel importante que uma imprensa livre e, de uma forma geral, uma sociedade civil livre desempenham no que toca a responsabilizar os mais poderosos. As suas sentenças reforçam o dever que os Estados têm de criar um ambiente que conduza e permita a liberdade de expressão. Porque sem isto a democracia enfraquece e morre.
As falhas nas nossas leis que permitem que pessoas poderosas submetam quem os critica são uma enorme falha na democracia europeia. Casos de abuso infestam o continente. O segundo maior jornal diário da Polónia, Gazeta Wyborcza, recebeu mais de 55 ameaças legais e processos provindos de um certo número de instituições, incluindo o partido no poder na Polónia desde 2015. O empresário francês Vincent Bolloré e companhias ligadas ao Bolloré Group inundaram jornalistas e organizações não governamentais com processos de difamação, para impedirem que eles noticiassem os seus interesses comerciais em África. Em Espanha, a produtora de carne Coren está a exigir um milhão de euros de indemnização de um activista ambiental por este ter criticado as práticas de gestão de resíduos da empresa, tendo esta já antes ameaçado activistas e cientistas que investigavam os níveis de nitrato nas águas próximas.
As pessoas de quem nós dependemos para estarmos informados acerca do que está a acontecer à nossa volta estão a ser distraídas, limitadas, ou completamente bloqueadas de prosseguirem no seu trabalho através destes ataques legais dispendiosos e que exigem a alocação de muitos recursos. A situação está a ficar praticamente incontrolável. No que se refere a determinadas pessoas, governos, companhias e assuntos, não são os repórteres, os operadores de câmara ou os jornalistas que decidem o que lemos, vemos ou de que falamos. Nem sequer são os tribunais, pois os SLAPP raramente chegam a uma audiência preliminar, quanto mais a julgamento. Em vez disso, são os oligarcas e os seus associados políticos, através dos advogados a quem pagam, que estão a formatar as narrativas e a evitar que a verdade venha ao de cima.
Temos assistido ao surgimento de uma preocupante tendência na Europa, em que responsáveis governamentais ou os beneficiários de grandes contratos públicos adoptam as tácticas de celebridades ou oligarcas para se defenderem do elevado grau de escrutínio que as suas posições ou as suas ligações financeiras ao Estado exigem. O facto de estas ameaças muitas vezes cruzarem fronteiras aumenta as despesas dos jornalistas e dos activistas, que se vêem obrigados a comparecer em tribunais longe de casa, em algumas das jurisdições legais mais caras da Europa.
A consciencialização acerca deste problema está a aumentar. A vice-presidente da Comissão Europeia, Vera Jourova, prometeu “avaliar todas as opções possíveis» para combater a ameaça que os SLAPP colocam à democracia europeia. Uma das soluções está nas mãos das instituições da União Europeia, e poderia ajudar a ajustar o equilíbrio entre os que colocam SLAPP e o direito do público a ser informado em matérias de interesse público.
Uma ampla legislação da União Europeia deveria ser adoptada, para proteger os povos de toda a UE da ameaça dos SLAPP. Isto tem que ser uma prioridade. Tal como acontece noutras partes do mundo, deveriam ser aplicadas na União Europeia leis que permitam que as acções de SLAPP sejam recusadas logo nas primeiras etapas dos processos, que castigassem os iniciadores dos SLAPP por abusarem das leis e dos tribunais, e que providenciassem medidas que permitissem às vítimas defenderem-se. Quando levamos em consideração a importância dos provedores públicos, como os jornalistas de investigação, os activistas e os denunciantes, na aplicação das leis e na luta contra a corrupção, a ausência de salvaguardas é uma ameaça não apenas à liberdade de imprensa, mas ao próprio bom funcionamento do mercado interno europeu e, cada vez mais, à vida democrática da Europa.
A realidade é que por cada jornalista ou activista ameaçado com violência na Europa, outros cem são discretamente silenciados através de cartas enviadas por firmas de advogados, assim pervertendo leis que foram instituídas para proteger as reputações de inocentes de ataques vindos dos poderosos. Os SLAPP são um meio muito menos bárbaro de silenciar alguém do que através de uma bomba num carro ou uma bala na cabeça, mas o seu efeito de silenciamento é muitas vezes igualmente destruidor.
Subscrevem esta carta aberta:
Access Info Europe
Amnistia Internacional
ANtICOR (França)
ARtICLE 19
Associação de Defesa dos Direitos dos Jornalistas Iraquianos
Blueprint for Free Speech
CEE Bankwatch Network
Centro Europeu para a Liberdade de Imprensa e dos Media (ECPMF)
Centro para a Liberdade de Expressão (CFE) (Canadá)
Chceme zdravu krajinu ("Queremos um país saudável”, Eslováquia)
Citizens Network Watchdog (Polónia)
Clean Air Action Group (Hungria)
Coligação Europeia para a Justiça Empresarial (ECCJ)
Comité para a Protecção dos Jornalistas
Common Weal
Confederação Europeia de Sindicatos (EtUC)
Conselho Internacional para a Reabilitação de Vítimas de tortura (IRCt)
Defend Democracy
Defensores dos Direitos Civis (CRD)
Direitos Humanos sem Fronteiras
Environmental Paper Network (EPN)
Eurocadres – Council of European Professional and Managerial Staff
European Center for Not-For-Profit Law (ECNL)
European Environmental Bureau (EEb)
Federação Europeia de Jornalistas (EFJ)
FIDH (Federação Internacional para os Direitos Humanos)
Fórum global para o Desenvolvimento dos Media (gfmd)
Four Paws International
Free Press Unlimited (FPU)
Fundação da Casa dos Direitos Humanos (HRHF)
Fundação ePanstwo
Fundação Stefan Batory (Polónia)
Fundação Daphne Caruana Galizia
Fundação do Instituto para o Desenvolvimento Sustentável
gMWatch
Government Accountability Project
Greenpeace, Secção da União Europeia
IFEX
Index on Censorship
Iniciativas e Comunidades Florestais (Ucrânia)
Instituto Internacional de Imprensa (IPI)
Instituto Polaco de Direitos Humanos e Negócios
Instituto Transnacional
International Media Support
Journalismfund.eu
Jovens Federalistas Europeus (JEF Europe)
Justiça e Ambiente
Justice Pesticides
Liga Internacional da Terra
Maison des Lanceurs d’Alerte (França)
Mighty Earth
Milieudefensie – Amigos da Terra (Holanda)
Mulheres Empenhadas num Futuro Comum – WECF International
Multiwatch (Suíça)
Netherlands Helsinki Committee
Nuclear Consulting Group (NCg)
ObC Transeuropa
Observatório da Europa Empresarial
OgMdangers.org
Oziveni (República Checa)
Parceria Internacional pelos Direitos Humanos (IPHR)
Pistaljka (Sérvia)
Projecto Justiça e Ecologia Global
Protect
RECLAIM
Rettet den Regenwald (Rainforest Rescue)
Repórteres Sem Fronteiras (RSF)
Sciences Citoyennes
Sherpa
Sociedade a Favor dos Povos Ameaçados (SbP) (Suíça)
Sociedade Civil Europa
SOLIDAR e Fundação SOLIDAR (redes europeias, sedeadas na Bélgica)
Speakout Speakup (Reino Unido)
SumOfUs
The New Federalist
The Good Lobby (Itália)
The Signals Network
Transparência Internacional – Bulgária
Transparência Internacional – Itália
Transparência Internacional – União Europeia
Umweltinstitut München (Alemanha)
União pela Liberdade Civil na Europa
Vouliwatch
Whistleblower Netzwerk (WbN) (Alemanha)
Whistleblowing International Network
Xnet (Espanha)