“Querido São João Paulo II, tu deste cabo disto, agora arranja”
Os problemas que surgiram devido à forma como João Paulo II tratou o destituído cardeal Theodore McCarrick “provam que é um erro ser-se precipitado na canonização de alguém”, disse o padre Tom Reese.
Durante seu pontificado de 27 anos, o Papa João Paulo II canonizou tantas pessoas que alguns apelidaram o Vaticano de “fábrica de santos”. Agora, o legado do próprio Papa polaco está ensombrado e alguns católicos questionam se declará-lo santo em 2014, apenas nove anos após sua morte, não terá sido uma decisão precipitada.
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Durante seu pontificado de 27 anos, o Papa João Paulo II canonizou tantas pessoas que alguns apelidaram o Vaticano de “fábrica de santos”. Agora, o legado do próprio Papa polaco está ensombrado e alguns católicos questionam se declará-lo santo em 2014, apenas nove anos após sua morte, não terá sido uma decisão precipitada.
Na semana passada, o Vaticano divulgou o seu relatório sobre o destituído Theodore McCarrick, uma estrela da Igreja Católica dos Estados Unidos que foi expulso do sacerdócio no ano passado depois de uma investigação interna o ter considerado culpado de abusos sexuais de menores e adultos e de abuso de poder.
O relatório mostrou que João Paulo II promoveu McCarrick a arcebispo de Washington DC em 2000, apesar dos rumores persistentes sobre a sua má conduta sexual, com o Papa a acreditar nas palavras do prelado, que negou as acusações, e a rejeitar o conselho de vários altos funcionários da Igreja que o aconselharam a não o fazer.
O relatório reacendeu um debate entre os defensores e detractores de João Paulo II que acompanharam a sua canonização - um reconhecimento oficial de que uma pessoa viveu e morreu de maneira tão exemplar que está com Deus no céu e é digna de veneração, ou culto, dentro da Igreja. “Os santos são seres humanos e os santos, na sua humanidade, podem ser enganados”, escreveu o biógrafo papal George Weigel.
O chefe da Conferência dos Bispos polaca disse que McCarrick "enganou cinicamente” João Paulo II, mas nem todos os polacos concordaram. Em Varsóvia, alguém colou um papel sobre a placa da Avenida João Paulo II com o texto “Vítimas da Avenida João Paulo II”. Nos Estados Unidos, o influente jornal National Catholic Reporter exortou os bispos a “suprimir o culto” ao Papa.
Isso significaria que, embora João Paulo II continuasse a ser considerado santo, as escolas ou igrejas não deveriam ter o seu nome e as actividades de devoção deveriam ser privadas. “É hora de um ajuste de contas difícil. Este homem... minou o testemunho da Igreja global, destruiu a sua credibilidade como instituição e deu um exemplo deplorável para os bispos ao ignorar os relatos de vítimas de abuso ”, disse o jornal em editorial.
O porta-voz do Vaticano, Matteo Bruni, disse que não tinha comentários a fazer. O Relatório McCarrick considerou que a vontade de João Paulo II em acreditar na negação do então cardeal foi provavelmente influenciada pela sua experiência na Polónia, onde o Governo comunista usava falsas acusações para enfraquecer a Igreja.
Os defensores de João Paulo II ofereceram a mesma explicação para rebater as alegações de que o Papa fez vista grossa ao padre Marcial Maciel, o fundador mexicano da ordem religiosa Legionários de Cristo, que foi o abusador sexual mais notório da Igreja.
“Os problemas que surgiram devido à forma como João Paulo II tratou McCarrick provam que é um erro ser-se precipitado na canonização de alguém”, disse o padre Tom Reese, analista do organismo independente Religion News Service. “Eu oponho-me à canonização de papas porque geralmente têm mais a ver com política da Igreja do que com santidade”, disse. “Os santos devem ser modelos a seguir. Como pode alguém seguir o modelo de um papa, a menos que se seja um papa?”
João Paulo II canonizou quase 500 santos, em comparação com 300 nos 600 anos anteriores.
O Papa alterou uma regra anterior do processo que leva à canonização, conhecido como “causa”, que dizia que o processo não pode começar até 50 anos após a morte de uma pessoa. João Paulo II reduziu o prazo para cinco anos e permitiu excepções imediatas. Quando o Papa Bento XVI foi escolhido em 2005, renunciou à regra, permitindo que a “causa” de João Paulo II começasse algumas semanas após a morte deste.
A autora católica Dawn Eden Goldstein escreveu no Twitter que o Relatório McCarrick não mudou a sua crença de que João Paulo II foi um santo, mas mudou a forma como lhe dirige as suas orações: “Agora digo: querido São João Paulo II, tu deste cabo disto, agora arranja”.