“O último cenário é encerrar.” A Casa do Alentejo luta pela sobrevivência
É mais um vítima colateral da covid-19. A histórica colectividade de Lisboa está a lutar pela sobrevivência, numa altura em que as quebras de facturação ascendem aos 84%. Sem mais tempo de moratória aos empréstimos e apoios a fundo perdido, a Casa do Alentejo teme não conseguir aguentar-se em 2021.
Olhando para as receitas da Casa do Alentejo nos primeiros dois meses de 2020, tudo faria crer que este seria um grande ano para esta colectividade quase centenária. Mas quando, no início de Março, os cancelamentos das reservas no restaurante alentejano — em muitos casos de agências de viagens que trariam grupos de turistas à cidade — começaram a chegar, logo se anteciparam meses difíceis. Depois da primeira vaga, o negócio não retomou. Por isso, a segunda está a ser devastadora. A Casa do Alentejo é mais uma vítima colateral da covid-19 e está a lutar para sobreviver em 2021.
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Olhando para as receitas da Casa do Alentejo nos primeiros dois meses de 2020, tudo faria crer que este seria um grande ano para esta colectividade quase centenária. Mas quando, no início de Março, os cancelamentos das reservas no restaurante alentejano — em muitos casos de agências de viagens que trariam grupos de turistas à cidade — começaram a chegar, logo se anteciparam meses difíceis. Depois da primeira vaga, o negócio não retomou. Por isso, a segunda está a ser devastadora. A Casa do Alentejo é mais uma vítima colateral da covid-19 e está a lutar para sobreviver em 2021.
“A duração desta pandemia ultrapassou todas as expectativas que tínhamos em Março, Abril”, diz João Proença, presidente da associação. Hoje, as salas do Palácio Alverca, na Rua das Portas de Santo Antão, estão despidas de gente. É ali, naquele velho palácio maneirista do século XVII, a sede desta associação desde 1932, altura em que o ainda Grémio Alentejano, fundado em 1923, para ali se mudou.
Ainda no início do século XX, os interiores do velho palácio foram transformados num dos primeiros casinos de Lisboa. Ganharam uma decoração faustosa e revivalista, numas salas neo-árabe, noutras neogóticas, pela mão dos mais conceituados artistas da época, como o pintor e ceramista Jorge Colaço. “O pátio árabe não tem nada a ver com o Alentejo. Tem a ver com o facto de quererem transmitir a ideia de exotismo e erotismo, as mil e uma noites”, repara Manuel Verdugo, vice-presidente da Casa do Alentejo. A associação acabaria por comprar o Palácio Alverca no início dos anos 80. Três décadas mais tarde, em 2011, chegou a classificação como Monumento de Interesse Público.
Por aquelas salas, adaptadas à restauração, mas também a espaço de exposição, de apresentações de livros e de tertúlias, passavam por dia cerca de 300 pessoas. “A casa tinha, de facto, uma procura muito grande”, diz o vice-presidente da associação.
Com o estado de emergência decretado em meados de Março, no início da situação pandémica no país, o restaurante, o bar e a actividade cultural da associação encerraram. A Casa do Alentejo depende da receita gerada pelo restaurante e pelo bar para “garantir a subsistência” e continuar a realizar as suas actividades culturais de dinamização do Alentejo — o seu principal propósito. Além disso, as verbas arrecadadas servem também para restaurar mobiliário, madeiras e ornamentos, pintar tectos, que ali estão desde o tempo em que o palácio acolheu um dos primeiros casinos de Lisboa, notam os dirigentes da Casa do Alentejo.
Em Maio, com o desconfinamento, reabriram na esperança de uma retoma da actividade. Mas esta ficou muito aquém dos meses pré-pandemia e a situação agravou-se a partir de Agosto, com o novo aumento dos casos de infecção.
Por ali, os turistas davam muito à casa, sobretudo pelos almoços e jantares combinados com as agências de viagens. “Às vezes fazíamos receitas na ordem dos três, quatro mil euros por dia. Hoje, não chegamos a fazer receitas de 800 euros”, nota Manuel Verdugo. Entre Março e Outubro, a quebra acumulada média foi de 84%, com um média mensal de receitas a rondar os 27 mil euros.
Os prejuízos estão a ascender a 18, 20 mil euros por mês, quando as despesas mensais se mantêm em cerca de 50 mil euros. Hoje, estão a servir, entre almoços e jantares, uma dezena de refeições. E nem a altura do Natal, época forte para a Casa do Alentejo com jantares de grupos e de empresas, ajudará a aliviar os encargos financeiros, notam os dirigentes da associação. “Vai chegar uma altura em que vamos ter de fazer opções: ou pagamos aos trabalhadores, aos fornecedores ou pagamos os impostos. Está cada vez mais complicado. Não há receitas. Não há milagres”, diz Manuel Verdugo.
Manter os postos de trabalho
Neste momento, a Casa do Alentejo tem 32 empregados, mas foram já 44. Esses 12 foram dispensados na sequência da situação pandémica. O objectivo agora é “tentar preservar os postos de trabalho”, diz João Proença.
Nos primeiros meses, a associação recorreu ao layoff. “Quando reabrimos tivemos uma grande pressão por parte dos trabalhadores porque nos atrasámos no pagamento, enquanto esperávamos receber algum dinheiro do layoff. Depois em Junho entramos no apoio à retoma, o que nos vai obrigar a ter de pagar até Dezembro quase os 100% dos salários, tenhamos ou não tenhamos receita”, diz o presidente.
Para reforçar a tesouraria e pagar aos fornecedores, a associação contraiu um empréstimo de cerca de 400 mil euros, que começará a ser pago em Junho de 2021. É aqui que acreditam que o Governo poderia intervir, prolongando a moratória dos pagamentos “até 2023 ou 2024”, nota João Proença.
Segundo diz o presidente da Casa do Alentejo, a associação pediu já audiências à Câmara de Lisboa, à associação das colectividades e ao Ministério da Economia, para expor a difícil situação que está a atravessar. “Somos dirigentes porque o quisemos ser. Mas somos moralmente obrigados a procurar responder e interceder junto poder central”, diz João Proença. Pedem ainda apoios a fundo perdido para garantir que conseguem cumprir com todos os encargos. “Se não tomarmos medidas já, em 2021 não teremos condições para corresponder aos compromissos que temos”, lamenta Manuel Verdugo. “O último cenário é encerrar.”