Do microchip de Bill Gates à alteração de ADN: as mentiras sobre as vacinas da covid-19 e os factos
São muitas as teorias da conspiração e notícias falsas que têm como objectivo colocar em causa a segurança e eficácia de uma potencial vacina para a covid-19. Com ajuda de um especialista, desconstruímos com factos as campanhas de desinformação que percorrem as redes sociais.
Quando foi noticiada, esta segunda-feira, a informação de que a vacina desenvolvida pela Moderna, empresa de biotecnologia norte-americana, mostrou uma eficácia de 95% nos testes, milhares de pessoas saudaram o resultado encorajador nas redes sociais como um passo em direcção a uma normalidade perdida. Contudo, uma pequena franja das redes sociais concentrou-se nas ligações da Moderna a Bill Gates, criador da Microsoft e um dos homens mais ricos do mundo, questionando a veracidade da informação transmitida pela empresa de biotecnologia.
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Quando foi noticiada, esta segunda-feira, a informação de que a vacina desenvolvida pela Moderna, empresa de biotecnologia norte-americana, mostrou uma eficácia de 95% nos testes, milhares de pessoas saudaram o resultado encorajador nas redes sociais como um passo em direcção a uma normalidade perdida. Contudo, uma pequena franja das redes sociais concentrou-se nas ligações da Moderna a Bill Gates, criador da Microsoft e um dos homens mais ricos do mundo, questionando a veracidade da informação transmitida pela empresa de biotecnologia.
Uma das teorias da conspiração mais usada por páginas de desinformação diz que a pandemia da covid-19 foi construída em laboratórios e é apenas um plano para que Bill Gates possa plantar um chip que servirá para monitorizar a população humana. Como será este pequeno aparelho introduzido no corpo humano? Através da vacina que irá combater o novo coronavírus, alegam os negacionistas, sem qualquer prova que sustente esta acusação.
“De modo geral, as fake news não alteraram a sua matriz. A grande alteração com a covid-19 foi o impacto imediato destas notícias falsas na saúde pública. Temos aqui um grande risco”, alerta Francisco Conrado, docente e investigador do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) da Universidade do Minho. Também David Marçal, bioquímico e divulgador de ciência, considera que esta desinformação poderá consubstanciar perigos sérios, mostrando algum alento pelo facto de os movimentos antivacinação não serem tão expressivos em Portugal como em outros países.
Mas há qualquer fundamento para esta – ou qualquer outra – teoria que circula nas redes sociais sobre vacinas? Com a ajuda de David Marçal, o PÚBLICO desconstrói a desinformação que poderá encontrar nas redes sociais.
O microchip de Bill Gates
Facebook e Youtube decidiram proibir recentemente a publicação de vídeos com desinformação sobre vacinas. Algumas destas teorias apontavam o empresário como a mente na origem de um plano que pretende manipular a população mundial. À BBC, a fundação Gates rejeitou as acusações.
“É um absurdo tão grande que até é difícil de comentar. Não há qualquer prova de que isso seja possível, é uma teoria delirante. Mas se olharmos para a questão do ponto de vista tecnológico, nem sequer faz sentido. Como diria Carl Sagan, para alegações extraordinárias são precisas provas extraordinárias e estas não existem. É sempre possível criar uma história se juntarmos vários factos sem ligação. Mas se a ideia fosse injectar um microdispositivo não seria necessário inventar uma doença, como muitos acreditam que foi o caso, para depois inventar uma vacina. É uma teoria da conspiração”, resume o bioquímico David Marçal.
Vacinas saltam fases de teste?
Em vários países, gigantes da farmacêutica tentam chegar a uma solução eficaz contra a covid-19. As recompensas económicas e reputacionais são enormes e, por esse motivo, há quem difunda a ideia de que estas empresas estão a recorrer a “atalhos” para acelerar a produção da vacina. Mas há provas de que isto acontece?
David Marçal faz questão de vincar o escrutínio por que passam os investigadores na fase de produção da vacina, considerando que seria impossível uma vacina chegar ao mercado sem mostrar resultados de ensaios clínicos. A agilização da parte logística é uma realidade, admite, mas garante que em nada afecta a eficácia e segurança da vacina.
“A indústria farmacêutica é uma das mais altamente reguladas no planeta. Para a vacina estar no mercado, as farmacêuticas têm de apresentar os resultados dos ensaios clínicos em todas as fases. Claro que há uma intenção de aceleração, mas é feita de duas formas: a primeira com uma grande alocação de recursos para a investigação, algo que acontece. Por outro lado, existe a realização de fases em simultâneo. Ou seja, a vacina começa a ser produzida antes de estar aprovada, com a esperança de que seja aprovada. O que é legítimo, visto estar a apressar-se a logística mas não a ciência. A fase que é muito difícil de acelerar é a do ensaio clínico. Só ao fim de algum tempo saberemos se o grupo que tomou a vacina está mais protegido do que o da vacina placebo”, argumenta.
Alteração de ADN?
Também ganhou eco nas redes sociais a ideia de que o material genético presente numa vacina experimental para a covid-19 irá modificar o ADN da pessoa que o recebe. Esta alegação foi partilhada no Twitter por Emerald Robinson, correspondente na Casa Branca do Newsmax, site tendencialmente favorável a Donald Trump. A publicação recebeu milhares de “gostos” e foi também partilhada por milhares de pessoas.
“Essa teoria de edição genética está ainda numa fase embrionária e não se afirma plausível. A ciência é um empreendimento colectivo, não é aquela ideia de um homem de barbas fechado numa cave que algumas pessoas têm. Houve um caso de um cientista chinês que modificou o material genético de dois bebés, mas é algo eticamente reprovável e esse homem foi inclusive sentenciado a pena de prisão”, explica David Marçal, concluindo que também estas acusações não têm qualquer fundamento científico.
Vacina da gripe e covid-19
A ligação entre a vacina da gripe e o novo coronavírus SARS-CoV-2 foi uma das primeiras campanhas de desinformação a desenvolver-se após a chegada da pandemia à Europa e Estados Unidos. Em Abril, a equipa de fact-checking da agência Reuters dedicou um artigo a essa alegação, que se espalhava pelas redes sociais e apontava a vacina da gripe como uma das responsáveis pela propagação da covid-19, pelo facto de alegadamente possuir material genético do vírus que causa a doença covid-19.
“A vacina da gripe é composta por antigénios do vírus da gripe. Volto a recordar que esta vacina é um medicamento, altamente regulado, e qualquer irregularidade seria prontamente detectada. Será que nenhum desses negacionistas conhece alguém que tenha tomado a vacina da gripe e não tenha sido infectado pela covid-19? Tendo em conta que estamos a falar de grupos mais frágeis [que recebem a vacina da gripe], é absurdo que as pessoas tenham essa ideia”, finaliza o bioquímico.