Sophia Loren regressa aos 86 anos para dizer que a reforma ainda está longe

A grande actriz italiana protagoniza Uma Vida à sua Frente. Realizado por Edoardo Ponti, seu filho, e disponível na Netflix, o filme conta a história de uma sobrevivente do Holocausto que acolhe um jovem refugiado senegalês. Uma história do presente, mas que permitiu a Loren viajar de diversas formas ao seu passado.

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No filme, cuja acção decorre em Bari, Sophia Loren contracena com o jovem actor Ibrahima Gueye Regine de Lazzaris aka Greta/Netflix

Sophia Loren, aos 86 anos, a encher o ecrã no papel de Madame Rosa, ex-prostituta, italiana sobrevivente do Holocausto que acolhe em sua casa um jovem orfão migrante. Uma Vida à sua Frente, estreado esta sexta-feira na Netflix, marca o regresso da grande actriz italiana, presença bissexta em ecrã nas últimas décadas. Não por falta de vontade de trabalhar ou de propostas. “Ainda me são enviados muitos guiões, mas nenhum me interpelou como Uma Vida à sua Frente. Foi por isso que não trabalhei durante quase dez anos”, afirmou em entrevista ao New York Times. Não só isso. Esta é uma questão de família: o filme é realizado pelo filho mais novo de Loren, Edoardo Ponti.

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Sophia Loren, aos 86 anos, a encher o ecrã no papel de Madame Rosa, ex-prostituta, italiana sobrevivente do Holocausto que acolhe em sua casa um jovem orfão migrante. Uma Vida à sua Frente, estreado esta sexta-feira na Netflix, marca o regresso da grande actriz italiana, presença bissexta em ecrã nas últimas décadas. Não por falta de vontade de trabalhar ou de propostas. “Ainda me são enviados muitos guiões, mas nenhum me interpelou como Uma Vida à sua Frente. Foi por isso que não trabalhei durante quase dez anos”, afirmou em entrevista ao New York Times. Não só isso. Esta é uma questão de família: o filme é realizado pelo filho mais novo de Loren, Edoardo Ponti.

Desde os anos 1980 que Sophia Loren decidiu inverter prioridades. Passara os 30 anos anteriores a construir uma carreira que, primeiro em Itália, depois a partir de Hollywood, fizera dela uma das mais célebres e respeitadas actrizes mundiais. Deixava então atrás de si uma vida intensa, agenda preenchidíssima, durante a qual foi dirigida por Vittorio de Sica, Ettore Scola, Dino Risi ou Charlie Chaplin, contracenando com Marcelo Mastroianni, Cary Grant, Paul Newman ou Peter Sellers. Foi nessa altura, recorda na mesma entrevista, publicada esta sexta-feira, que perguntou a si mesma: “‘O que queres da vida, Sophia?’”. “Uma família”, foi a resposta que encontrou. Casada desde os anos 1950 com o produtor Carlo Ponti (falecido em 2007), mãe de dois filhos, já tinha a família, mas faltava-lhe tempo para ela. “A partir de agora, talvez desacelere um pouco”, pensou então.

Para quê parar?

Em 1980, Edoardo Ponti tinha sete anos. Hoje, aos 47, é o realizador com quem Sophia Loren mais tem trabalhado nas últimas duas décadas. Antes de Uma Vida à Sua Frente, dirigira-a na curta A Voz Humana, adaptação da peça de Jean Cocteau (2014), e em Entre Estranhos (2002, também com Mira Sorvino e Gerard Depardieu). Ainda assim, esta relação mãe-filho, actriz-realizador, não se sustenta simplesmente na relação filial. Da parte de Sophia Loren, actualmente a viver em Genebra, há também, de certa forma, um movimento de regresso. “Repare, eu comecei com Vittorio De Sica e tantos outros antes de ir para a América, e senti necessidade de trabalhar de novo com um realizador italiano”, explicava recentemente ao La Repubblica. “O Edoardo é italiano, não é? Percebo imediatamente a sua forma de falar. ‘É estranho… Este realizador parece-me mesmo com o meu filho”.

Adaptação do romance homónimo de Romain Gary, publicado em 1975 sob o pseudónimo Émile Ajar, e alvo de adaptação ao cinema dois anos depois (Madame Rosa, realizado por Moshé Mizrahi, distinguido com o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, e que valeu a Simone Signoret o César de Melhor Actriz), Uma Vida à Sua Frente, com argumento de Ugo Chiti (Gomorra), recontextualiza-se para a realidade europeia do presente. De Paris passamos para a cidade costeira de Bari, porta de entrada na Europa de refugiados africanos e do Médio Oriente, e o jovem acolhido por Madame Rosa não é agora argelino, mas sim senegalês (Momo, interpretado por Ibrahima Gueye).

Sophia Loren não contempla a reforma — “se gosto de ser actriz, para quê parar?” —, mas prefere nesta altura avançada da carreira dedicar-se apenas àquilo que a preencha verdadeiramente. “Queria encontrar um papel que me inspirasse e desafiasse. Madame Rosa era essa personagem, não apenas pelas suas diferentes emoções, por vezes contraditórias, mas também pela mensagem de tolerância, amor e inclusão que o filme veicula”, afirmou ao New York Times. O filme proporcionou, também, e de forma diferente, o movimento de regresso que referimos anteriormente. “Era uma criança durante a [Segunda] Guerra [Mundial] e este filme lembra-me as coisas que vivi em Nápoles naqueles anos”, recordou ao La Repubblica. “Sinto-o muito próximo do meu coração. E devemos assegurar que certas coisas não mais se repetirão”.

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Sophia Loren é Madame Rosa, ex-prostituta, italiana sobrevivente do Holocausto que acolhe em sua casa um jovem orfão migrante dr

Define-se a si mesma como perfeccionista e guarda com apreço as memórias da sua carreira americana e a possibilidade que lhe deu de trabalhar com Cary Grant ou Frank Sinatra, mas reserva um espaço maior para o seu trabalho com De Sica (em particular Duas Mulheres, de 1960, na qual interpreta uma mãe que luta para proteger a sua filha no estertor final da Segunda Guerra Mundial e pela qual ganhou o Óscar de Melhor Actriz), para o seu papel em Um Dia Inesquecível (1977), de Ettore Scola, e para a longa relação no ecrã com Marcelo Mastroianni, com quem contracenou doze vezes, incluindo em Um Dia Inesquecível. Foi, aliás, às memórias desse filme que a conduziu um momento em particular na rodagem de Uma Vida à sua Frente.

Uma das cenas do filme de 1977 passa-se no terraço do prédio onde vivem a dona de casa, carente de vida e afecto, interpretada por Loren e o discreto vizinho interpretado por Mastroianni, homossexual perseguido pelo regime fascista de Mussolini (a acção passa-se em 1938, no dia em que Hitler se encontra com Il Duce em Roma). Edoardo Ponti construiu no novo filme uma ponte com esse passado, ao filmar uma das suas cenas decisivas no terraço da casa de Madame Rosa. “Foi a primeira vez que filmei uma cena num terraço em muito tempo, e foi avassaladora a avalanche de memórias e emoções”, recorda Sophia Loren à Variety.

A grande actriz pode confessar não estar a par do cinema contemporâneo — “mas é um prazer ver o trabalho de Matteo Garrone e Paolo Sorrentino, e ainda por cima são napolitanos!” —, mas é certo que não abandonou o cinema. Teve a confirmação disso mesmo no dia em que filmou naquele terraço em Bari. “Ainda que tenham passado mais de 40 anos entre as duas cenas, a minha paixão pelas narrativas e pelos filmes mantinha-se intacta”. Aos 86 anos, sentiu “borboletas no estômago” e reconfortou-a saber que, a seu lado, “estava, na figura do meu filho, um realizador que amava e em quem confiava profundamente”.

Naquele dia, conta, sentiu-se “verdadeiramente abençoada”. Tantos anos depois, Sophia Loren está de volta. Aos 86 anos, nunca deixou de ser actriz. Ainda não é tempo para a reforma.