RTP avança com Natal dos Hospitais. “É mais importante do que nunca”, defendem figuras históricas
Estação pública estuda “modelo seguro” para assegurar programa que teve início nos anos 40. Simone de Oliveira, Júlio Isidro e Eládio Clímaco reforçam importância do programa.
A RTP vai manter viva a tradição e assegura a transmissão do Natal dos Hospitais em Dezembro de 2020. Fonte oficial da estação pública confirmou ao PÚBLICO que está a ser estudado um “modelo seguro ajustado à situação de pandemia”. Para já estão previstas transmissões a partir do Hospital de Alcoitão e dos Estúdios da RTP em Lisboa, no Porto, em Ponta Delgada e no Funchal. A mesma fonte da estação pública admite que a tradição e peso do programa tiveram um papel importante na decisão de manter a transmissão, considerando que a situação de isolamento e sofrimento em que muitas famílias se encontram funcionou como motivação acrescida para realizar o programa.
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A RTP vai manter viva a tradição e assegura a transmissão do Natal dos Hospitais em Dezembro de 2020. Fonte oficial da estação pública confirmou ao PÚBLICO que está a ser estudado um “modelo seguro ajustado à situação de pandemia”. Para já estão previstas transmissões a partir do Hospital de Alcoitão e dos Estúdios da RTP em Lisboa, no Porto, em Ponta Delgada e no Funchal. A mesma fonte da estação pública admite que a tradição e peso do programa tiveram um papel importante na decisão de manter a transmissão, considerando que a situação de isolamento e sofrimento em que muitas famílias se encontram funcionou como motivação acrescida para realizar o programa.
O Natal dos Hospitais remonta a 1944: a primeira edição – que teve um estrado como palco improvisado – realizou-se no já extinto Hospital de Arroios, na Praça do Chile. A iniciativa do Diário de Noticias contaria com a colaboração da RTP a partir de 1958, num formato que dura há 76 anos e é, ainda hoje, líder de audiências. Com apenas 17 anos de idade, Júlio Isidro assumia as rédeas de um programa que, no início da década de 60, começava a ganhar nome.
“Se estava nervoso no primeiro programa que apresentei? Como deve calcular, não existia propriamente um excesso de à vontade”, remata, entre risos. Júlio Isidro é o apresentador recordista da gala. Apresentou 56 galas do Natal dos Hospitais, falhando apenas uma edição nas várias décadas em que esteve no pequeno ecrã. Nos dias antigos, o formalismo marcava as cerimónias, num Portugal marcadamente católico: “Estava ‘engravatadíssimo’ nessa primeira gala, mas fui muito bem apoiado pelos meus colegas de apresentação. Lembro-me de ter lido um salmo para dar um toque religioso, tenho essa parte gravada.”
Centenas de artistas actuavam para os doentes, procurando alegrar uma Natal que, para muitos, era forçosamente passado longe da família. Médicos, enfermeiros e doentes juntavam-se no auditório para assistir ao espectáculo. O hospital “parava”. Apesar do dever de “serviço público” cumprido e gratificação pelo carinho dos doentes, o apresentador não esconde que algumas edições tiveram um peso emocional forte. “Lembro-me tanto das emoções que vivi. Na pediatria foi muito difícil para mim, ver as crianças a sofrer. Fiz também o Natal no IPO, novamente muito complicado. Ainda para mais com a ideia de que as pessoas à minha frente, na sua generalidade, tinham um prazo de vida definido”, explica.
"Cheguei a casa e disse que nunca mais ia"
Júlio Isidro partilhou palco por diversas vezes com Simone de Oliveira, uma das artistas com mais presenças na cerimónia. Ao contrário do apresentador, a cantora não tem na ponta da língua a primeira gala ou o número de vezes que se juntou ao programa. “Não me lembro, querido. Eu comecei a cantar em 1957 com 19 anos, portanto comecei [a participar no Natal dos Hospitais] a partir daí. Tenho uma memória de elefante, mas também nem tanto”, brinca.
Tal como o apresentador, relembra com tristeza a passagem pelas alas de pediatria, mas guarda uma história que a marca até hoje: “Era uma alegria para os doentes e nós íamos todos contentes. Fazíamos o bem, alegrávamos as pessoas. Um dia fomos fazer o programa a um hospital com crianças com doenças oncológicas. Os pais de cada criança levavam um brinquedo que se juntava a um saco para depois nós tirarmos à sorte e darmos. Eu fui buscar uma boneca linda e entreguei-a a uma miúda: não é que tinham sido os pais da menina a trazer a boneca? Eu nesse dia cheguei a casa e disse que nunca mais ia [a hospitais de crianças]. Marcou-me para o resto da vida”, recorda a artista.
Esta história é confirmada por Eládio Clímaco, antigo apresentador do Jogos Sem Fronteiras e uma das caras mais conhecidas do Natal dos Hospitais. Foram inúmeros os convites para participar no programa, passando por várias instituições de saúde ao longo da carreira. “Todo o panorama artístico tinha lugar no Natal dos Hospitais”, começa por dizer, perdendo a conta ao número de vezes que participou no programa ao longo dos anos. “O carisma era reunir todo o mundo do espectáculo, era uma honra para os artistas serem chamados, tal como para nós apresentadores. O facto de conseguiremos estar com o público, não haver distanciamento para com os artistas era muito importante”, considera.
Ao longo de 75 anos, qual a principal mudança no programa? “É fazerem do Natal dos Hospitais um espectáculo de entretenimento com pivôs fixos, algo que não era a ideia natalícia. Não havia pivôs fixos, era toda a gente que participava numa boa, sem primeiras figuras. Éramos todos iguais. É talvez uma volta estranha que deu o programa. Agora, olhando quem apresenta, são dois apresentadores conhecidos, fixos. Não vejo interacção entre as pessoas, mas pode ser impressão minha”, considera.
Programa é “mais importante do que nunca"
Em 2020, ano marcado pela pandemia de covid-19, o veredicto é unânime: o Natal dos Hospitais é “mais importante do que nunca”. Eládio Clímaco relembra que o programa é marcado pelo “carinho” e “solidariedade” que, este ano, abrangerá ainda mais pessoas. “Não é só para os doentes dos hospitais. Este confinamento é um hospital colectivo. São dez milhões de portugueses que estão ‘hospitalizados neste momento, como milhares de milhões em todo o mundo. É darmos uma palavra de esperança aos outros”, relata.
Também Simone de Oliveira defende a realização de um programa “nos moldes possíveis”, deixando já um aviso à RTP. “Se me convidarem para cantar, com certeza que vou”, finaliza.