Maria da Conceição celebra 100 anos num lar que já perdeu 24 utentes para a covid
No Complexo Social da Moita, da Santa Casa da Misericórdia de Aveiro, esta sexta-feira viveu-se um dia especial. O distanciamento não foi suficiente para estragar a festa.
Foi num misto de lágrimas, sorrisos, palmas, balões e acenos que Maria da Conceição Surrador e alguns dos seus familiares celebraram esta sexta-feira uma efeméride que, em condições normais, daria direito a uma boa dose de beijos e abraços. Um 100.º aniversário mereceria tudo isso e muito mais, mas a pandemia veio alterar tudo, exigindo distância e isolamento. Ainda assim, Maria da Conceição mostrava-se feliz, contente por ter os seus à porta, a cantar-lhe os parabéns.
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Foi num misto de lágrimas, sorrisos, palmas, balões e acenos que Maria da Conceição Surrador e alguns dos seus familiares celebraram esta sexta-feira uma efeméride que, em condições normais, daria direito a uma boa dose de beijos e abraços. Um 100.º aniversário mereceria tudo isso e muito mais, mas a pandemia veio alterar tudo, exigindo distância e isolamento. Ainda assim, Maria da Conceição mostrava-se feliz, contente por ter os seus à porta, a cantar-lhe os parabéns.
Agarrada às memórias da festa do ano passado, a dos 99 - que “foi muito boa” -, faz votos de que tudo “isto” passe rápido. Esse vírus que, durante a primeira vaga, vitimou 24 utentes da instituição onde vive. O Lar da Santa Casa da Misericórdia de Aveiro chegou a ter 90 utentes infectados, mas Maria da Conceição nunca esteve entre os positivos.
“É um estímulo e ânimo para outros utentes que aqui vivem”, sublinhava Jaime Carvalho Homem, director-geral da Misericórdia de Aveiro, minutos antes de Maria da Conceição vir à porta acenar aos dois filhos, noras, netos e bisneto que aguardavam a sua aparição. Os outros descendentes – tem mais quatro filhos, 13 netos no total, 21 bisnetos e uma trineta – foram comunicando com ela, ao longo do dia, por videochamada. E ao almoço teve direito a bolo e a almoço especial de parabéns, na companhia dos restantes utentes do lar e respectivos funcionários.
Natural da freguesia de Ribafeita, concelho de Viseu, Maria da Conceição foi parar a Aveiro, com a família, depois de regressar de Angola. Está no lar desde 1997, mas nunca deixou de passar as férias de Verão e as do Natal na casa dos filhos. E se não fosse a pandemia era lá que gostava de ter estado para festejar o seu centenário. A celebração fica, assim, adiada para 2021, ainda que Maria da Conceição tenha consciência de que “quem manda está calado e nada diz”. É uma mulher de fé e, por isso, deixa tudo nas mãos de Deus.
Em conversa com o PÚBLICO revelou que o segredo para chegar aos 100 anos está em coisas bem simples. “Trabalhar muito” e “comer aquilo que o campo dava”, revelou. “Comecei a trabalhar nova e trabalhei sempre”, especificou, recordando alguns dos ofícios que teve que abraçar: “Costurava, lavava, fui mãe, fui tudo e ainda ia buscar a água à fonte”. Quanto à alimentação, era à base do porco que criavam e da “sopa feita com as coisas que vinham da terra”. “Já diz o ditado: a terra dá tudo e come tudo”, vincou.
A alegria depois da tempestade
Não obstante a distância e a máscara a cobrir-lhe as expressões faciais, Maria da Conceição parecia alegre. Bateu palmas, fez gestos de agradecimento e nunca parou de falar com a família através do telemóvel. “É a nossa utente mais antiga e mantém todo este bem-estar”, enaltecia Jaime Homem. Uma condição já de si notável, mas que salta ainda mais à vista num lar que, em Março e Abril, estava a braços com “uma situação pesada”. “Era uma altura em que ainda pouco se sabia sobre a doença, fomos apanhados de surpresa”, recordou o director-geral da instituição que chegou a ter 90 infectados num universo de 120 utentes. “Neste momento, temos zero”, garantiu Jaime Homem, especificando que uma das alterações introduzidas passou pela activação de “dez quartos para isolamento”. “Todos os utentes que saem para exames ou consultas, têm de ficar em isolamento profiláctico”, sublinhou.
São tempos exigentes e de vigilância constante, sendo que, no que toca a Maria da Conceição Surrador, tem havido sempre uma nota de optimismo. “Ao longo deste tempo, ela esteve sempre a sossegar-nos, a dizer que isto há-de passar”, declarava Anacleto Surrador, o filho mais velho. “Ela está muito bem, sabe tudo de cabeça”, reparava José, o seu outro filho. Ficaram a faltar “os abraços”, “a partilha do bolo”, lamentava Anacleto, mas a festa já ninguém lhes tira.