Em teletrabalho, quem paga a Internet?

Como a lei não é clara, abre-se uma janela de oportunidade para que o empregado possa pedir à entidade empregadora o pagamento de algumas despesas que, em caso de normalidade, se consideram domésticas. Por exemplo, a Internet e, no limite, a electricidade.

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Paulo Pimenta

Nos concelhos mais afectados pela pandemia passou a ser obrigatório recorrer ao teletrabalho. Assim, este novo regime dispensa qualquer tipo de acordo porque é obrigatório, ao contrário do que está previsto na lei para esta forma de trabalho à distância, que em casos normais exige um acordo entre as partes por escrito.

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Nos concelhos mais afectados pela pandemia passou a ser obrigatório recorrer ao teletrabalho. Assim, este novo regime dispensa qualquer tipo de acordo porque é obrigatório, ao contrário do que está previsto na lei para esta forma de trabalho à distância, que em casos normais exige um acordo entre as partes por escrito.

Socorrendo-nos da lei, e para afastar qualquer dúvida no que respeita à formalização legal, verificamos que a forma escrita é a exigida para estipulação do regime de teletrabalho (ver Art. 166.º n.º 7 da Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro.) Seguindo a mesma lei, encontramos, porém (Art. 168.º), que a entidade patronal “deve assegurar as respectivas instalações e manutenção e o pagamento das inerentes despesas”, salvo se o contrário for obviamente estipulado e acordado entre as duas partes. 

Não podendo, então, realizar-se a prestação do trabalho em regime de teletrabalho pela via facultativa e por acordo, mas sendo este agora obrigatório, abre-se uma janela de oportunidade para que o empregado possa pedir à entidade empregadora o pagamento de algumas despesas que, em caso de normalidade, se consideram domésticas, como referem aliás vários especialistas ouvidos pelo PÚBLICO. A Internet e, no limite, a electricidade cabem no rol das despesas inerentes que a lei menciona, salvo opinião contrária.

Como quase sempre, o legislador, esquecendo-se de tornar a lei o mais simples possível e sem margem para outras possíveis interpretações, não clarificou esta questão na norma em vigor. Se, por um lado, a lei estabelece que, em regra, nas situações normais, existe o dever da entidade patronal (salvo se o contrário for estabelecido entre as partes) pagar ao funcionário as despesas inerentes ao teletrabalho, então haverá a presunção de que, quando o trabalho realizado à distância é de carácter obrigatório, manter-se-á esse dever da entidade patronal. Se nada é dito em contrário e clarificado, é de ponderar que os trabalhadores possam então (como sempre puderam) pedir o pagamento dos custos associados ao teletrabalho à entidade empregadora. Pelo menos, a questão poder-se-á colocar até que alguém venha clarificar a situação. 

De referir, por exemplo, que em Espanha o regime é claro e determina, sem margem para dúvidas, que cabe à entidade patronal suportar a despesas dos trabalhadores em teletrabalho. Por cá, ficamos a aguardar que esta questão seja clarificada para que não restem dúvidas e não se fique na penumbra de um regime feito em cima do joelho, onde se esqueceu esta questão importante. 

Já não é a primeira vez que, depois das normas serem publicadas, surgem questões que o legislador não acautelou previamente, levantando-se sem qualquer necessidade problemas de interpretação. Aconteceu durante o primeiro confinamento, em que foram necessários vários dias para que a questão do subsídio de alimentação fosse tratada juridicamente, muito depois de o diploma já estar em vigor, assim como a questão da retenção na fonte de IRS em regime de lay-off simplificado. Tudo isto era dispensável e continua a sê-lo. 

Adivinham-se litígios desnecessários, onde por um lado a entidade empregadora poderá recusar o pagamento destas despesas, alegando não ter condições para o assumir, e por outro, o trabalhador poderá recusar trabalhar remotamente, alegando que não consegue assumir este obrigatório acréscimo de encargos. Mas para atalhar caminho, sabendo o legislador que há a possibilidade de o trabalhador requerer à empresa o pagamento das despesas inerentes ao teletrabalho e sabendo também que poderá existir um acréscimo de despesa por parte da empresa, facilmente criaria uma fórmula simples.

Em tempos de crise económica como esta em que vivemos, para se fazer face a este possível acréscimo de custos poderia reduzir-se, por exemplo, em três pontos percentuais o custo do trabalho, passando a taxa social única em vigor de 23,75% para 20%, enquanto durar a obrigatoriedade do regime ao teletrabalho. Podia compensar-se assim a entidade patronal pelo custo que advém da exigência que se encontra na lei da obrigatoriedade de pagar ao funcionário as despesas inerentes a este regime de adesão obrigatória.

De qualquer forma, a janela legislativa está aberta. Estou em crer que poucos são os que sabem que a lei dá acesso ao trabalhador (como sempre deu) para que este peça à entidade patronal o pagamento de despesas inerentes ao teletrabalho, pelo menos da Internet.