A ameaça das espécies invasoras. E a app que ajuda a combatê-las

Para ajudar no combate às espécies invasoras, uma equipa de cientista ligada à Universidade de Coimbra criou uma plataforma de disseminação de conhecimento na qual o cidadão pode participar, através de uma aplicação para smartphone.

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Adriano Miranda/Arquivo Público

Há cerca de duas décadas, quando Elizabete Marchante iniciou o seu percurso na área da Biologia, praticamente não se ouvia falar de espécies invasoras. Em contexto académico, eram poucos os investigadores que se dedicavam ao tópico – uma realidade ainda mais marcada quando comparada com o contexto internacional –, ao grande público não chegavam “acções de divulgação que sensibilizassem” e a primeira legislação sobre a temática entrara em vigor poucos anos antes. Partindo de um mestrado no qual trabalhou “com solo” – componente que considera muitas vezes “esquecida” e à qual é dada “pouca importância” –, Elizabete achou que seria pertinente “explorar” as ditas plantas por entender que “elas teriam de estar a alterar alguma coisa nos ecossistemas”. De facto, estavam – e estão.

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Há cerca de duas décadas, quando Elizabete Marchante iniciou o seu percurso na área da Biologia, praticamente não se ouvia falar de espécies invasoras. Em contexto académico, eram poucos os investigadores que se dedicavam ao tópico – uma realidade ainda mais marcada quando comparada com o contexto internacional –, ao grande público não chegavam “acções de divulgação que sensibilizassem” e a primeira legislação sobre a temática entrara em vigor poucos anos antes. Partindo de um mestrado no qual trabalhou “com solo” – componente que considera muitas vezes “esquecida” e à qual é dada “pouca importância” –, Elizabete achou que seria pertinente “explorar” as ditas plantas por entender que “elas teriam de estar a alterar alguma coisa nos ecossistemas”. De facto, estavam – e estão.

A inclusão de uma espécie arbórea invasora numa determinada área representa uma ameaça para a biodiversidade existente, já que, com o seu comportamento dominante, a espécie vai modificar as condições em que todas as outras plantas se desenvolvem – devido ao impacto nos ciclos de carbono, água e nutrientes –, assim como as ligações com os animais que se alimentavam delas, que as polinizavam, que disseminavam as sementes, etc. Segundo a investigadora do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra, tal acontece porque “os ecossistemas não são algo estanque, tudo está interligado e se mexermos numa peça vamos alterar o resto”. Em última análise, as repercussões da expansão das invasoras vão influenciar igualmente o curso das alterações climáticas.

O que define uma espécie exótica

Cientes de que o problema não é solucionável se “fechado na academia”, Elizabete e a sua equipa apostam no contacto com o público para difundir informação. Nestes momentos, o ponto de partida é a apresentação dos cinco critérios que fazem de uma planta uma “invasora”. “É exótica, ou seja, vem de outro território; foi introduzida pelo homem; reproduz-se pelos próprios meios; consegue afastar-se muito das áreas onde foi introduzida inicialmente – aumentando, muitas vezes, a densidade da população e a quantidade de indivíduos –; e promove graves alterações do ponto de vista ambiental, mas não só.”

Sobre a transferência e introdução de espécies no território nacional – o que faz delas “exóticas” –, esta poderá ter acontecido de forma acidental (sementes misturadas com outros produtos) ou intencional, servindo diferentes usos: ornamental, fixação de dunas, exploração económica. Ainda assim, é importante ressalvar que “no nosso dia-a-dia, dependemos de muitas espécies exóticas que não são invasoras: batatas, milho e muitas das fruteiras que temos, por exemplo”, esclarece Elizabete. A diferença está na capacidade de reprodução, já que, no caso das invasoras, a intervenção do homem não é necessária. Paralelamente, a manutenção de bancos de sementes vastos e viáveis durante muitos anos é um garante da sobrevivência das espécies. “Chegamos a ter áreas com 20, 30, 100 mil sementes por metro quadrado, o que são números assustadores”, revela.

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Acção de controlo de acácias com recurso ao método do descaque. Paulo Pimenta/Arquivo Público

“Controlar”, não “erradicar”

Do ponto de vista económico, o impacto das invasoras reparte-se entre os ganhos e as perdas. Se, por um lado, foi a perspectiva de uma exploração rentável que motivou a introdução (intencional) de determinadas espécies em território português, como o eucalipto, por outro, os elevados custos – “muitos milhões” em Portugal e na Europa – das contínuas acções necessárias para controlar a propagação das plantas é uma dificuldade enfrentada por muitas entidades dedicadas à produção ou à conservação. Afinal, uma vez introduzidas no terreno, as invasoras dificilmente perdem a guerra pela sua sobrevivência, apesar das inúmeras técnicas implementadas.

O verbo certo a utilizar será, segundo Elizabete Marchante, “controlar” e não “erradicar”. “Erradicar quer dizer eliminar totalmente, numa determinada área, aquela espécie. Tanto o que é visível como o que não é, como as sementes enterradas.” Algo que só é possível “para as espécies que estejam a chegar agora ou para espécies que se estabeleceram há muito pouco tempo”, possibilitando a localização de todos os indivíduos. Não se trata, portanto, de um processo fácil e para o qual existem “receitas milagrosas”: cada intervenção “vai depender da espécie e do contexto” em causa. “Estamos a falar de seres vivos, que reagem ao que lhes acontece na envolvente – sobretudo em contexto de alterações climáticas. Mediante as condicionantes, as espécies vão reagir de maneira diferente, o que quer dizer que tenho de ter capacidade, quando faço a minha gestão, de me adaptar.”

Para além desta flexibilização, outro factor que Elizabete Marchante considera essencial é a continuidade. “Costumo dizer às pessoas, ‘Se só têm orçamento para uma acção, é melhor não fazerem nada’.” Este conselho justifica-se com a capacidade de as plantas brotarem, ainda com mais força, depois de cortadas, facilitando o transporte de sementes para outras áreas. “É absolutamente crucial que se faça um primeiro controlo e depois vários controlos de seguimento”, esclarece. O foco na finalidade da área intervencionada, seja a vertente de produção ou de conservação, deve orientar toda a intervenção, sob pena de se estar a “criar ou aumentar outros problemas”.

Na lista de consequências resultantes da expansão das arbóreas invasoras constam ainda mais impactos prejudiciais ao nível da saúde pública e da própria paisagem, dois aspectos muitas vezes imperceptíveis para a própria população. “Há várias espécies que têm pólenes alergénicos, como as acácias ou as ervas das pampas, e outras que são cortantes e tóxicas”, explica. Já no que diz respeito à estética da paisagem, algumas alterações acabam por ser do agrado da população, principalmente na fase em que as plantas dão flor. No entanto, estas acabam por “degradar a paisagem quando começam a dominar, a cair e a partir”.

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Através da plataforma Invasoras.pt e da aplicação para smartphone, o público pode colaborar com a equipa de cientistas, ajudando a mapear as espécies invasoras.

Aumentar o número de “convertidos”

Segundo a Lista Nacional de Espécies Invasoras, actualizada em Julho de 2019, no âmbito do decreto-lei nº92/2019, existem em Portugal cerca de 200 espécies arbóreas invasoras – um aumento considerável face à versão anterior do documento. A acompanhar a evolução da legislação, Elizabete vê também alterações no comportamento dos cidadãos, os quais nota “mais conscientes e conhecedores” da temática. Ainda assim, “muitíssimo aquém do que é preciso”. “Se eu me dirigir a alguém que não faz parte do grupo dos ‘convertidos’ [pessoas interessadas pelo ambiente e pela área da conservação], essa pessoa não faz a mínima ideia do que estou a falar.”

Foi precisamente com o objectivo de aumentar o número de “convertidos” que o Invasoras.pt foi criado. Trata-se de uma plataforma de “ciência-cidadã”, em que os “cidadãos são convidados a ser cientistas, colaborando na produção de conhecimento”. Para isso, o website obedece a uma lógica informativa – que permite aos visitantes “aprender a reconhecer as invasoras e a controlá-las” a partir de fichas identificadoras – e participativa, o que inclui diversas possibilidades. O “mapa de avistamentos” é uma delas: “Convidamos os cidadãos a registar-se, e a fazer a inscrição das plantas invasoras que observam, na região onde vivem, onde costumam passear, etc.” O serviço, que está também disponível sob a forma de aplicação para Android e IOS, é muito importante, tanto para a gestão como para a própria investigação.

Para completar com maior “visibilidade” a estratégica de comunicação iniciada com a plataforma online, o grupo de investigadores pertencente ao Centro de Ecologia Funcional (com membros da Universidade de Coimbra e da Escola Agrária do Instituto Politécnico de Coimbra) levou a cabo a primeira Semana Nacional sobre Espécies Invasoras. Entre os dias 10 e 18 de Outubro, dezenas de acções foram dinamizadas a nível nacional tendo em vista o controlo de indivíduos invasores no terreno, assim como a divulgação da causa. Ao contrário do que a organização anteviu, “uma parte significativa dos voluntários participou nas acções pela primeira vez”. Apesar de ser uma “notícia positiva” que “surpreendeu”, Elizabete Marchante sabe que há ainda um longo caminho a percorrer. “Continuamos a ter consciência e percepção de que não é um tema que esteja na linguagem do dia-a-dia, como as alterações climáticas.”