Um casal de imigrantes está por trás do sucesso da vacina da covid-19 de que mais se fala
Dois cientistas alemães de origem turca estão à frente da empresa que desenvolveu vacina com base numa nova tecnologia para lutar contra o novo coronavírus.
Foi em Janeiro, depois de ler um artigo científico na revista médica The Lancet sobre o novo coronavírus que se estava a espalhar na China, que o imunologista Ugur Sahin percebeu que a tecnologia desenvolvida pela sua empresa, em Mainz, na Alemanha, poderia ter um papel fundamental. Foi assim que nasceu a vacina da BioNtech contra a covid-19, fundada por um casal de cientistas imigrantes turcos na Alemanha, à qual a União Europeia comprou nesta quarta-feira 300 milhões de doses, depois de ter sido anunciado que tem uma taxa de sucesso de 90%.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Foi em Janeiro, depois de ler um artigo científico na revista médica The Lancet sobre o novo coronavírus que se estava a espalhar na China, que o imunologista Ugur Sahin percebeu que a tecnologia desenvolvida pela sua empresa, em Mainz, na Alemanha, poderia ter um papel fundamental. Foi assim que nasceu a vacina da BioNtech contra a covid-19, fundada por um casal de cientistas imigrantes turcos na Alemanha, à qual a União Europeia comprou nesta quarta-feira 300 milhões de doses, depois de ter sido anunciado que tem uma taxa de sucesso de 90%.
Ugur Sahin é o director e Özlem Türeci, a sua mulher, é a directora clínica da empresa alemã BioNtech, que se associou à Pfizer para produzir uma vacina baseada numa nova tecnologia – a do ARN mensageiro (ARNm), uma molécula que transporta instruções para que as células produzam proteínas a partir das informações codificadas no material genético que está no núcleo. Ao contrário das vacinas tradicionais, que introduzem proteínas do vírus ou vírus inactivados para desencadear uma resposta do sistema imunitário, as vacinas baseadas na tecnologia de ARNm pretendem enviar informação genética para que as células produzam moléculas que lutam contra a doença – a infecção pelo coronavírus.
Esta abordagem tem sido usada no tratamento do cancro. Özlem Türeci, de 53 anos, e Ugur Sahin, de 55, que se conheceram na faculdade, já antes tinham fundado uma empresa de biotecnologia, a Ganymed Pharmaceuticals, que trabalhava em respostas do sistema imunitário contra o cancro do esófago, e que desenvolveu anticorpos monoclonais para tratar este cancro. Estes tratamentos eram tão promissores que venderam a empresa, em 2016, a uma farmacêutica japonesa, a Astellas Pharma, por 422 milhões de euros. Na verdade, hoje os media alemães situam o casal na lista das maiores fortunas do país.
As origens de Sahin e Türeci foram, no entanto, modestas. Ugur Sahin nasceu em Iskenderun, uma cidade historicamente conhecida como Alexandreta, no Sudeste da Turquia, na costa do Mediterrâneo. A sua família emigrou para Colónia, na Alemanha, quando ele tinha quatro anos. Os pais trabalharam numa fábrica da Ford, e ele sonhava em ser médico. Formou-se na universidade daquela cidade alemã, com um doutoramento em Imunoterapia de Células Tumorais, diz o jornal The New York Times.
Conheceu Özlem Türeci na universidade, quando era muito jovem. Ela era filha de um médico turco, de Istambul, que também tinha imigrado para a Alemanha. Türeci trabalhou no laboratório de Rolf Zinkernagel, que ganhou o Prémio Nobel da Medicina de 1996, pela descoberta de como o sistema imunitário reconhece as células infectadas por vírus.
Sahin e Türeci formam um casal e uma equipa: no dia do casamento, trabalharam no laboratório de manhã, casaram-se, e foram trabalhar outra vez para o laboratório. Hoje, além de milionários, empresários e cientistas, são também professores universitários. As acções da empresa no índice tecnológico Nasdaq da Bolsa de Nova Iorque fecharam na terça-feira a valer 112,7 dólares, e o valor de mercado da BionTech disparou para cerca de 18 mil milhões de euros nos últimos meses, diz o The New York Times. Assim o casal de cientistas se tornou um dos mais ricos da Alemanha.
A tecnologia usada pela BioNtech para desenvolver a vacina para a covid-19 – que ainda não foi apresentada numa revista científica e avaliada por outros cientistas, apenas foram divulgados os resultados num comunicado de imprensa – é nova, mas não é exclusiva. Está a ser usada por outras empresas que participam na corrida para desenvolver vacinas contra o novo coronavírus, como a norte-americana Moderna, a CureVac também na Alemanha, ou a vacina em desenvolvimento pelos cientistas do Imperial College, de Londres, que está a ser testada em comparação com a da Universidade de Oxford, ambas do Reino Unido.
Se se confirmar o sucesso da vacina da BioNtech, o acordo com a grande multinacional farmacêutica Pfizer permitirá a sua produção e distribuição para todo o mundo – os 300 milhões de doses da vacina da BioNtech e da Pfizer encomendadas pela União Europeia devem ser produzidas por uma fábrica da empresa farmacêutica na Bélgica. A vacina exige condições de armazenagem e transporte difíceis, como ser mantida à temperatura de 75 graus negativos, embora possam sobreviver cinco dias num frigorífico normal, nota o Financial Times.
O facto de a BioNtech ter à frente dois imigrantes facilitou a parceria com a Pfizer, conta o The New York Times, porque o facto de ser de origem turca ajudou a criar uma amizade com o grego Albert Bourla, o CEO, administrador-geral da Pfizer. Países vizinhos e rivais, Grécia e Turquia têm uma relação ao mesmo tempo próxima e difícil ao longo dos séculos. Mas ambos têm dito, em várias entrevistas recentes, que construíram a sua relação com base numa história parecida, de imigrantes e cientistas.
“Percebemos que ele é da Grécia, eu da Turquia. Sempre foi muito pessoal desde o princípio”, comentou Sahin. “O Ugur é único. Só quer saber da ciência. Não gosta de fazer negócios”, disse ao The New York Times Albert Bourla. “Não gosta nada. É um cientista e um homem de princípios. Confio nele a 100%.”