Governo não quer impor metas de reutilização de embalagens à indústria

Ao contrário do que chegou a estar previsto, pacote legislativo sobre resíduos, que entrou em discussão pública, deixa para o mercado a responsabilidade de definir metas, o que para a Zero é inaceitável.

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Proposta de legislação não estabelece metas para termos embalagens reutilizáveis à disposição, no mercado Goncalo Dias

O Governo português colocou na passada sexta-feira em discussão pública um extenso pacote legislativo que transpõe para Portugal as actualizações mais recentes de várias directivas europeias sobre resíduos. Os interessados têm duas semanas para digerir as 410 páginas disponibilizadas online, mas, numa primeira abordagem a estes textos, a associação ambientalista Zero detectou já uma situação que considera ser grave: o executivo não fixa metas para a colocação, no mercado, de embalagens reutilizáveis, conforme chegou a estar previsto em versões anteriores do articulado, revela.

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O Governo português colocou na passada sexta-feira em discussão pública um extenso pacote legislativo que transpõe para Portugal as actualizações mais recentes de várias directivas europeias sobre resíduos. Os interessados têm duas semanas para digerir as 410 páginas disponibilizadas online, mas, numa primeira abordagem a estes textos, a associação ambientalista Zero detectou já uma situação que considera ser grave: o executivo não fixa metas para a colocação, no mercado, de embalagens reutilizáveis, conforme chegou a estar previsto em versões anteriores do articulado, revela.

Em causa está o artigo 29.A, que passa a fazer parte do Decreto-Lei n.º 152-D/2017, que “unifica o regime da gestão de fluxos específicos de resíduos sujeitos ao princípio da responsabilidade alargada do produtor”. Nele chegou a constar, numa versão anterior do pacote legislativo em revisão, que “até 2025, pelo menos 30% do volume anual de bebidas colocado no mercado deve ser embalado em embalagens reutilizáveis”, percentagem essa que passaria, segundo o número 2 desse articulado, para “pelo menos 70% do volume anual de bebidas colocado no mercado em 2030”. 

Contudo, na versão que chegou à discussão pública, o Governo recuou, e deixa escrito que são “as estruturas representativas de sectores de actividade económica, designadamente da indústria, do comércio, da distribuição e da restauração” que “devem adoptar, até 2023, instrumentos de auto-regulação que definam metas de gestão relativas ao volume percentual anual de bebidas colocadas no mercado embaladas em embalagens reutilizáveis, para 2025 e 2030, assegurando o respectivo cumprimento ou superação”.

Imposição, só em último recurso

Esses “instrumentos”, a definir até 15 de Setembro de 2022, “terão de ser homologados” pelas tutelas da Economia e do Ambiente, que podem criar um mecanismo de acompanhamento e as penalizações associadas em caso de incumprimento. No número quatro do mesmo artigo 29.A, em em discussão pública, admite-se, em último recurso, que “não obstante o disposto nos números anteriores, os membros do Governo responsáveis pelas áreas da Economia e do Ambiente podem definir, por portaria, metas de gestão relativas ao volume percentual anual de bebidas colocadas no mercado embaladas em embalagens reutilizáveis”. O que pode acontecer se, em 2024, a União Europeia impuser metas para todos os países. 

A formulação final é um retrocesso, considera a Zero, uma associação portuguesa que faz parte do movimento global “Break Free From Plástic”. Esta coligação de várias organizações divulgou em Setembro um relatório, que realizara com a Changing Markets Fundation, em que se dava conta que, no mundo, as empresas que mais contribuem para a poluição através do plástico têm, ao longo dos anos, assumido diferentes compromissos no combate a essa poluição, mas, nos bastidores, fazem tudo para atrasar ou travar legislação que as obrigue efectivamente a mudar. 

E é à luz das conclusões desse estudo que a Zero considera muito grave que o Governo tenha deixado ao mercado o papel de determinar o ritmo a que fará uma mudança que considera urgente para criar, em Portugal, uma economia verdadeiramente circular no domínio das embalagens. Aliás, para Susana Fonseca, uma das porta-vozes da Zero para a área dos resíduos, o recuo é incompreensível e só pode ser lido como uma cedência do Ministério do Ambiente ao da Economia quando, o que seria necessário, considera, é que também este incorporasse preocupações ambientais como esta, de forma a que a recuperação económica seja sustentável.

ONG exigem metas

Na sequência desta alteração, a Zero, e duas outras organizações, a Sciaena, dedicada aos oceanos, e a Associação Natureza Portugal (ANP/WWF) emitiram esta terça-feira um comunicado em que “consideram esta situação inaceitável e exigem que esta passagem de responsabilidades seja retirada da legislação”. Em seu lugar, acrescentam, devem  “ser propostas metas, em linha com as que existiam em versões anteriores deste mesmo documento, com as indicações dadas por responsáveis da administração em reuniões de trabalho durante os últimos meses, e com o que está preconizado a nível europeu”.

Para estas organizações “a definição de metas de reutilização é fundamental para a redução da produção de resíduos por a reutilização estar no topo da hierarquia de gestão”, o que implica, nesta perspectiva, que “deve ser prioritária face, por exemplo, à reciclagem. Sem metas ou, ainda pior, com metas definidas por aqueles a quem mais interessa que a reutilização não seja promovida, Portugal dificilmente conseguirá reduzir a quantidade de resíduos produzidos e ter uma política séria na área da prevenção”, alertam.