Surto de legionella na região Norte já fez cinco mortos
Já há doentes internados na Póvoa de Varzim, Matosinhos e Porto. Doença com complicações respiratórias pressiona ainda mais hospitais já a braços com aumento de casos da covid-19. DGS diz que há 46 casos ligados ao “mesmo foco” e que desde 29 de Outubro foram identificados 64 casos na região Norte
O surto de legionella identificado na região Norte já fez pelo menos cinco mortos. Dois no Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim/Vila do Conde (CHPVVC) e três na Unidade de Saúde Local de Matosinhos (Hospital Pedro Hispano). As vítimas têm todas 85 anos ou mais.
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O surto de legionella identificado na região Norte já fez pelo menos cinco mortos. Dois no Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim/Vila do Conde (CHPVVC) e três na Unidade de Saúde Local de Matosinhos (Hospital Pedro Hispano). As vítimas têm todas 85 anos ou mais.
No Hospital Pedro Hispano, desde 30 de Outubro e até esta segunda-feira, foram diagnosticados 32 casos da doença do legionário e 17 pessoas continuavam internadas, incluindo duas nos cuidados intensivos e duas nos cuidados intermédios, disse ao PÚBLICO fonte daquela unidade de saúde. Até ao momento, o hospital registou já três mortes com legionella, duas mulheres e um homem, um com 89 anos e dois com 87. Há onze pessoas que já tiveram alta.
Ao início da tarde, uma fonte do CHPVVC confirmava também a segunda vítima mortal neste hospital, um homem de 92 anos, que se juntava à vítima identificada no domingo, um outro homem com 85 anos e várias comorbilidades. A mesma fonte adiantou ainda que, neste dia, foram internadas mais duas pessoas e uma outra teve alta. Os casos totais que passaram por aquele hospital cifram-se assim em 19 diagnosticados, dois óbitos, quatro altas e duas transferências para o Hospital Pedro Hispano, que tem um protocolo com aquela unidade hospitalar para receber casos que se agravem, já que o CHPVVC não tem unidade de cuidados intensivos.
O CHPVVC descartou ao PÚBLICO a possibilidade de o surto ter origem no próprio hospital, garantindo que os casos ali diagnosticados chegaram às urgências já com sintomas e que o surto terá origem “comunitária”.
Na noite de domingo eram 28 os casos de legionella confirmados pela Administração Regional de Saúde do Norte (ARSN), mas o número de casos na região é bastante superior, como revelou esta segunda-feira a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, na habitual conferência de imprensa sobre a covid-19.
Questionada sobre aquele surto, Graça Freitas afirmou que desde 29 de Outubro foram identificados 64 casos de doença do legionário na região Norte, 46 dos quais ligados “ao mesmo foco”. “Têm uma localização na região litoral da Póvoa de Varzim e Vila do Conde, o que indicará uma fonte comum”, disse a responsável da Direcção-Geral de Saúde, pedindo tranquilidade. “Estamos na altura de termos este tipo de doenças”, lembrou, afirmando que não é estranho que a média de idade dos doentes seja 80 anos, conforme revelou a ARSN, já que são precisamente as pessoas mais velhas as mais atingidas pela legionella. “Não é uma doença que se contagie, passa por fontes ambientais. As autoridades de saúde estão a investigar”, disse, garantindo que assim que essa fonte for identificada ela será “intervencionada”, e pedindo “tranquilidade às pessoas da região.
Do Hospital de Matosinhos a mensagem é a mesma, com fonte oficial da unidade de saúde a realçar que “todos os anos há casos de legionella nos hospitais, é uma doença de Inverno, que aparece nesta altura do ano.”
Os primeiros casos tornados públicos foram os do CHPVVC, onde terão começado a chegar a 2 de Novembro. A Câmara da Póvoa de Varzim deu conta, na noite de domingo, que após um contacto com esta unidade e com o delegado de saúde, fora informada que “nenhum dos doentes é residente no concelho”. Uma situação que se alterou entretanto, uma vez que terá já sido identificado pelo menos um residente infectado com a doença provocada pela bactéria Legionella pneumophila.
António Santos, de 65 anos, ficou admirado quando leu que a Câmara da Póvoa de Varzim tinha anunciado que não havia moradores do concelho infectados. “Eu sempre morei na Póvoa e devo ter sido dos primeiros casos”, diz o homem ao PÚBLICO, explicando que sentiu os primeiros sintomas ainda a 31 de Outubro, e que seria internado no hospital da cidade a 2 de Novembro.
“Na noite de domingo comecei com febres muito altas e muita transpiração”, conta. No CHPVVC realizaram-lhe o teste à covid-19 e foi já depois do resultado negativo ter sido confirmado que lhe foi comunicado o diagnóstico. António esteve internado até quinta-feira, e está ainda a convalescer em casa, mas até agora não consegue perceber onde poderá ter apanhado a bactéria, e foi isso mesmo que disse ao delegado de saúde, que o inquiriu ainda durante o internamento. “Tenho estado sempre por casa, só saí para ir a uma consulta no Hospital Pedro Hispano, no dia 19, praticamente mais nada”, diz.
Em casa e sem sair para qualquer lado nos quinze dias que antecederam os primeiros sintomas esteve também uma outra doente, de 92 anos, que ainda se encontra internada no CHPVVC, e também moradora na Póvoa de Varzim, o que leva uma familiar, que prefere não ser identificada, a dizer que “o mais provável” é a mulher ter tido contacto com a bactéria em casa.
Também o município de Vila do Conde veio confirmar, já na manhã desta segunda-feira, a existência de vários casos da doença do legionário, “não só no concelho de Vila do Conde, mas também em vários concelhos limítrofes”. Em comunicado, a câmara dá conta que teve conhecimento do primeiro caso a 2 de Novembro e que, desde então, “se encontra em contacto permanente e estreita colaboração” com as autoridades de saúde competentes. Contudo, refere também, “apesar dos esforços desenvolvidos pelas autoridades de saúde, neste momento, ainda não é possível identificar a causa/origem dos casos”.
A ARSN está a acompanhar o caso, em articulação com o delegado de saúde local, “e a implementar as medidas previstas para a situação em apreço”. Este organismo está também a actualizar os dados sobre este surto que está a pressionar ainda mais os serviços hospitalares já assoberbados com os casos da covid-19 (sobretudo porque os afectados pela doença do legionário também podem precisar de ventiladores).
Dos 28 casos que identificou na noite de domingo, 12 estavam internados no hospital da Póvoa de Varzim/Vila do Conde, um tinha morrido e três tinham tido alta. No Hospital Pedro Hispano encontravam-se 12 internados, incluindo dois que tinham sido transferidos da Póvoa.
Os dados da ARSN não incluíam os casos que já foram identificados no Hospital de S. João, no Porto, mas fonte deste hospital confirmou ao PÚBLICO que tem, neste momento, “vários” casos de doentes com legionella internados, residentes em Vila do Conde e na Póvoa de Varzim. Alguns foram transferidos de outros hospitais e outros dirigiram-se directamente às urgências do hospital, explicou a mesma fonte.
A doença do legionário contrai-se por inalação de gotículas de vapor de água contaminadas (aerossóis), de dimensões tão pequenas que transportam a bactéria para os pulmões, depositando-a nos alvéolos pulmonares. Os sintomas são similares aos de uma pneumonia grave, incluindo febre alta, falta de ar ou dores musculares - e podem também ser confundidos com os da covid-19.
O surto mais grave de legionella dos últimos anos aconteceu em 2014, em Vila Franca de Xira, causou 12 mortos e mais de 400 infecções, e teve origem em duas empresas da região, a Adubos de Portugal e a General Electric. Com Abel Coentrão