O que de facto importa no estado de emergência
Mais do que uma série de restrições duras que a cada dia que passa se vão esvaziando (já se pode passear o cão à noite, afinal pode-se ir ao supermercado, entretanto não haverá multas para ninguém), o estado de emergência é um cenário psicológico.
Há sempre muitos “mas” e muitos “ses” nos momentos dramáticos como o que nos aflige. Com a escalada de infecções, de internamentos e de mortes, é normal que se façam cada vez mais críticas ao Governo e, em consequência, é também normal que todas as opiniões possam ser temperadas por um “mas” ou exaltadas com um “se”.
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Há sempre muitos “mas” e muitos “ses” nos momentos dramáticos como o que nos aflige. Com a escalada de infecções, de internamentos e de mortes, é normal que se façam cada vez mais críticas ao Governo e, em consequência, é também normal que todas as opiniões possam ser temperadas por um “mas” ou exaltadas com um “se”.
No PÚBLICO, temos seguido, interpretado e veiculado o estado de espírito de muitos cidadãos que consideram a situação deplorável, mas, como o Presidente da República, acreditam que pouco haveria a fazer para a contornar. Ou a opinião de muitos outros que reconhecem a dureza da actual fase da pandemia, mas julgam que poderia ter sido evitada, se o Governo fosse mais zeloso, competente ou atento. Estamos, pois, no puro domínio da opinião pessoal que enriquece o debate público.
Entre os “mas” e os “ses” nem sempre há contradições absolutas. Portugal estaria muito melhor, se o Governo tivesse tomado medidas preventivas mais cedo, mas basta olhar para a situação geral na Europa para constatarmos que não há receitas mágicas. O número de casos e a pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde seriam mais brandos, se houvesse decisões claras e comunicação eficaz que evitasse essa ideia já instalada de que o Governo avança por tentativa e erro, mas nem essa eficácia seria capaz de superar o normal desleixo das pessoas cansadas por meses da pandemia.
O Governo, principalmente depois das férias, comete erros sucessivos e, por vezes, desnecessários, que ora evidenciam fadiga, ora desnorte, mas temos de reconhecer que a ideia utópica de uma autoridade perfeita para derrotar a covid-19 é tão insensata como inútil.
Vale a pena então notar que, mais do que uma série de restrições duras que a cada dia que passa se vão esvaziando (já se pode passear o cão à noite, afinal pode-se ir ao supermercado, entretanto não haverá multas para ninguém), o estado de emergência é um cenário psicológico. Mais do que algumas das suas medidas absurdas, como tantas vezes aqui fizemos notar, vale para exacerbar o drama dos contágios, dos hospitais a caminho da saturação, ou da ameaça de ruptura na economia, na sociedade, no estado ou no sistema partidário.
Vale para nos recordar que vivemos o momento mais dramático da nossa vida colectiva. Por muito que critiquemos o detalhe das medidas, e é obrigatório que o façamos, convém por vezes parar para pensar e estabelecer prioridades. Se os “ses” e os “mas” que expressam a nossa natural e saudável liberdade são importantes, perceber o quadro geral da ameaça e procurar no infortúnio algo que nos una também o é decisivamente.