Restaurantes em estado de emergência: “Acho que é a rampa final para cairmos”

Com o recolher obrigatório a partir das 13h, muitos restaurantes vão optar por fechar portas nos dois próximos fins-de-semana. O impacto, num sector já severamente afectado pela pandemia, “vai ser desastroso”.

Foto
Na Casa Isa, Porto, “está a ser difícil manter o restaurante aberto perante tantas despesas” Paulo Pimenta

Atrás do balcão dos restaurantes contactados pelo PÚBLICO esta segunda-feira, com salas a meio gás ao almoço, a notícia das medidas impostas pelo estado de emergência foi recebida com resignação e muita apreensão.​ A maioria espera para ver. Até porque em nenhum dos espaços se acredita que as restrições sejam levantadas depois de 23 de Novembro. Para já, com muitos a decidirem fechar portas ao fim-de-semana, há também quem procure alternativas. Como n’ Os Courenses, no bairro lisboeta de Alvalade, onde ainda se estudava a possibilidade de entregar comida ao domicílio com os carros da empresa ou dos funcionários. “Hoje mesmo vamos informar-nos se, legalmente, é possível”, revelava, esta segunda-feira, Marco Araújo, empregado de mesa no restaurante de gastronomia minhota. “Não é para salvar nada. É, única e exclusivamente, para não baixar os braços.”

Ao fim-de-semana, o restaurante abre apenas ao almoço de sábado. Mas o cozido à portuguesa faz filas à porta. “São muitos quilos de cozido e, às 13h do sábado passado, já não havia”, exemplifica. “Foi o melhor dia da semana em termos de vendas.” Tirar a bolha de salvação que o fim-de-semana representa para um sector severamente afectado pela pandemia é “perder quase tudo”. “O impacto vai ser mais do que brutal”, acredita. “Tem sido uma quebra muito acentuada no negócio todos estes meses em que estivemos abertos e agora é reduzir mais aquilo que já não se ganha.”

Foto
Daniel Rocha

Com a entrada em vigor do estado de emergência nos 121 concelhos considerados de risco mais elevado de contágio da covid-19 , os espaços de restauração têm de estar fechados durante os períodos de recolher obrigatório, o que, para muitos, implica não abrir portas nos dois próximos fins-de-semana, uma vez que não compensa manter o espaço a funcionar apenas até às 13h. N’ Os Courenses, se não for possível “agarrar no próprio carro e ir entregar comida”, o restaurante vai ficar fechado. “Não se justifica” abrir sequer para serviço de take-away “se as pessoas não puderem vir”.

No Rui dos Pregos das Docas de Lisboa, a decisão também já está tomada. Apesar de serem “os dias mais fortes da casa”, com um volume de negócios cerca de 30% superior aos restantes dias, sem os grupos de amigos e famílias que costumam aproveitar o fim-de-semana para passear na zona e “ficar para beber um cafezinho”, o restaurante não vai abrir.

O cenário, aponta o gerente, Ivanildo Reis, é de grande “incerteza”. Não só os fins-de-semana ficarão em suspenso enquanto a medida vigorar, como o serviço de jantar durante a semana pode estar em causa. “Não sabemos se se vai justificar com o recolher obrigatório a partir das 23h, porque talvez as pessoas não tenham tanta margem para vir.”

Foto
Daniel Rocha

O impacto é particularmente severo à medida que o Inverno se aproxima: as pessoas ficam habitualmente mais recolhidas em casa durante a semana e, com a chuva e o frio, “a esplanada é para anular”, relembra Ivanildo, representando menos lugares disponíveis e menor fluxo de clientes.

No Fauna & Flora, aberto na Madragoa em 2017 (com um segundo espaço nos Anjos inaugurado no ano passado), Joana Faria não tem dúvidas: “o impacto vai ser desastroso” para o sector. “Acho que é a rampa final para cairmos”, vaticina. “Sobreviver só com o que estamos a facturar à semana é completamente difícil ou impossível.”

No restaurante, especializado em pratos de pequeno-almoço e brunch à la carte, nos sábados e domingos trabalha-se “cerca de duas a três vezes mais do que num dia de semana”. A estratégia para os próximos fins-de-semana passa por abrir uma hora mais cedo (8h30) e “sensibilizar os clientes para fazerem uma estadia o mais curta possível para dar oportunidade a outros também”.

Foto
daniel rocha

No entanto, a facturação deverá ser “ridícula”, perspectiva a proprietária. E a ideia de que as entregas ao domicílio possam vir “talvez salvar aqui qualquer coisa” é como “passar areia nos olhos”. Até à reabertura da restauração, a 18 de Maio, o grupo teve um serviço de entregas, com viaturas próprias e funcionários contratados para o efeito. Mas “são gastos extra” que, para já, estão em suspenso. O restaurante está nas plataformas de entregas ao domicílio mas as críticas são muitas. “Implica pagarmos taxas absurdas e temos imensas reclamações dos clientes a dizer que a comida chegou em péssimo estado.” Outras encomendas não chegam completas ao destino.

São essas as razões apontadas n’ Os Courenses e no Helsínquia, em Alvalade, ou no restaurante Paráguas, na Madragoa, para não encontrarem no serviço de entregas uma bóia de salvação. Para espaços pequenos “não compensa”, dizem. Por isso, não vêem alternativa a fechar as portas ao soar do recolher obrigatório.

"Ter take-away é como tentar encher uma piscina com um copo de água”

No Porto, o cenário encontrado é semelhante. Na Casa Isa, na Avenida da Boavista, no Porto, o habitual, antes da pandemia, era ter cerca de 50 clientes à mesa pelas 12h30. Esta segunda-feira não há nenhum. O frenesim habitual não existe. Os funcionários olham pela janela, como que à espera de quem entre para almoçar. Grande parte dos clientes mais frequentes estão em teletrabalho e outros, habitualmente acima dos 50 anos, “têm medo de sair de casa”, garante o proprietário do espaço. No entanto, Mário Rocha diz que tem cumprido todas as normas indicadas pela DGS desde o início da pandemia. Os pedidos do serviço take-away não aumentaram e, com oito empregados, “está a ser difícil manter o restaurante aberto perante tantas despesas”. Desde Março até agora, Mário conta que já perdeu mais de 40 mil euros. Tenciona fechar nestes dois próximos dois fins-de-semana, porque grande parte dos clientes aparece apenas a partir das 13h.

Foto
Casa Isa, no Porto Paulo Pimenta

Também no Capa na Baixa, na Praça D. João I, o silêncio da sala persiste. Já se vêem alguns clientes, mas o proprietário Nuno Fontes garante que em nada se compara com o cenário de há meses e planeia não abrir no próximo sábado. O Capa na Baixa faz parte de um grupo de cinco restaurantes e o proprietário não tem dúvidas: “Caminhamos para a fome e para a pobreza. No auge da troika estávamos com quebras de 2% e agora estamos em 8/9%.” O restaurante tem serviço de take-away, apesar de Nuno considerar não ser suficiente para manter o negócio, que já conta com uma quebra entre 70 a 80%. “Ter take-away é como tentar encher uma piscina com um copo de água”, conta.

Nuno esteve presente na manifestação da restauração e de outros sectores mais afectados, como a hotelaria, que decorreu esta segunda-feira no Porto, para “dar apoio”, uma vez que a restrição de horários implementados para os restaurantes “não faz sentido”. “Falam que no seio familiar há mais contágios, mas fechar os restaurantes vai fazer as pessoas irem para casa dos pais, ou seja, juntar a família”, assegura.

Foto
Capa, no Porto Paulo Pimenta

Assim como Nuno, Zeca Maia, um dos proprietários do restaurante Xico Queijo, esteve na manifestação. “Foi pacífica e foi uma forma de os sectores mais afectados mostrarem o seu desagrado. Estavam presentes proprietários, ex-funcionários e funcionários que estão a ver o emprego fugir”, explica. Zeca é também um dos donos do café-bar Casa do Livro, encerrado há oito meses. “Estou a endividar-me para pagar o ordenado aos meus funcionários”, que são cerca de uma dezena.

A grande dúvida para muitos persiste: e depois destas duas semanas? Como nos dizia Joana Faria, proprietária do lisboeta Fauna & Flora, o receio é que este seja apenas “o começo de medidas mais duras”. “Imagino que não é com 15 dias e dois fins-de-semana com as pessoas a saírem mais ou menos que os números vão baixar”, concluía.