Salário mínimo nacional: qual o impacto?
Em Portugal, de 2019 para 2020, o salário mínimo nacional passou dos 600 para os 635 euros — um aumento de 35 euros brutos, equivalente a um crescimento de 5,8%. Prevê-se que em 2021 suba para os 700 euros. Que impacto tem a existência do salário mínimo na economia portuguesa? E que impacto teria se não existisse?
O salário mínimo nacional é um valor que um Estado define como digno para alguém sobreviver num determinado país. Esse valor deve ser, como o nome indica, o salário mais baixo que os empregadores podem, legalmente, pagar aos seus funcionários pelo trabalho exercido na produção de bens e prestação de serviços.
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O salário mínimo nacional é um valor que um Estado define como digno para alguém sobreviver num determinado país. Esse valor deve ser, como o nome indica, o salário mais baixo que os empregadores podem, legalmente, pagar aos seus funcionários pelo trabalho exercido na produção de bens e prestação de serviços.
É uma medida económica que visa reforçar os direitos de todos os trabalhadores, principalmente os dos mais precários, garantindo que estes não são explorados pelas empresas. A lei do salário mínimo nacional (SMN) vigora em inúmeros países, como França, Espanha, Grécia, Bélgica, etc. Em Portugal, existe desde 1974 e os seus valores têm vindo a aumentar substancialmente.
Impõe-se a questão: existe algum país por esse mundo fora onde não haja SMN? A resposta é surpreendente para a maioria dos portugueses: sim, existe mais do que um até na Europa. Muitos de nós estamos longe de saber o que é viver sem isso, até porque muitos de nós só auferimos 635 euros. Em Portugal, o único debate existente à volta deste tema reside no valor do aumento, nunca nos perguntamos se isto faz efectivamente sentido. Mas como pode não fazer? Como pode uma medida supostamente humanista prejudicar uma população? Porquê e como é que há países que não têm SMN, como a Suécia, Dinamarca, Áustria e Finlândia?
Imaginem que têm uma empresa. No momento em que começam a delinear o orçamento para um novo ano, chegam à conclusão que possuem um capital financeiro de 10 mil euros para contratar dez trabalhadores. Ora, fazendo a simples matemática de cabeça, iriam pagar mil euros a cada empregado. Agora imaginem, num novo cenário macroeconómico, que o Estado obriga a pagar 1500 euros a cada indivíduo (com a implementação do SMN). Para os mesmos 10 mil euros que possuem na vossa empresa, vão ter de empregar menos trabalhadores (cerca de seis), uma vez que terão de pagar mais 500 euros a cada um. Fácil de entender até aqui, certo?
Esta é a primeira desvantagem desta proposta: o desemprego. Muitas empresas vêem-se obrigadas a contratar menos trabalhadores porque o Estado as obriga a pagar um valor maior do que aquele que estas consideram justo. Assim, haverá menos pessoas empregadas. E qual é a parte da população que sofre mais com isto? Os menos qualificados. As instituições querem sempre os que melhor estão preparados para o mercado de trabalho, e aqueles que não puderam adquirir os melhores estudos serão postos de parte. Em vez de constarem na empresa, estão no desemprego. Dos dez inicialmente previstos, só seis serão contratados, e os outros quatro, os menos qualificados, serão deixados de fora.
O segundo “erro” económico é a inflação. Se pensarem bem, ainda pegando no exemplo anterior, a empresa que tem os tais 10 mil euros para a contratação de trabalhadores, vai produzir menos para um mesmo custo. Em vez de contratar os dez trabalhadores, passa, com a obrigação legal do salário mínimo, a contratar só seis para o mesmo custo. O chamado custo de produção vai aumentar (1500 euros por empregado) e, assim, o preço do bem que irá ser produzido aumentará também. Sempre a seguir as definições económicas: quanto maiores são os custos de produção, mais elevado será o preço. E quem é que perde, mais uma vez, com isto? As pessoas mais desfavorecidas. Para além de terem ficado sem emprego e, por isso, com menos recursos financeiros, passam agora a ter de pagar ainda mais pelos bens e serviços.
Há ainda um terceiro ponto na sequência deste segundo. Tendo em conta que se dá um aumento dos preços dos bens e serviços, é normal que as famílias, em média, passem a consumir menos. Ora, se as pessoas consomem menos, isto significa que a procura diminui. Seguindo ainda as definições económicas: se a procura diminui, a oferta fá-lo-á também. Havendo esta diminuição da oferta, ou seja, do interesse das empresas em vender um determinado tipo de produto, por mínimo que seja esse decréscimo, haverá, também, mais despedimentos. Pode parecer complexo, mas não é. É fácil perceber que se há menos pessoas a procurar um bem, haverá, claro, menos interesse de vender/produzir esse mesmo produto, logo, inevitavelmente haverá menos interesse em contratar: voltamos ao desemprego.
Toda esta teoria engloba várias reflexões de vários pensadores liberais, em particular do grande economista Milton Friedman. Ele defendia a liberdade de escolha acima de tudo, em várias áreas, desde a Saúde à Educação, e batia-se muito contra quem protestava o funcionamento do mercado livre. A ideia do fim do salário mínimo, de tudo isto que aqui propus, necessita desse pensamento menos estadista na Economia para funcionar com eficácia.
O SMN gerou muitos destes efeitos colaterais na saúde económica de vários países que adoptaram a medida. Nos EUA, por exemplo, o nível de desemprego nos jovens nos anos 50 chegou a ser muito maior do que o nível de desemprego geral por causa destas medidas. Já em Portugal, assim como noutros países, a instituição do SMN teve um significado importantíssimo porque conseguiu empurrar os outros salários para cima e melhorou as condições de vida de muitos trabalhadores que viviam miseravelmente. O desemprego já existia em dimensões assustadoras antes da implementação (em 1974), por isso não prejudicou estes valores, só beneficiou as famílias portuguesas mais pobres.
Actualmente, em Portugal, esta tese de pôr fim ao SMN seria um total fiasco na prática, uma vez que a nossa Economia está longe de ser forte. O impacto desta medida seria impossível de sustentar no imediato. No entanto, se o pensamento dos nossos governantes estivesse centrado no melhor funcionamento do livre mercado (com a simplificação do sistema socioeconómico e político), através da redução da carga fiscal, por exemplo, o equilíbrio económico poderia ser alcançado como foi nos países mais livres e ricos, onde não são precisos salários mínimos para alguém sobreviver.
Qualquer preço estipulado é economicamente indesejável porque distorce as forças naturais do mercado e, embora muitas vezes não pareça, o custo de tal acção é quase sempre maior que o benefício que traz, como vimos. É preciso calma e paciência na aplicação destas ideias. Infelizmente, não parece que as políticas económicas neste país mudem de rumo tão cedo. Conclusão: o salário mínimo nacional quase nunca é economicamente desejável e é quase sempre politicamente apetecível.