200 anos do hastear da bandeira argentina nas Malvinas
A usurpação pela Grã-Bretanha, realizada em tempos de paz e que não foi precedida de qualquer declaração de guerra, nunca foi consentida pela Argentina. Desde então, e durante os 187 anos seguintes, os diferentes governos argentinos têm reclamado permanentemente a restituição do exercício pleno da soberania sobre as Ilhas.
No dia 6 de novembro de 2020 assinala-se um importante aniversário na longa disputa de soberania sobre a Questão das Malvinas: nesta data cumprem-se 200 anos desde a tomada de posse das Malvinas por parte de David Jewett, que naquele dia içou pela primeira vez a bandeira argentina nas Ilhas.
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No dia 6 de novembro de 2020 assinala-se um importante aniversário na longa disputa de soberania sobre a Questão das Malvinas: nesta data cumprem-se 200 anos desde a tomada de posse das Malvinas por parte de David Jewett, que naquele dia içou pela primeira vez a bandeira argentina nas Ilhas.
Quando se deu a Revolução de Maio, as Ilhas Malvinas – que haviam sido disputadas por Espanha, França e Grã-Bretanha durante o século XVIII – encontravam-se sob o pleno exercício da soberania das autoridades espanholas, com posse exclusiva, efetiva, ininterrupta e não contestada pela Grã-Bretanha, nem por qualquer outra potência estrangeira. Esses direitos de soberania passaram à Argentina, como Estado sucessor de Espanha.
A presença espanhola nas ilhas cessou a 13 de fevereiro de 1811, quando o último governador da época do vice-reinado das Malvinas se retirou, no contexto do conflito com a Primeira Junta de Buenos Aires.
Apesar da evacuação, as Ilhas Malvinas não ficaram vazias nem esquecidas. Existia com o arquipélago uma circulação fluida de bens, capitais e pessoas, graças aos recursos naturais que possuía: golfinhos e elefantes marinhos, baleias e gado selvagem. Navios de origem britânica, norte-americana, francesa e argentina exploravam-nos e utilizavam as costas continentais e as ilhas como estações para aportar, caçar e abater. Isso chamou a atenção das autoridades de Buenos Aires, que desde 1813 outorgavam alvarás de pesca, emitiam disposições para evitar a depredação dos recursos e controlavam a instalação de qualquer estabelecimento de caráter permanente na região.
É neste contexto que o içar da bandeira nacional e a presença nas Malvinas, em 1820, de David Jewett, um marinheiro norte-americano ao serviço da Armada argentina, ganha toda a sua dimensão.
Com o início dos processos independentistas na América Latina, desde 1810, os novos governos patriotas tiveram que enfrentar o poder real que se lhes opunha por mar e por terra. David Jewett, como outros marinheiros norte-americanos e europeus, juntar-se-ia a essa luta ao serviço das Províncias Unidas, desenvolvendo atividades de corsário até 1817.
Em janeiro de 1820, o diretor supremo das Províncias Unidas, José Rondeau, designou David Jewett, com todas as atribuições e prerrogativas do cargo, como “coronel do exército ao serviço da marinha”. E foi assim que este largou, a 20 de janeiro, ao comando da fragata La Heroína, reconhecida pelas autoridades argentinas como navio de guerra do Estado, para enveredar pelo Atlântico Sul.
Jewett navegou a La Heroína durante dez meses difíceis e, no final de outubro de 1820, chegou a Puerto Soledad, nas Ilhas Malvinas, onde encontrou várias embarcações de diferentes bandeiras que aportavam temporariamente ali, no âmbito das suas viagens de caça e pesca para a região austral.
A 2 de novembro, Jewett convidou os outros capitães a encontrarem-se com ele mediante uma comunicação, na qual informava que tinha sido comissionado pelo Governo das Províncias Unidas para tomar posse do arquipélago. Mencionava também que, em conformidade com as normas dadas pelas autoridades de Buenos Aires, procuraria evitar a destruição dos recursos das ilhas. A 6 de novembro de 1820 realizou-se a cerimónia da tomada de posse das Ilhas Malvinas. Segundo o relato de testemunhas presenciais, como o capitão britânico James Weddell – que relata o episódio na sua célebre Un viaje hacia el Polo Sur (1822-1824) – e o francês Louis de Freycinet, o coronel Jewett, perante as tripulações ancoradas em Puerto Soledad, e em nome do Governo de Buenos Aires, içou a bandeira argentina, leu uma proclamação e disparou uma salva de 21 tiros de canhão.
Três dias depois entregou aos capitães ali presentes uma circular, na qual dava conta da tomada de posse das Ilhas Malvinas em nome do Supremo Governo das Províncias Unidas da América do Sul e da sua vontade em agir com justiça e hospitalidade para com os estrangeiros; solicitando ainda que se comunicasse essa informação às outras embarcações.
A circular teve grande difusão através da imprensa internacional. A 3 de agosto, na Grã-Bretanha, o The Times publicou um artigo no qual apresentava o sucedido como um ato de soberania e o mesmo fez, em novembro, o El Argos de Buenos Ayres.
Enquanto se difundia o ocorrido nas Ilhas Malvinas, Jewett permaneceu no arquipélago por um período de vários meses. Durante a sua estadia exerceu a autoridade até que, a seu pedido, em fevereiro de 1821, foi substituído pelas autoridades de Buenos Aires, tendo sido designado Guillermo Roberto Mason como o novo comandante de La Heroína.
A solene tomada de posse das Malvinas constituiu uma manifestação, de carácter oficial e público, do efetivo exercício da soberania argentina, herdada de Espanha, a qual teve ampla difusão, e que não foi contestada pela Grã-Bretanha (que tampouco a objetou em 1825, quando assinou com as Províncias Unidas do Rio da Prata o Acordo de Amizade, Comércio e Navegaçãom onde reconheceu a jovem nação) nem por qualquer outra potência estrangeira. Este importante ato representa um elo fundamental no extenso conjunto de medidas que, desde o próprio início do primeiro governo patriótico até à expulsão das autoridades argentinas de Puerto Soledad, em janeiro de 1833, demonstra a continuidade da ocupação efetiva das Ilhas Malvinas e do exercício da soberania por parte do nascido Estado argentino.
Esta usurpação, realizada em tempos de paz e que não foi precedida de qualquer declaração de guerra, nunca foi consentida pela Argentina. Desde então, e durante os 187 anos seguintes, os diferentes governos argentinos têm reclamado permanentemente a restituição do exercício pleno da soberania sobre as Ilhas.
Nessa reivindicação, o apoio da comunidade internacional tem sido fundamental. Ao pronunciamento unânime e antecipado dos países latino-americanos a favor da posição argentina – à medida que a comunidade internacional se organizava em diferentes fóruns multilaterais – somou-se o de outros grupos regionais. Esse apoio convergente permitiu, no âmbito da Organização das Nações Unidas, a adoção de diversas resoluções relacionadas direta ou indiretamente com a Questão das Malvinas, entendida como a disputa de soberania sobre as Ilhas Malvinas, Geórgias do Sul e Sandwich do Sul e os espaços marítimos circundantes.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico