Pais de crianças com necessidades especiais “não sabem para onde se virar” com a falta de auxiliares nas escolas

Pais afirmam que, apesar dos relatórios médicos e escolares requererem assistentes individualizados, isso repetidamente não é cumprido. Ministério diz que os assistentes “não fazem parte” das medidas da lei da educação inclusiva.

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Teresa Pacheco Miranda

Todos os anos o cenário repete-se, mas a pandemia só veio complicar. É o que lamentam em coro os pais de alunos com necessidades educativas especiais (NEE) que se queixam de não serem atribuídos aos filhos os assistentes operacionais em regime permanente que são recomendados.

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Todos os anos o cenário repete-se, mas a pandemia só veio complicar. É o que lamentam em coro os pais de alunos com necessidades educativas especiais (NEE) que se queixam de não serem atribuídos aos filhos os assistentes operacionais em regime permanente que são recomendados.

“Se formos tentar extrapolar, não será um exagero pensar que podem estar centenas de alunos nestas circunstâncias”, admite Miguel Azevedo, vogal da Associação Todos Pela Escola Pública (ATEP). Não se sabe ao certo quantas crianças podem estar a ser afectadas, mas os encarregados de educação sublinham que a situação se verifica por todo o país. 

Em causa está o sistema de educação inclusiva, cujo regime jurídico é descrito no decreto de lei 54/2018. No âmbito da educação inclusiva, as necessidades específicas de cada aluno com NEE são descritas em documentos como o Relatório Técnico-Pedagógico (RTP) e o Plano Educativo Individual (PEI), elaborados por equipas multidisciplinares em que se incluem profissionais de saúde, além dos membros das escolas. Então, os profissionais podem recomendar que seja atribuído um assistente operacional a título permanente aos alunos, sendo feito o pedido desses profissionais antes do início de cada ano lectivo.

Contudo, essa recomendação não se traduz numa obrigatoriedade de atribuir esses funcionários para apoiar os alunos. O Ministério da Educação (ME) afirma que os RTP e os PEI referem “medidas selectivas e ou adicionais de apoio à aprendizagem e inclusão que devem ser mobilizadas para cada aluno”. Porém, os “assistentes operacionais não fazem parte dessas medidas tal como consta dos artigos 9.º e 10.º do DL n.º 54/2018 com as alterações da Lei n.º 116/2019 de 13 de Setembro”. A tutela refere ainda ao PÚBLICO que “os assistentes operacionais podem constituir um apoio ao trabalho dos docentes e técnicos especializados que apoiam os alunos, mas não constituem um apoio à operacionalização das medidas selectivas e adicionais”.

O acompanhamento em causa, segundo Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), pode ser feito por profissionais contratados especificamente para essa função ou pelos próprios funcionários da escola que, lembra, “são escassos”. “Se pensarmos numa escola que tenha 50 alunos e os RTP apontarem para que cada um deles tenha um funcionário, não há hipótese nenhuma. É inviável”, declara, apelando a que se façam relatórios “realistas” de acordo com “as patologias dos alunos e a realidade das escolas”. Ainda assim, salvaguarda que é “preciso ver caso a caso”.

O director lembra que a ANDAEP “já há muito tempo que fala” na necessidade de ter mais funcionários nas escolas. Nas contas entra também a revisão da portaria publicada em Diário da República a 16 de Outubro que alterou o rácio de funcionários nas escolas e fez com que os alunos com NEE passem a contar como 2,5 alunos nesses rácios, em vez de 1,5 como definido desde 2017. A alteração deve introduzir mais três mil assistentes operacionais nas escolas, que devem chegar “talvez a partir de Janeiro”, prevê.

 Ao PÚBLICO, o ME afirma que “o acompanhamento de alunos que dele necessitam de forma individualizada e permanente é sempre priorizado na alocação de recursos”. Caso não sejam atribuídos funcionários, o ministério “converte as verbas pedidas anualmente em horas” para que sejam contratados assistentes fora das escolas e é aberto um concurso público, explica Filinto Lima, reconhecendo que “muitas vezes são pessoas provenientes dos centros de emprego” que “não têm habilitações para acompanhar estas crianças”, algo que “muitas vezes não é do agrado dos pais”.

Na visão de Miguel Azevedo, “as crianças precisam de muito mais do que isso”, os alunos com NEE precisam de “alguém com competências e com formação” que não seja “atirado aos lobos”. “Isso depois leva a que essas pessoas recusem esses contratos que normalmente são de emprego de inserção”, refere.

Contudo, a contratação não está sempre sob alçada do ME. “As idiossincrasias do nosso sistema é que o complicam”, começa por analisar Miguel Azevedo. Isto porque, lembra o membro da ATEP, no âmbito do processo de descentralização, já há autarquias que aceitaram a transferência de competências no que toca à educação. A consulta das listas no Portal Autárquico mostra que são 98 as autarquias que já assumiram esse encargo. É o caso de cinco dos 16 municípios que têm casos referenciados pela ATEP: Cascais, Lisboa, Sintra, Torres Vedras e Viana do Castelo.

Leonor continua em casa

A falta de assistentes operacionais é a razão pela qual a filha de Fátima Henriques não está a ir à escola. Aos 6 anos, Leonor tem paralisia cerebral distónica, associada a uma epilepsia refratária e está matriculada no pré-escolar na EB da Via Rara, no Agrupamento de Santa Iria de Azóia, em Loures. “Uma situação complexa” de 86% de incapacidade que obriga a que seja “acompanhada 24 horas por dia” admite a mãe, mas, apesar dos problemas de mobilidade, a filha “está cognitivamente intacta” e “nos melhores anos para a aprendizagem”

Segundo Fátima Henriques, o RTP da filha refere que “pelas características que a aluna apresenta, é de todo imprescindível o apoio permanente e individualizado de um assistente operacional em sala de aula, preferencialmente com formação adequada”. Contudo, ainda não foi atribuído nenhum. “Sabendo que não vivemos num mundo perfeito e que o mesmo está a acontecer em todas as escolas”, o que Fátima Henriques “queria mesmo era que pelo menos estivessem duas assistentes operacionais permanentemente dentro da sala”.

A encarregada de educação afirma que já trocou mais de meia centena de e-mails com a escola, Direcção-Geral da Educação, Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, Câmara Municipal de Loures e Provedoria da Justiça. Questionada se sabe como está o processo, responde: “Eu sei como é que está. Está igual. Sou eu que estou em casa com a minha filha porque eles não têm assistente para ela.”

Por seu lado, o Agrupamento de Escolas de Santa Iria de Azóia refere que já chegou à escola um funcionário para colmatar este tipo de situações, mas que “não está afecto a um aluno em si, mas um conjunto de alunos”. No caso da EB da Via Rara, esse funcionário tem a cargo “três ou quatro alunos com NEE que foram referenciados”. De acordo com António Marcelino, director do agrupamento, “o PEI diz que são afectados recursos, mas não diz afectar um recurso em si [a cada aluno]. Julgo que em nenhum momento isso é dito, porque efectivamente não temos capacidade para isso.”

O director admite que possa haver “falta de rigor na comunicação com os pais, no sentido de simplificar o processo”. Mas afirma: “Se um aluno meu tiver direito a um recurso, lutaremos para que esse aluno tenha direito a esse recurso, naturalmente.”

Fátima Henriques confirma que a funcionária que chegou à escola “está espalhada pelas salas todas, com os meninos NEE todos”, pelo que essa “não é de todo uma solução viável” no caso da filha. Desta forma, a mãe considera “impossível” a Leonor frequentar as aulas. A mãe não quer acusar a escola, mas o sistema. “A Leonor tem o direito à educação e neste momento não está a ter direito a isso. Eu e todas as outras mães nesta situação precisamos de respostas”, conclui.

Matilde não pode ficar sozinha

As mesmas respostas pede Sónia Cabo. A filha de 7 anos, Matilde, nasceu prematura e foi-lhe diagnosticada a variante 25 da Síndrome de Jourbert. “Afecta-lhe tudo o que é coordenação, principalmente a parte do equilíbrio”, explica, e conta que a menina só começou a andar há dois anos e não consegue, por exemplo, ir à casa de banho ou subir escadas sozinha. Com o “risco constante de cair e se magoar”, não pode “ficar sozinha nem um minuto”. Já em termos cognitivos, “pelo menos na parte da compreensão, tudo parece estar bem”.

Por isso, segundo a mãe, os relatórios multidisciplinares sustentam o desejo da família de manter a menina numa turma inclusiva do 2.º ano na EB/JI de Cadavão, no agrupamento de Valadares, em Vila Nova de Gaia. Colocá-la numa unidade específica para alunos com NEE, “em termos de desenvolvimento, não iria ajudar” por não ser “estimulante o suficiente”, afirma.

A solução passaria por um apoio permanente enquanto “brinca com os colegas, para levá-la à casa de banho ou dar-lhe a sopa”, continua Sónia Cabo. O pedido foi feito antes do começo do ano lectivo passado. Não só essa pessoa nunca chegou, como a escola terá apenas duas auxiliares para os cerca de 90 alunos do 1.º ciclo, informa a encarregada de educação e confirma o agrupamento. “Uma delas está quase a 100% com a Matilde, por isso pode-se imaginar que não deve ser fácil gerir tudo isto”, lamenta a mãe, que lembra as medidas de segurança impostas pela covid-19 vieram ocupar ainda mais as funcionárias.

Sónia Cabo enfatiza a boa relação com a escola, o profissionalismo dos professores e das auxiliares que, com “boa vontade e empenho extremos” ajudam diariamente a filha. “Mas não chega para tudo”, e concede que o apoio dá-se “a custo de muito sacrifício dos outros alunos”.

O agrupamento afirma que tem feito “reiteradamente” o pedido de mais assistentes operacionais. “A legislação sobre rácios foi alterada”, lembra a directora Fernanda Ferrão em resposta enviada ao PÚBLICO, “mas [essa alteração] ainda não teve reflexos nas escolas”. No agrupamento estará neste momento “em curso um procedimento concursal para a colocação temporária de mais assistentes operacionais”.

A falta de auxiliares impossibilita que Matilde fique na escola depois das 15h15, quando acabam as aulas. A solução foi arranjar uma clínica que “faz o transporte e apoio psicopedagógico fora da escola para colmatar esse tempo” para que os pais possam trabalhar. “No ano passado, o meu marido esteve a trabalhar praticamente a meio tempo para conseguir dar resposta e estar com ela durante a tarde”, conta. “Esta coisa do trabalhar, ir buscar, levar às terapias, dar apoio nos trabalhos... Isto é tudo muito difícil de gerir”, confessa.

Maria precisa de um assistente em “exclusividade”

Em Lisboa, Rui Negrão vive o mesmo dilema. A filha Maria tem 7 anos foi agora para o 1.º ciclo na EB do Lumiar. Diagnosticada desde cedo com a síndrome rara de Mowat-Wilson, o RTP e o PEI “são bem claros em afirmar que a inclusão da Maria numa turma regular funciona muito melhor”, afirma o pai.

Num dos relatórios elaborados pela escola, é descrito que “a aluna necessita de um assistente operacional, em exclusividade, para acompanhamento nos intervalos / sala de aula”, mas este nunca chegou. O pai sublinha que a filha tem sido “extremamente bem tratada e a boa vontade tem sido excelente”. Contudo, admite que a falta de recursos humanos torna tudo mais complicado.

“A Maria não come sozinha e são as senhoras do refeitório que lhe dão o almoço”, refere. Como a menina está numa turma inclusiva, o esforço recai na professora e nos restantes alunos, lamenta o pai. Sem apoio constante, “ela não consegue estar concentrada durante duas horas, distrai-se a si e aos outros. A professora não consegue dar conta de tudo e os outros miúdos sem NEE é que são prejudicados”, conta.

A direcção do Agrupamento de Escolas Vergílio Ferreira informou o pai que o pedido já foi reencaminhado para a tutela. Este chegou a oferecer-se para ser ele próprio a arranjar alguém, mas entende e concorda que essa não seja uma possibilidade. “Sei que isso pode não ser o correcto, mas enquanto estamos à espera é a Maria que está a ser prejudicada”, enfatiza. O PÚBLICO tentou contactar o Agrupamento de Escolas Vergílio Ferreira, mas sem sucesso.

Quanto à importância da inclusão, Rui Negrão diz que “as mais-valias são flagrantes” e se vêem “nas coisas mais pequenas”. “Ela repete muito o que os outros fazem. Chegou a estar na dança e enquanto no início eu tinha de ficar na sala, passado uns meses apresentou o espectáculo anual. Claro que com adaptações, mas conseguiu”, exemplifica o pai. “São quase mesmo os outros miúdos que puxam por ela e isso é uma grande mais-valia”, conclui.

Rui Negrão admite que “nem sempre é fácil tocar nestes assuntos”, mas é preciso “lutar pelos direitos dos alunos”. “Não adianta que venha uma lei, mas que depois não existam recursos para a aplicar.”