Centeno espera Orçamento “cauteloso” mas “generoso” para empresas e trabalhadores

Ex-ministro, agora governador do Banco de Portugal, considera que estratégia de resposta à crise em Portugal não deve ser de “transformação estrutural” e avisa para impactos na dívida pública.

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Mário Centeno foi ministro das Finanças até Junho Nuno Ferreira Santos

O anterior ministro das Finanças, Mário Centeno, tomou posição sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2021 enquanto governador do Banco de Portugal (BdP) e elogiou as escolhas do Governo de António Costa, ao qual pertenceu até Junho, pela flexibilidade em ir adaptando as medidas em função da evolução da pandemia.

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O anterior ministro das Finanças, Mário Centeno, tomou posição sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2021 enquanto governador do Banco de Portugal (BdP) e elogiou as escolhas do Governo de António Costa, ao qual pertenceu até Junho, pela flexibilidade em ir adaptando as medidas em função da evolução da pandemia.

Para Centeno, a proposta inicial do Governo consegue “olhar para o futuro próximo” ao centrar-se em “instrumentos temporários e flexíveis, que podem ser estendidos, modulados, adaptados ao desenvolvimento da crise sanitária”.

O governador falava na conferência anual da Ordem dos Economistas dedicada ao OE, que decorreu nesta quinta-feira na Gulbenkian, em Lisboa.

Do seu ponto de vista, o orçamento para 2021 deve ser “cauteloso” e “flexível” por causa da incerteza que existe neste momento, mas, também precisa de ser “generoso no apoio de curto prazo a empresas e trabalhadores”, “mudando de forma faseada mas decisiva o foco dos apoios, passando da manutenção do emprego ao apoio à criação de novo emprego”.

Ao referir-se à versão inicial e ao falar sobre as suas expectativas para esse mesmo OE, Centeno está implicitamente a referir-se ao que espera da versão que resultar da discussão na especialidade, e que implicará negociações do PS com os partidos à esquerda.

No mesmo evento onde Centeno discursou estava o secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, que em entrevista ao PÚBLICO e à Renascença dizia haver “muita margem e muito caminho para que em sede de especialidade se possa negociar”. Mendes também pertenceu à equipa de Mário Centeno nas Finanças e é agora o número dois de João Leão, que, tendo igualmente sido secretário de Estado de Centeno, propôs, já ministro, o seu antecessor para o cargo de governador do Banco de Portugal.

Ao mesmo tempo em que elogiou o executivo, o governador deixou avisos indirectos aos partidos. E ao fazê-lo enquanto responsável da autoridade nacional a quem cabe avaliar os riscos que se colocam à estabilidade financeira, decalcou o tom que assumiu nos últimos anos enquanto ministro: “A dimensão financeira absoluta atingida pelo Orçamento do Estado merece de todos os intervenientes um sentido de responsabilidade que por vezes não se vislumbra na forma como o seu debate é conduzido. Uma proposta de Orçamento do Estado é um equilíbrio e um compromisso. Deve sempre reflectir as preferências da sociedade e deve fazê-lo de modo dinâmico, pensando não apenas no presente mas também no futuro. Por isso deve reflectir sobre a dívida pública”.

Há poucos dias, Centeno avisara que a crise “criou alguns legados para a estabilidade financeira a médio prazo”, pelos desafios que a economia enfrenta perante um “aumento do endividamento do Estado e das empresas não-financeiras”, pelo facto de, a médio prazo, o sobreendividamento poder “levar à redução do investimento, enfraquecendo a competitividade e o crescimento económico”.

Hoje voltou a falar desses desafios, e um sobre o qual foi bem explícito é o impacto que a resposta à crise coloca sobre a dívida pública portuguesa, que em Setembro se situava em 267 mil milhões de euros (o equivalente a 130% do Produto Interno Bruto português).

“Muitos dirão que não é hoje o momento para ter esse tipo de preocupações. Mesmo que assim seja, devemos ser muito exigentes com a forma como utilizamos os recursos que são comuns e que sendo também europeus são necessariamente portugueses”, disse.

A posição que Centeno assume sobre qual deve ser a resposta à crise económica aberta pela pandemia no actual quadro financeiro do Estado português elucida sobre a estratégia que ajudou a gizar enquanto foi ministro das Finanças na primeira metade do ano.

Esse olhar ficou claro quando disse: “Devemos concentrar a nossa atenção no combate a uma crise temporária, e não estrutural, através de medidas precisamente temporárias e não estruturais. O país teve uma resposta exemplar assim que o confinamento foi progressiva e parcialmente eliminado. O crescimento económico do terceiro trimestre está aí para o constatar. O que observámos até ao terceiro trimestre de 2020 foi a mais impressionante recuperação económica, após uma crise sem precedentes, uma demonstração de vitalidade das economias europeias. Devemos manter o país preparado para o dia em que se inicie, de facto, a eliminação da crise pandémica, um momento próximo e que ocorrerá assim que as vacinas iniciem o seu trabalho. Quem sabe se não ocorre já no início de 2021”.

Para o governador, economista com trabalho publicado sobre a organização das relações laborais, é preciso preservar os empregos já criados, evitando, “mesmo a todo o custo” as empresas percam trabalhadores e haja uma distribuição da capacidade produtiva. Por ouras palavras: “Devemos ter todas as funções da nossa economia capazes de actuar para quando as encomendas voltarem a chegar, para que as empresas não percam o contacto com os seus mercados, para que os trabalhadores não voltem a ser distribuídos em massa por novos empregos no mercado de trabalho.”

É por esta razão que Centeno defende que Portugal não deve concentrar-se “neste momento” em fazer “uma transformação estrutural”, porque, diz, “a história mostra que para ter sucesso necessita que se pensem as instituições e as qualificações da sociedade”. Os recursos europeus, apelou, devem “ser utilizados para consolidar uma trajectória que vinha sendo seguida, com um reforço da aposta na digitalização e na modernização da nossa economia”.