Como evitar a próxima pandemia? Admitindo que a saúde de humanos, animais e planeta está ligada

O movimento 1Hope — One Health for One Planet acredita que a saúde de seres humanos, animais e planeta deveria ser estudada em conjunto. Hoje assinala-se o Dia Mundial da Uma Só Saúde.

Foto
Gregorio Cunha

Pandemias como a que mundo atravessa actualmente só podem ser evitadas no futuro se se partilharem conhecimentos entre a saúde humana, animal e ambiental, e isso faz-se começando já ensinando os mais jovens, defende a médica veterinária Catarina Lavrador.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Pandemias como a que mundo atravessa actualmente só podem ser evitadas no futuro se se partilharem conhecimentos entre a saúde humana, animal e ambiental, e isso faz-se começando já ensinando os mais jovens, defende a médica veterinária Catarina Lavrador.

Doutorada em Medicina Veterinária e professora, Catarina Lavrador é também facilitadora para a Europa do movimento 1Hope, “One Health for One Planet”, que assinala esta terça-feira, 3 de Novembro, o Dia Mundial da Uma Só Saúde.

A ideia de que a saúde de seres humanos, animais e planeta está ligada — e, como tal, deveria ser assim estudada — tem há cerca de uma década sido enfatizada pelos movimentos internacionais One Health Comission e One Health Initiative. Da One Health Initiative surgiu a plataforma 1Hope, de aposta na educação, da qual Catarina Lavrador faz parte.

Em entrevista à Lusa a propósito do dia que se assinala a 3 de Novembro, a professora salienta que a saúde dos humanos, dos animais e do planeta está ligada e que, por isso, é importante “aglomerar e permitir a partilha de conhecimentos”, o que até agora não tem sido feito com consistência.

“A forma como vivemos hoje, com a nossa fonte de alimentação a assentar muito na agricultura e pecuária intensivas, associadas à globalização, faz com que todo o planeta esteja ligado”, diz. E a pandemia de covid-19 é exemplo disso. Porque quando o ser humano invade habitats onde existem animais com doenças que eram para ele desconhecidas, e quando leva esses animais para o seu próprio habitat, “tudo é possível”.

“Daquilo a que se chama o grupo de doenças infecciosas emergentes, 75% são zoonoses, ou seja, doenças que provêm dos animais”, diz Catarina Lavrador, dando outro exemplo da relação humano/animal/ambiente — a resistência aos antibióticos por parte dos humanos.

Se na Indonésia ou no Camboja se usam antibióticos para promover o crescimento dos camarões, quem os come na Europa consome bactérias “carregadas de resistências”, o que leva a dificuldades no tratamento de uma vulgar infecção respiratória, explica.

Depois, hoje como nunca, as pessoas têm animais de companhia, que podem transmitir doenças graves se não forem diagnosticadas e tratadas a tempo, adianta a responsável. E quando é o ambiente que está doente, o mesmo se passa. Catarina Lavrador dá o exemplo das alterações climáticas e do evidente aumento das temperaturas.

Por causa desse aumento “passámos a ter vectores (animais) que só existiam em determinadas zonas e em parte do ano”. “Hoje há carraças, pulgas e mosquitos praticamente o ano inteiro, todos vectores de doenças. E vamos ter, sem dúvida, em Portugal doenças que antes não tínhamos.”

Catarina Lavrador está ciente da complexidade de tudo isto, e é por isso que defende a aposta na educação dos jovens numa fase precoce. “É a eles que tem de se dizer, através do ensino e de outras plataformas, que é preciso reduzir a pecuária intensiva, comer menos carne. É preciso explicar-lhes que são problemas reais e que se reflectem na qualidade de vida das pessoas.”

É nisso que se centra também o Dia Mundial da Uma Só Saúde, criado em 2016 para chamar periodicamente a atenção das pessoas para esta interligação, porque existe essa relação humano/animal/ambiente e porque a “operacionalização de medidas de forma articulada ainda é muito disfuncional”.

Mas os jovens, e a sociedade em geral, não estão já sensibilizados? “Estamos a melhorar, mas não ao ritmo que teríamos de o fazer”, responde Catarina Lavrador. E por isso, avisa, a humanidade arrisca-se a ver surgir um vírus muito mais patogénico do que o SARS-CoV-2: “Isto deveria servir-nos de lição para começar a preparar já a prevenção dos danos de uma próxima pandemia, porque ela vai ocorrer.”

E ainda sobre a covid-19, que já provocou mais de 1,2 milhões de mortes no mundo, a responsável afirma que ela surgiu por culpa do ser humano — mas parece que essa mensagem “não passou”.

“Diz-se que é culpa da China, por causa dos mercados, mas há outros mercados pelo mundo do mesmo género, que misturam espécies muito diferentes. Mas a mensagem agora é a de conter danos e depois logo se vê. E entretanto pode estar a nascer algures outra pandemia”, diz.

E como é que isso se evita? Catarina Lavrador resume: trabalhando em equipa entre saúde humana, saúde animal e saúde ambiental. E apostar na educação. É basicamente essa a abordagem dos movimentos “uma só saúde”. A veterinária lembra a antiga utilização de canários nas minas de carvão, que morriam quando havia concentração de gases tóxicos e dessa forma alertavam os trabalhadores para sair do local. E ainda que a frase não seja original, deixa-a no final da entrevista. A abordagem “uma só saúde” faz com que “todos nós possamos ser canários à entrada da mina”.