Uma vitória de Biden é o melhor anticorpo para a América Latina
Uma vitória de Joe Biden seria o melhor anticorpo para uma América Latina com dificuldades de apresentar resposta imune aos antigénios do autoritarismo da extrema-direita.
Podemos tirar lições preciosas para a geopolítica actual de alguns dos preceitos mais básicos da imunologia, a área talvez mais suplicada e pressionada pela humanidade nestes tempos de covid-19. Ensinam as cátedras das Ciências da Saúde que o sistema imunológico humano tem que ver, em linhas superficiais, com a relação entre antigénios e anticorpos. Quando um corpo estranho entra no nosso organismo, sejam bactérias, vírus ou o que os valha, começa a libertação de uma substância (geralmente, proteica) chamada antigénio, que leva as células do nosso sistema imunológico (os linfócitos) a produzirem anticorpos, substâncias que respondem eliminando os corpos estranhos do organismo.
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Podemos tirar lições preciosas para a geopolítica actual de alguns dos preceitos mais básicos da imunologia, a área talvez mais suplicada e pressionada pela humanidade nestes tempos de covid-19. Ensinam as cátedras das Ciências da Saúde que o sistema imunológico humano tem que ver, em linhas superficiais, com a relação entre antigénios e anticorpos. Quando um corpo estranho entra no nosso organismo, sejam bactérias, vírus ou o que os valha, começa a libertação de uma substância (geralmente, proteica) chamada antigénio, que leva as células do nosso sistema imunológico (os linfócitos) a produzirem anticorpos, substâncias que respondem eliminando os corpos estranhos do organismo.
Desde 2016, com o início do “trumpismo” — fenómeno de extrema-direita que alguns estudiosos, como Jason Stanley, têm classificado como neofascista — que a dita maior democracia do mundo vem sofrendo com a virulência do autoritarismo, caracterizada, entre outras coisas, por: acirramento dos ânimos sociais, política de aversão às minorias, idealização mítica da história nacional, militarização, anticiência e obscurantismo. Se considerarmos que, desde então, a onda autoritária se tem espalhado por todo o mundo com certa facilidade, temos que é chegada a hora de se gerar uma possível resposta imune a tal política de extermínio? A oportunidade está cada dia mais próxima, com o pleito eleitoral mais visível do que nunca no horizonte dos norte-americanos. Os noticiários internacionais, temerosos de um novo eventual erro de cálculo nos resultados, em virtude do complexo sistema eleitoral americano, timidamente apontam para uma considerável diferença numérica entre o primeiro colocado, o democrata Joe Biden, e o actual Presidente, o republicano Donald Trump, inclusive nos estados cruciais ao veredicto do Colégio Eleitoral.
A distopia que se viveu nos últimos quatro anos da gestão trumpista parece ter assanhado, na linguagem de Bertold Brecht, a “cadela do fascismo” a entrar no cio novamente em várias partes do mundo, sobretudo em alguns países da América Latina, onde a instabilidade política é, e sempre foi, regra. É facto que, apesar das nuances de cada regime político e dos perfis eleitorais de cada país latino-americano, a região tem em comum a alta concentração de riqueza em elites hereditárias detentoras de poder político e uma economia dependente de commoditties e, por conseguinte, do ziguezague da moeda verde dos nossos encimados vizinhos. Uma guinada à esquerda ou à direita, além do Equador, pode influenciar, seja pela disseminação ideológica, seja pela pressão político-económica, uma reviravolta nos trópicos mais abaixo. É um bom termómetro para o Brasil de Jair Bolsonaro, para a Colômbia de Iván Duque e para o Paraguai de Mario Abdo Benítez.
Uma vitória de Joe Biden, hoje, seria o melhor anticorpo para uma América Latina com dificuldades de apresentar resposta imune aos antigénios do autoritarismo da extrema-direita. O Brasil de Bolsonaro, por exemplo, cujas relações internacionais estão cada vez mais pautadas em ideologias etiquetadas pelo Itamaraty, ver-se-á necessariamente obrigado a redefinir sua postura diante de um possível retorno democrata nos EUA, seu segundo maior parceiro comercial, além de ter de enfrentar uma agenda de pressão nas causas ambientais, já abertamente declarada por Biden. É o momento, de igual modo, para uma análise, se vitoriosa a chapa democrata, dos respingos não só em governos autoritários de extrema-direita latino-americanos, mas também na reorganização das frentes democráticas de oposição locais.
Da literatura médica, por fim, emerge ainda um terceiro conceito que merece ser trazido à baila: o de imunogénio. Imunogénio refere-se à substância que, como um antigénio completo, é capaz de gerar resposta imune específica, desencadeando memória imunológica. A vitória de Biden nas urnas pode até desencadear resposta imune em alguns pontos do continente explorado mais ao Sul. No entanto, imunogénio é substância que a América Latina dificilmente conseguirá desenvolver, pois memória (política) imunológica é um efeito adverso não esperado para um continente há pouco dominado por ditaduras militares que só aceitaram uma transição com uma amnistia da memória colectiva.