PT quer derrotar Bolsonaro a partir das municipais, mas as metrópoles não dão esperanças
O principal partido da oposição no Brasil tem os olhos postos nas presidenciais de 2022, mas primeiro tem de superar o trauma das últimas eleições municipais nas quais sofreu uma derrota histórica. Espera fazer melhor a 15 de Novembro.
É uma espécie de “regra de ouro” da análise política dizer-se que as eleições locais não são um bom barómetro para o contexto político nacional. Ainda mais assim é num país como o Brasil, de dimensões continentais e com elevadas clivagens, onde um condomínio de luxo pode conviver ao lado de um bairro de lata com carências básicas.
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É uma espécie de “regra de ouro” da análise política dizer-se que as eleições locais não são um bom barómetro para o contexto político nacional. Ainda mais assim é num país como o Brasil, de dimensões continentais e com elevadas clivagens, onde um condomínio de luxo pode conviver ao lado de um bairro de lata com carências básicas.
Isso não impede, porém, o Partido dos Trabalhadores (PT) de optar por uma estratégia de “nacionalização” da campanha para as eleições municipais disputadas a 15 de Novembro. O maior partido da oposição ao Governo quer fazer das primeiras eleições desde que Jair Bolsonaro foi eleito um palco para redobrar as críticas ao Presidente, sobretudo à gestão da pandemia da covid-19 e à má performance da economia.
O PT chega às eleições municipais numa continuação da crise que aflige o partido há quase uma década, um período em que viu os seus principais quadros envolvidos em esquemas de corrupção, incluindo o seu líder histórico, Lula da Silva, e uma Presidente, Dilma Rousseff, ser destituída pelo Congresso Nacional. Hoje, o partido tem os olhos postos no regresso ao poder já em 2022, mas, antes disso, há que voltar a restituir o seu poder a nível local, onde também sofreu uma forte erosão.
“Vamos fazer o debate sobre a importância dos projectos municipais, mas vamos fazer um debate do projecto nacional que infelizmente governa hoje o país”, diz ao PÚBLICO o secretário de Relações Internacionais e membro do Directório Nacional do PT, Romênio Pereira. É por isso que o partido trouxe para a campanha os seus pesos-pesados. Para além dos dois ex-presidentes também o ex-candidato presidencial Fernando Haddad, e a presidente nacional Gleisi Hoffman têm aparecido ao lado dos milhares de candidatos a prefeitos e vereadores do PT em todo o país.
“Nenhum outro partido está a usar as suas figuras públicas como nós no PT”, assegura Pereira, acrescentando que há vídeos de campanha com os seus líderes nacionais em cidades de cinco mil eleitores – uma dimensão muito reduzida no universo de cidades brasileiras. “Provavelmente não irá ver o Fernando Henrique em nenhum programa de televisão”, afirma o dirigente “petista”, referindo-se ao ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso e um dos quadros principais do Partido da Social Democracia Brasileira.
Porém, a estratégia do PT não passa por enquadrar as eleições municipais numa espécie de segunda parte da disputa presidencial de 2018, quando Bolsonaro venceu Haddad. Romênio Pereira prefere falar de um “primeiro tempo” tendo em vista 2022, quando há novas eleições presidenciais e parlamentares. “Acredito que estamos num processo para que, pela nona vez, venhamos a disputar as eleições com condições de ganhar em 2022”, diz o membro do directório nacional em todas as eleições presidenciais desde a redemocratização, em que ficaram em segundo ou venceram.
Fantasma de 2016
O dirigente do PT recusa apontar objectivos específicos para as eleições do próximo dia 15 – a segunda volta é disputada a 29 de Novembro –, mas é assumido que o partido terá de fazer melhor que nas eleições de 2016. Não será difícil. As últimas municipais constituíram uma debacle histórica para o PT, que perdeu mais de metade dos municípios que governava e viu-se arredado das principais cidades brasileiras. Actualmente, o partido que governou o Brasil durante 14 anos não tem nenhum prefeito nas cem maiores cidades do país e até perdeu, entretanto, o único que geria uma capital estadual, quando em 2018 o prefeito de Rio Branco, capital do Acre, Marcus Alexandre, deixou o cargo para se candidatar a governador, perdendo.
No PT ninguém consegue negar que é preciso melhorar. “Costumo dizer que quando a gente ganha de 5-0 comemoramos, mas quando a gente perde de 7-1 na Copa do Mundo tem de aprender com os nossos erros”, afirma Pereira. Essa aprendizagem passa por uma autocrítica que, aos poucos, o partido vai fazendo, embora sempre aquém daquilo que os desiludidos gostariam. “Estamos a fazer um diálogo com a sociedade brasileira dizendo ‘errámos; de dez coisas que fizemos errámos uma, mas acertámos em oito ou nove’”, explica o dirigente.
Para isso, o PT tem feito algumas cedências, abdicando de candidaturas próprias em capitais estaduais para apoiar outros candidatos de esquerda mais bem colocados. É o caso de Porto Alegre, bastião tradicional “petista”, onde a candidata do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Manuela D’Ávila, lidera as sondagens de forma confortável. O mesmo se passa em Belém, onde o PT apoia a candidatura de Edmilson Rodrigues do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
A estratégia de nacionalização da campanha pode revelar-se arriscada, observa a politóloga Maria Hermínia Tavares, sobretudo porque o PT pode acabar a falar sozinho. Depois de ter falhado o seu objectivo de montar um partido próprio, Bolsonaro parece ter perdido o interesse nas eleições municipais e são poucos os candidatos que contam com o seu apoio expresso. “Não adianta querer transformar isto numa disputa nacional se o Presidente não está a disputar essa arena”, nota a analista, entrevistada pelo PÚBLICO.
Desastre em São Paulo
A principal dificuldade para o PT está nos grandes centros urbanos onde, invariavelmente, as atenções mais se concentram e a partir dos quais se vão tirar ilações para o futuro. O risco de falhar, uma vez mais, nesta missão pode prejudicar as ambições do PT de voltar ao poder a nível nacional. “O PT está a correr o risco de se transformar num partido das pequenas cidades do Nordeste”, avisa Maria Hermínia Tavares.
No Rio de Janeiro, a candidata “petista” Benedita da Silva aparece no terceiro lugar nas sondagens, sem beneficiar com a impopularidade crescente do actual prefeito, o pastor evangélico Marcelo Crivella, nem com o envolvimento em esquemas de corrupção do ex-autarca Eduardo Paes, que lidera a corrida.
Mas é em São Paulo, a maior metrópole brasileira, que os alarmes das hostes “petistas” mais soam. As sondagens mostram o candidato Jilmar Tatto a agonizar em torno dos 4%, numa corrida onde a grande esperança da esquerda recai em Guilherme Boulos, do PSOL, ex-candidato presidencial e dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem Tecto, que sonha em alcançar a segunda volta.
“O PT não pode deixar de apresentar um candidato na maior cidade brasileira”, observa Maria Hermínia. Além disso, São Paulo tem um significado histórico para o partido que aqui foi fundado há 40 anos e cuja cintura industrial serviu de berço ideológico de Lula. No entanto, acrescenta a analista, “uma coisa é ter um candidato que chegue ao segundo turno, outra coisa é ter um candidato que não chega a 10%”.
Com a recusa de Haddad, que já foi prefeito de São Paulo, em voltar a candidatar-se, as opções do PT ficaram muito reduzidas. A escolha acabou por recair num homem do aparelho, competente e com passado na administração local. Tatto “não é um bom candidato, mas poderia ser um bom prefeito”, diz Tavares, que o contrapõe a Boulos: “De um lado um bom candidato, e de outro um bom prefeito.”