Salário justo para uma vida digna
A nova proposta de Diretiva sobre o salário mínimo europeu assinala desde já uma vontade política em direção à Europa social que nos permite, nos dias sombrios da pandemia que vivemos, encarar com um novo otimismo o futuro do projeto europeu.
Esta semana, a Comissão Europeia aprovou a sua proposta de Diretiva sobre o salário mínimo europeu. É uma iniciativa de enorme importância na consolidação da Europa social e no aprofundamento do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Esta semana, a Comissão Europeia aprovou a sua proposta de Diretiva sobre o salário mínimo europeu. É uma iniciativa de enorme importância na consolidação da Europa social e no aprofundamento do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.
Como explicou o comissário europeu do Emprego e Direitos Sociais, Nicolas Schmit, trata-se de garantir que “quem tem um emprego recebe o suficiente para pagar as contas ao fim do mês”. Procura-se, assim, contrariar a situação atual em que, na União Europeia, quase 10% dos trabalhadores estão em risco de pobreza. Portugal, apesar de ser um dos países europeus onde este indicador evoluiu de forma mais positiva nos últimos anos, apresenta um risco de pobreza dos trabalhadores similar à média da União.
Mas, como funcionará exatamente esta medida? Não se trata de impor um salário mínimo igual em todos os países europeus. Isso seria impossível, porque há diferenças muito significativas entre os diferentes países, no que diz respeito à pujança das suas economias e ao custo de vida.
Em Portugal, com o Governo socialista, a evolução do salário mínimo nacional tem sido muito positiva. Entre 2016 e 2020, o seu valor aumentou mais de 25%, de 505 para 635€. Apesar da crise originada pela pandemia, o Governo reafirmou o compromisso de alcançar, no fim da legislatura, em 2023, o valor de 750€. Como temos testemunhado, os aumentos do salário mínimo têm contribuído para melhorar a economia e não conduziram a qualquer crise do emprego, ao contrário das profecias dos partidos de direita e de certos representantes patronais, para quem os salários dos trabalhadores são sempre excessivos.
A nova Diretiva não terá um impacto imediato no valor do salário mínimo português, mas tornará obrigatório o estabelecimento de critérios transparentes para a fixação do seu valor. Daqui em diante, a definição do salário mínimo deixará de estar à mercê da vontade política transitória e passará a estar balizada por critérios objetivos.
Com efeito, o salário mínimo deverá ser adequado ao “objetivo de assegurar condições de trabalho e de vida decentes, bem como de promover a coesão social”. O seu montante terá que assegurar um poder de compra adequado ao custo de vida, tendo em conta o valor dos salários em geral, a sua distribuição e crescimento anual, assim como a evolução da produtividade do trabalho.
Quando esta proposta de Diretiva for transformada em Lei, a atualização progressiva do salário mínimo será uma realidade, independente do ciclo político. Não voltará a ser possível a desvalorização do salário mínimo, como aconteceu entre 2011 e 2015 com a coligação negativa PSD/CDS.
Acresce que esta Diretiva torna também obrigatória a promoção da contratação coletiva, uma questão muito relevante para Portugal. Os trabalhadores abrangidos pela contratação coletiva auferem, em geral, melhores salários e têm melhor proteção dos seus direitos. Entre 2015 e 2019, no nosso país, a evolução neste domínio foi muito positiva. O número de trabalhadores englobados duplicou. No entanto, estamos ainda muito longe do desejável, visto que a contratação coletiva só abrange 900 mil trabalhadores.
Com a nova Diretiva, o Governo português será obrigado a estabelecer um Plano de Ação para estimular a contratação coletiva, que deve abranger, pelo menos, 70% dos trabalhadores. A prazo, isso beneficiará a dignidade do trabalho, a economia e as empresas, relegando para o caixote do lixo o modelo empresarial retrógrado baseado em baixos salários e na ausência de direitos.
Esta proposta de Diretiva tem ainda um longo caminho a percorrer. Terá que ser aprovada pelos co-legisladores, o Parlamento Europeu e o Conselho, sendo, só depois, transposta para o quadro jurídico nacional. No entanto, ela assinala desde já uma vontade política em direção à Europa social que nos permite, nos dias sombrios da pandemia que vivemos, encarar com um novo otimismo o futuro do projeto europeu.
Eurodeputado do PS. Membro da Comissão de Emprego e Direitos Sociais do Parlamento Europeu
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico