Sonae Arauco dá “um salto no tempo” na produção florestal

“Dar um salto no tempo.” A Sonae Arauco semeou mais de 100 mil sementes seleccionadas a partir de diferentes programas de melhoramento genético de pinheiro-bravo e pinheiro-radiata que adquiriu em Portugal, Espanha, França e Chile. Vai plantá-las no início de 2021. O objectivo é desenvolver um programa clonal com reprodução em escala. E aumentar a rentabilidade florestal e, por essa via, a matéria-prima disponível para a indústria.

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Um cidadão mais desatento que consulte a última base de dados nacional de incêndios rurais do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (INCF) é bem capaz de respirar de alívio. Afinal, o Verão parece que já lá vai, os incêndios idem, já choveu consideravelmente no Norte e Centro – embora no Baixo Alentejo e Algarve se mantenha em muitos locais a seca moderada e, este ano, até 15 de Outubro, o país registou menos 48% de incêndios rurais (9394 no total). E houve menos 52% de área ardida (65 887 hectares) face à média anual dos últimos 10 anos, pelo que, à vista desarmada, até poderia pensar-se que Portugal não terá problemas de maior com a floresta nem com a quantidade de matéria-prima – madeira que dela se extrai.

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Um cidadão mais desatento que consulte a última base de dados nacional de incêndios rurais do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (INCF) é bem capaz de respirar de alívio. Afinal, o Verão parece que já lá vai, os incêndios idem, já choveu consideravelmente no Norte e Centro – embora no Baixo Alentejo e Algarve se mantenha em muitos locais a seca moderada e, este ano, até 15 de Outubro, o país registou menos 48% de incêndios rurais (9394 no total). E houve menos 52% de área ardida (65 887 hectares) face à média anual dos últimos 10 anos, pelo que, à vista desarmada, até poderia pensar-se que Portugal não terá problemas de maior com a floresta nem com a quantidade de matéria-prima – madeira que dela se extrai.

Puro engano. As Estatísticas de Uso e Ocupação do Solo referentes a 2018, publicadas em meados de Junho pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), baseadas na Carta de Uso e Ocupação do Solo (COS) produzida pela Direcção-Geral do Território (DGT), dissipam quaisquer dúvidas. Mostram que, em Portugal, a área preenchida com floresta, pastagens e matos está a regredir. E em contraciclo com os últimos cinco anos analisados (2010-2015), o que tem reflexos directos nos volumes e na qualidade da madeira disponível em Portugal.

Entre as espécies em défice, está o pinho. E o problema não é de agora. No início de Julho, o Centro Pinus, associação que reúne os principais agentes da fileira do pinho, já tinha alertado: em meio século, mais de metade da floresta de pinho desapareceu em Portugal. Só entre 2005 e 2019, o volume em crescimento daquela espécie autóctone registou um decréscimo “impressionante” de 37%, tendo-se perdido 27% da área plantada no período de 1995 a 2015 (perda média anual de 13 240 hectares).

A associação estimava, aliás, num estudo divulgado em finais de Junho, que, para alcançar as metas de área de pinheiro-bravo plasmadas na Estratégia Nacional para a Florestas, seja “necessário rearborizar 57 mil hectares anualmente de 2021 a 2027”. E, para o conseguir, o sector precisa de 564 milhões de euros de investimento até 2034.

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Escassez de pinho é “estrutural”

Mais recentemente, a falta desta matéria-prima voltou a ser elencada como um dos maiores problemas desta fileira, que agrega 8516 empresas – entre elas, pelo menos 309 de primeira transformação de madeira e oito de primeira transformação de resina , garante 57 843 empregos e é responsável por um volume de negócios de 4348 milhões de euros (2019).

Aquando da apresentação dos principais indicadores do Centro Pinus referentes ao ano passado, o diagnóstico foi revelador: sabendo-se que a disponibilidade de madeira de pinho está fixada em 1,77 milhões de metros cúbicos, o défice situa-se em 2,71 milhões de metros cúbicos. A associação referiu ainda que o défice de madeira de pinho representa 61% do consumo industrial em Portugal, sendo que essa escassez é considerada “estrutural”.

A Sonae Arauco que o diga. Criada em 2016 no âmbito de uma joint-venture estratégica entre duas empresas a Sonae Indústria (Portugal) e a Arauco (Chile) , aquela que é hoje uma das principais produtoras de painéis derivados de madeira do mundo (3,82 milhões de metros cúbicos de capacidade de produção, com unidades industriais e comerciais em nove países e a exportar para 80 países em todo o mundo) está a ressentir-se da falta de matéria-prima. A que acresce a “baixa produtividade” das espécies de pinheiro plantadas em Portugal, que geram “menor rentabilidade e impactam toda a cadeia de valor”, refere Nuno Calado, director de Sustentabilidade e Floresta.

Como forma de colmatar essa lacuna, a companhia abriu os cordões à bolsa e lançou mãos à obra. Tem em curso um projecto de investigação e desenvolvimento (I&D) florestal nos viveiros do Furadouro (Óbidos), da Altri. O investimento, só este ano, é de 150 mil euros.

100 160 sementes seleccionadas

Nuno Calado acompanhou o PÚBLICO numa visita às estufas, onde decorre o ensaio, utilizando 100 160 sementes seleccionadas de espécies de pinheiro-bravo e pinheiro-radiata de diferentes proveniências (Portugal, Espanha, França e Chile). Querem começar a plantá-las “a partir de Janeiro/Fevereiro de 2021”, para “ajudar os produtores florestais a aumentarem significativamente a sua produção actual”, revela o engenheiro florestal. 

Numa primeira fase, a Sonae Arauco quer “testar e comparar, para as condições portuguesas, sementes provenientes de diferentes programas de melhoramento genético (com provas de elevada produtividade)”. Depois, espera “obter resultados relativos ao desempenho produtivo destas espécies/proveniências em diferentes condições de solo e clima de Portugal, para poder recomendar de forma fundamentada que espécie/proveniência é mais adequada para determinado local (espécie certa no local certo)”.

Numa fase posterior, a zona de ensaios servirá também como “área de demonstração”, em que os produtores portugueses “terão acesso, fundamentado com resultados científicos, a plantas de elevada produtividade, sem quaisquer impactos no equilíbrio do ecossistema”. 

130 famílias de pinheiro-radiata do Chile

As espécies de pinheiro-radiata provêm do Chile (semente de 130 famílias de pinheiro-radiata), de França (semente comercial de pinheiro-radiata) e de Espanha (semente comercial de pinheiro-radiata). Já o pinheiro-bravo tem as seguintes proveniências: Portugal (1 - semente das três famílias de pinheiro-bravo mais produtivas do Pomar da Mata Nacional de Escaroupim; 2 - semente qualificada do ICNF) e França (semente qualificada, que permite um ganho em volume de 15-20%).

“A Arauco tem programas de melhoramento genético há muitos anos”, revela Nuno Calado. Com este projecto de I&D, admite: “Queremos dar um salto no tempo”, com vista à “inversão da tendência de declínio da área de pinheiro-bravo” em Portugal.

As expectativas são ambiciosas. Passam por “desenvolver um programa clonal que possibilite a reprodução em escala” destas plantas seleccionadas, podendo, depois, fornecer aos produtores florestais em Portugal plantas de pinheiro-radiata de elevada qualidade genética e produtividade.

“Somos uma indústria que depende da floresta”

À parte disso, a Sonae Arauco quer “demonstrar as mais-valias da utilização de plantas com elevada produtividade”, de modo a “contribuir para um aumento da rentabilidade e sustentabilidade da cadeia de valor do pinheiro”.

“Somos uma indústria que depende da floresta e queremos tornar o investimento nesta espécie [pinheiro] atractiva para os produtores florestais. Para isso, é preciso apostas nas espécies certas nos locais certos e este é o contributo que damos para este sector”, realça o director de Sustentabilidade e Floresta.

Sem produção própria em Portugal, a Sonae Arauco “promove a certificação florestal” das propriedades a cujos proprietários compra a madeira. “Pagamos um prémio aos produtores com explorações certificadas”, explica Nuno Calado, adiantando: “Os nossos volumes de madeira certificada têm vindo a aumentar.”

Ciente de que os incêndios são “os principais responsáveis” pelas perdas nesta fileira – “perdemos potencial produtivo” e “ninguém ganha com a madeira queimada” , o engenheiro florestal antevê o pior. “Ainda não sentimos escassez, mas as projecções apontam para dificuldades de matéria-prima no futuro”, diz. Daí ser “necessário transmitir conhecimento e confiança aos produtores florestais para apostarem nesta fileira”, pois “quem investe a décadas tem de ter esse capital de confiança para apostar”.

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Nuno Calado guiou o PÚBLICO numa visita à estufa

Produção em viveiro para fins comerciais

Este projecto de I&D arrancou em Setembro, com a selecção das plantas e a importação das sementes, nomeadamente a partir do Chile. “Foi um ‘filme’, não havia aviões”, conta Nuno Calado, lembrando os constrangimentos sentidos durante a primeira vaga da pandemia da covid-19. Agora que as sementes foram semeadas e já germinaram, está tudo planeado: “Vão para o campo em Janeiro/Fevereiro de 2021.”

A empresa, que tem como CEO Rui Correia, emprega cerca de 3000 funcionários e regista um volume de negócios anual de cerca de 770 milhões de euros (2019), vai “arrendar áreas” florestais 24 hectares em seis locais diferentes – cedidas pelo ICNF para as plantações.

Essas áreas e cada uma das espécies plantadas serão, a partir dali, “acompanhadas e monitorizadas, com vista a identificar as famílias que estão mais adaptadas às condições de Portugal”. O processo será repetido num segundo ano, com o objectivo de “eliminar o efeito do clima nos resultados”.

Numa fase posterior, e mediante os resultados obtidos para pinheiro-radiata, será “iniciada a sua produção em viveiro para fins comerciais, em moldes a definir, através do desenvolvimento de um programa clonal”.

“Ponto de viragem para a floresta portuguesa”

Nuno Calado está optimista. “Estamos muito entusiasmados com este projecto”, assim como “os nossos parceiros chilenos”. Este, diz, “pode ser o ponto de viragem para a floresta portuguesa, para que consiga mudar, ter garantias de espécies e dar um salto no tempo”.

A Sonae Arauco surge em 2016 no âmbito de uma joint-venture estratégica entre duas marcas líderes do sector de madeira: a Sonae Indústria e a Arauco. Tem presença directa em nove países em dois continentes (Portugal, Espanha, Alemanha, África do Sul, Reino Unido, França, Holanda, Suíça e Marrocos). Ambas garantem que partilham “a mesma ambição de crescimento internacional e uma visão de longo-prazo do negócio”, tendo em comum “uma aposta consistente no desenvolvimento das pessoas e a ambição de contribuir para um planeta melhor”.

A Sonae Indústria, fundada em Portugal em 1959 no universo Sonae, é hoje uma multinacional de painéis derivados de madeira. Do norte de Portugal (Maia), chegou a todo o mundo, desenvolvendo produtos para as indústrias de mobiliário, construção e decoração. Detém a maior unidade industrial de painéis de aglomerados de partículas da América do Norte, bem como unidades industriais de laminados de alta pressão e componentes para móveis em Portugal e na Alemanha.

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Por sua vez, a Arauco, fundada no Chile em 1970 com a ambição de produzir e gerir recursos florestais, é considerada uma referência internacional em termos de superfície florestal e instalações industriais, eficiência, padrões de produção, inovação, responsabilidade ambiental e compromisso social. Ao longo de quase 50 anos de actividade, tem aumentado e valorizado as suas plantações florestais através da investigação permanente e da aplicação das melhores práticas globais referentes à sustentabilidade, protecção das florestas, solos e biodiversidade das suas áreas florestais para as gerações futuras.

Artigo alterado às 22h04 de 2 de Novembro de 2020, para clarificar que os viveiros do Furadouro pertencem à Altri, e às 13h08 de 2 de Novembro de 2020, para acrescentar que as áreas florestais a arrendar serão cedidas pelo ICNF e rectificar que os “programas de melhoramento genético” são desenvolvidos “há muitos anos” pela Arauco e não pela Sonae.