Farto da pandemia e das restrições? É preciso evitar a fadiga pandémica

Inquietação, ansiedade e impaciência. Especialistas defendem que a fadiga pandémica poderá estar relacionada com o relaxamento nos cuidados com a covid-19. OMS já recomenda atenção a governos e autoridades de saúde.

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“Só o futuro dirá se não estamos a lidar com um dos maiores factores de degradação da saúde mental a nível mundial” Nuthawut Somsuk/Getty Images

A degradação da saúde mental será, inevitavelmente, uma das grandes consequências da pandemia da covid-19. A juntar-se aos já preocupantes índices de depressão e problemas de saúde mental registados antes do aparecimento do novo coronavírus, o distanciamento social, desemprego galopante e quebra abrupta nos rendimentos inerentes à situação de pandemia colocam ainda mais pressão sobre a população.

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A degradação da saúde mental será, inevitavelmente, uma das grandes consequências da pandemia da covid-19. A juntar-se aos já preocupantes índices de depressão e problemas de saúde mental registados antes do aparecimento do novo coronavírus, o distanciamento social, desemprego galopante e quebra abrupta nos rendimentos inerentes à situação de pandemia colocam ainda mais pressão sobre a população.

A mais recente preocupação das autoridades de saúde é a fadiga pandémica, um fenómeno recentemente identificado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Este novo tipo de fadiga está directamente relacionado com o desgaste emocional provocado pelo vírus. Carrega riscos e perigos, caso não seja tratada, e o PÚBLICO mostra-lhe o que deve saber sobre o tema. 

O que é a fadiga pandémica?

Desmotivação extrema relativamente a todos os assuntos relacionados com a covid-19 será talvez a maneira mais simples de definir este fenómeno que, de acordo com a OMS, requer a atenção de governos e autoridades de saúde. Esta organização internacional traçou um perfil a este “sentimento” de exaustão provocado pelas mudanças ligadas ao novo coronavírus, mas ainda é muito cedo para conseguir apurar com exactidão quantas pessoas abrange e o verdadeiro peso nos números da pandemia, ou seja, a percentagem de novos casos directamente ligado a este fenómeno.

“A fadiga pandémica prende-se com a incapacidade de reacção das pessoas a algo relacionado com a pandemia. No fundo, as pessoas já esgotaram toda a sua energia — mental ou física — a reagir ao vírus e estão num estado em que já não conseguem desenvolver nenhuma actividade relacionada com a covid-19”, como ver notícias ou desinfectar as mãos, explica a doutora Carla Nunes, directora da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), em declarações ao PÚBLICO.

O especialista em Saúde Internacional Tiago Correia descreve a condição como um “ponto de ruptura mental” que, em casos extremos, pode levar a episódios de agressividade e inquietação, dois dos sinais mais evidentes para quem está sob fadiga pandémica. Apesar de ser algo identificado recentemente, o balanço faz não é muito animador: “Só o futuro dirá se não estamos a lidar com um dos maiores factores de degradação da saúde mental a nível mundial.” A “avalanche” informativa que rodeia a covid-19 – aliada à desinformação e contra-informação que circula nas redes sociais – pode criar um “sentimento de insegurança e medo”, defende o especialista. 

Quais são os riscos?

Além de afectar profundamente o indivíduo, este novo tipo de fadiga pode implicar um risco para a saúde pública. Como explica a directora da ENSP, as pessoas afectadas por este fenómeno deixam de adoptar as devidas precauções para evitar o vírus por considerarem que os seus actos não farão diferença no conjunto geral da pandemia. “A consciência de que se eu fizer algumas coisas vai contribuir para o bem comum é algo complicada. As pessoas desligam-se porque sentem que as suas acções já estão separadas da evolução ou do resultado da pandemia. Tiveram [os cuidados] durante um tempo e neste momento já não têm mais energias para reagir”, define. 

Além desta displicência quanto aos cuidados e recomendações das autoridades, a​ fadiga pandémica comporta ainda alterações comportamentais súbitas, como explica Tiago Correia. “Traduz-se num estado de inquietação, ansiedade, impaciência, mas que, em casos extremos, pode transformar-se em agressividade em relação às autoridades de saúde, jornalistas, comentadores e mesmo poderes políticos”, resume o especialista.

Por que razões deixam de ser seguidas as recomendações das autoridades?

O factor principal para este “desleixo” prende-se com a indefinição temporal da pandemia. Sem vacina à vista, um confinamento prévio que não conseguiu travar o vírus e a possibilidade de novas restrições no horizonte, os afectados por esta fadiga pandémica sentem que não há qualquer controlo para esta situação, sejam ou não cumpridas estas directrizes de distanciamento social.

“Sabemos que a fadiga pandémica está muito associada a uma ideia de negação da situação. Penso ‘já não me interessa mais isto, vou fazer o que fazia antes’. Leva as pessoas a ignorar os conselhos e recomendações, deixar de querer procurar ou receber informação sobre o vírus. O mais grave é que pode estar a alimentar o negacionismo. Não excluo que as pessoas que estão sob o efeito da fadiga pandémica estarem mais susceptíveis aos argumentos dos chamados negacionistas, pode ser o grupo mais vulnerável a essa situação”, adianta Tiago Correia.

“A pessoa sente-se sem capacidade para fazer nada porque não consegue visualizar um objectivo concreto”, concorda a directora da ENSP, dizendo que o relaxamento destas medidas de segurança acontece, sobretudo, em situações informais, algo que não é exclusivo a pessoas sob fadiga pandémica. “O ambiente de transmissão é maior onde estamos mais socialmente relaxados. Quando as medidas estão a ser seguidas funcionam bem. O complicado é nos ambientes não formais, onde a capacidade transmissão é muito grande”, finaliza. 

Um novo confinamento agravará a situação?

Na opinião dos especialistas ouvidos pelo PÚBLICO, um novo confinamento poderá ter efeitos especialmente nocivos para quem sofre deste tipo de fadiga. “A noção de tempo é muito importante. Quantas vezes vamos fazer isto [confinamento]? Durante quanto tempo? Um novo confinamento agravaria a situação destas pessoas e esta fadiga leva, numa fase extrema, a distúrbios mentais”, alerta Carla Nunes.

Tiago Correia não é tão taxativo, preferindo aguardar pelo quadro completo em que se dará um eventual segundo confinamento. “Depende do contexto laboral e profissional, se isso vai significar desemprego e quebra de rendimento. Também está relacionado com o contexto [do agregado familiar] e de habitabilidade. Para pessoas confinadas com filhos, em teletrabalho, muitas vezes sem espaço físico suficiente, é possível que um novo confinamento seja um factor prejudicial. Em todo o caso, acho que a questão do rendimento e emprego são fundamentais para a [evolução] da fadiga pandémica”, acredita.

Como reverter a situação?

A OMS diz que a solução para este problema passa pelo envolvimento activo das pessoas na solução, admitindo que há uma necessidade de deixar a vida continuar ao mesmo tempo que os potenciais riscos são reduzidos. Há, contudo, outras soluções mais concretas que podem ser adoptadas para dar a volta por cima.

“Identifico dois grandes grupos de medidas. Uma são as individuais, ou seja, dentro deste contexto restritivo, fazer as coisas que nos dão prazer e nos permitam cortar um pouco com estes factores de stress. Mas, quando estamos a falar de pessoas que perdem o emprego e o rendimento, parece que estamos a gozar com as pessoas. Tem de existir um conjunto de respostas institucionais: na Segurança Social, por exemplo, tem de existir uma consciência sobre se as pessoas estão numa situação de vulnerabilidade de rendimento”, explica Tiago Correia. 

O especialista defende que esta instituição tem de tomar em conta a “necessidade de repor o rendimento onde ele é quebrado”. Quanto ao Ministério da Saúde, Tiago Correia advoga um “reforço do apoio psicológico nos cuidados de saúde primários”, considerando fundamentais respostas a nível local: “As comunidades locais, juntas de freguesia e as próprias autoridades de segurança, devem mapear grupos de risco”.

Por último, alterações no sector da comunicação, um dos que mais contribui para o agravamento da fadiga pandémica. “A comunicação social também tem um papel e tem de avaliar o impacto das mensagens que transmite. Tem um papel activo em pensar mais no destinatário das notícias e em evitar que estes factores de insegurança e medo se perpetuem”, finaliza Tiago Correia.