Ser ilustrador sem saber desenhar, uma lição de José Manuel Saraiva

A ilustração deixou de ser uma imagem executada a partir de um texto para se transformar na representação visual de uma ideia. Pode-se ilustrar sem palavras e nem é preciso saber desenhar. O ilustrador e professor José Manuel Saraiva explicou tudo isto na Festa da Ilustração de Setúbal

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Espera-se que um professor de ilustração esteja atento aos diferentes interesses e estímulos dos alunos e que não reduza o que ensina “ao seu gosto por determinadas estéticas ou por certos recursos estilísticos e técnicas”. A quanto mais propostas forem expostos os alunos, mais hipóteses terão de descobrir o caminho para uma expressão própria. Há que olhar a ilustração num sentido lato: “Tanto pode haver um aluno que segue um carácter de fantasia (para O Senhor dos Anéis), como um que quer fazer desenho editorial ou semiabstracto, com ligações à pintura.” Manga japonês e imagens para videojogos também valem.

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Espera-se que um professor de ilustração esteja atento aos diferentes interesses e estímulos dos alunos e que não reduza o que ensina “ao seu gosto por determinadas estéticas ou por certos recursos estilísticos e técnicas”. A quanto mais propostas forem expostos os alunos, mais hipóteses terão de descobrir o caminho para uma expressão própria. Há que olhar a ilustração num sentido lato: “Tanto pode haver um aluno que segue um carácter de fantasia (para O Senhor dos Anéis), como um que quer fazer desenho editorial ou semiabstracto, com ligações à pintura.” Manga japonês e imagens para videojogos também valem.

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José Manuel Saraiva é professor na ESAD de Matosinhos dr

Ideias que José Manuel Saraiva defendeu na Festa da Ilustração de Setúbal, na Casa da Avenida, no domingo, 25 de Outubro, a que acrescentou depois ao P3: “Considero o virtuosismo do desenho uma mais-valia, mas não uma condição essencial para se ser um bom ilustrador.” Deu exemplos de “autores de renome como Isidro Ferrer ou Serge Bloch” e lembrou que “existem hoje técnicas digitais que ajudam o autor a diminuir a sua dependência do desenho”. A prática que defende é a de pôr os alunos frente a diferentes materiais e técnicas, além do desenho: linóleo, acrílico, guache, serigrafia, recorte, fotografia digital, assemblage, etc.

Docente na Escola Superior de Arte e Design, em Matosinhos, informou na conferência O Ensino da Ilustração que, ali, no 1.º ano do curso Multimédia, há a cadeira de Introdução à Ilustração e Desenho; já no 2.º ano da Licenciatura em Design de Comunicação, os alunos contam com a disciplina de Ilustração. Para os que querem explorar mais esta vertente, existe uma pós-graduação em Ilustração e Animação Digital (dois semestres), de que é coordenador. São também professores na escola Emílio Remelhe e Mariana Rio. O curso foi iniciado com Luís Mendonça/Gémeo Luís e também com Evelina Oliveira, ambos do Porto. O professor revela como muitos alunos do curso de Multimédia “gostam de manga/mangá e de animação japonesa”. Diz mesmo que “ultrapassam em número todos os outros”. E são bem-vindos.

Servir o mercado

Segundo José Manuel Saraiva, a pós-graduação, que ajudou a criar, surgiu “no sentido de dar resposta aos anseios dos alunos da casa, mas também aos do mercado”. Havia a necessidade de “ajudar os alunos a transitar das técnicas analógicas para as técnicas digitais”. Eis a razão por que ensinam a animar. “Não exactamente para fazerem filmes de animação, mas dando-lhes meios para que possam animar quer os seus trabalhos de ilustração quer de fotografia. Para os usarem como entenderem”, explica.

Conta o caso de um aluno que no final do curso foi a uma junta de freguesia do Porto: “Ofereceu-se para fazer a parte gráfica, mas também uma animação para a página oficial e para o YouTube sobre um evento cultural que organizaram.” Correu bem.

Como está o ensino da ilustração em Portugal?, perguntámos. Ao que o professor respondeu: “A ilustração tem-se afirmado como disciplina autónoma nos diversos cursos superiores de Design de Comunicação ou de Moda do país. Por outro lado, existem vários mestrados e pós-graduações. Creio que num momento inicial a prevalência de docentes da área da pintura ou da escultura descaracterizavam um pouco o propósito da disciplina e da sua necessidade de prestar um serviço ao mercado. Mas actualmente já são muitos os ilustradores com experiência a orientarem a disciplina de acordo com as suas especificidades.”

O ilustrador já tinha realçado “o mercado” na conferência: “Se há alguma coisa que nos distingue de outras pós-graduações é que nós usamos muito a palavra ‘mercado’. Embora o fim último seja criar no aluno uma linguagem individual, única, distinta, mas sempre com consciência daquilo que se está a passar.”

Faz parte do currículo o encontro com editoras, para terem a noção de como funcionam os direitos de autor (Kalandraka e Planeta Tangerina), e também a experiência de negociar exposições com galerias e as respectivas percentagens de venda (por exemplo, com a Ó! Galeria). “Exploramos a relação entre o autor e o cliente”, diz, e conta parte do seu percurso: “Quando acabei o meu curso, estava a seguir uma linha que vou chamar ‘ilustração de autor’. Quando fui ao mercado no Porto e no Norte, não encontrava onde publicar. Foi um choque muito grande.” Apesar de ter começado a dar aulas relativamente cedo, com horários pequenos, tinha a ilusão de poder viver da ilustração”. Defrontou-se então com um dilema: “Ou fazia aquilo que queria ou tinha de aceitar trabalhos tipo ‘Disney’… ou então não fazia trabalhos de qualquer espécie.”

Adoptou a estratégia de ter dois portfólios. “O comercial, chamei-o assim porque era o que as empresas e editoras mais queriam, e o de autor. Em função do sítio onde ia, escolhia o mais apropriado. Agora, ando sempre com os dois. É isso que aconselho aos meus alunos.”

Durante sete a oito anos, os primeiros trabalhos que fez de ilustração eram “linha José Saraiva comercial”. E admite: “Esta estratégia fez-me perder tempo e prejudicou a minha evolução, é verdade, mas foram os trabalhos que pouco tinham que ver comigo que me permitiram ganhar algum dinheiro e ser bem remunerado.” Recorda um orçamento para 1500 ilustrações para livros escolares da Porto Editora. “Nalguns países, Estados Unidos, França, consegue-se manter esse trabalho autónomo e individual, seguindo uma linha própria, porque o mercado é maior e mais dinâmico. Em Portugal, há poucas possibilidades para isso e são poucos os ilustradores que o conseguem”, afirma. Daí o alerta sobre esta realidade aos alunos, para que equacionem se, mesmo durante a busca de uma expressão e voz próprias, “não querem agarrar a oportunidade de fazer outros trabalhos menos estimulantes e conseguirem ganhar algum dinheiro”.

Representação visual de uma ideia

José Manuel Saraiva traça ainda, a nosso pedido, um quadro do estado da arte: “O interesse pela ilustração é muito elevado, quer em Portugal quer no estrangeiro. De tal forma que o mercado não consegue absorver a grande qualidade de novos ilustradores. Há algumas décadas, os ilustradores tinham no livro, cartaz ou discos em vinil suportes privilegiados dos seus trabalhos. Hoje, os jovens ilustradores encontraram novos públicos e espaços para obterem rendimentos do seu trabalho, como galerias, lojas online, feiras de ‘artesanato urbano’ ou pinturas murais. Mas é a presença nas redes sociais (Instagram e Facebook) ou sites como o Behance que funciona como veículo expositor privilegiado e tem aberto portas no estrangeiro a muitos jovens ilustradores portugueses.”

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Ana Luísa Farinha

Aqui, pára para falar da aluna Ana Luísa Farinha, que conseguiu bastante visibilidade através das redes sociais e do Behance. “Já nos agradeceu publicamente várias vezes. Diz que a única coisa que fez foi pôr em prática o que os professores da pós-graduação lhe ensinaram.” O docente ressalva: “Claro que também tem que ver com a qualidade do trabalho dela. Se não tivesse qualidade, não iria conseguir. No entanto, aproveitou bem o que lhe ensinámos.”

E, afinal, o que é ilustrar? “Há algumas décadas, o termo ‘ilustrar’ estava essencialmente associado à execução de imagens a partir de um texto que se concretizavam no processo de impressão (em livro, cartaz,...). Hoje, a amplitude da área da ilustração é tão vasta que suponho que a definição mais abrangente seja a representação visual de uma ideia, geralmente acompanhada por um texto.”

José Manuel Saraiva formou-se em Design de Comunicação na Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto e, por se ter licenciado com a média de curso mais elevada da faculdade no ano lectivo de 1997/98, ganhou o prémio Eng.º António de Almeida. O seu trabalho tem sido distinguido em Portugal e no estrangeiro, com a participação em muitas exposições.

Recentemente, foi-lhe atribuído o Merit Award pela revista 3x3 (EUA) pelas ilustrações do livro Irmã, Ouves o Azul Profundo do Mar?, com texto de Gilda Nunes Barata, editado pela Livraria Lello. Este trabalho integrou a exposição de Ilustração Portuguesa da Festa da Ilustração de Setúbal 2019 e está na shortlist do anuário de Ilustração 2018 da revista Communication Arts (EUA), foi também finalista da Hii Illustration Competition 2018 (China) e nomeado para o Prémio Autores da Sociedade Portuguesa de Autores 2019, na categoria Literatura Melhor Livro Infanto-juvenil. O ilustrador nasceu no Porto em 1974. E sabe desenhar.