Bullying: uma ameaça ao desenvolvimento das crianças e jovens
A desculpa mais habitual é “estava a brincar” ou “foi sem intenção”. Ora brincadeira é quando ambas as partes gostam. É importante lembrar que uma criança/jovem dificilmente aprende num ambiente no qual não se sinta seguro.
“As famílias felizes parecem-se todas, as famílias infelizes são infelizes cada uma à sua maneira”. Assim começa o romance Anna Karênina de Liev Tólstoi. Pensei começar por escrever um breve relato de uma das muitas histórias de bullying partilhadas por crianças e jovens ao longo dos últimos 20 anos de intervenção como psicóloga. Mas debati-me com uma séria ambivalência sobre qual e como destacar. Cada uma destas histórias é uma história, que em comum tem a dimensão do sofrimento humano.
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“As famílias felizes parecem-se todas, as famílias infelizes são infelizes cada uma à sua maneira”. Assim começa o romance Anna Karênina de Liev Tólstoi. Pensei começar por escrever um breve relato de uma das muitas histórias de bullying partilhadas por crianças e jovens ao longo dos últimos 20 anos de intervenção como psicóloga. Mas debati-me com uma séria ambivalência sobre qual e como destacar. Cada uma destas histórias é uma história, que em comum tem a dimensão do sofrimento humano.
Falar sobre bullying é por norma abordar as características da problemática e suas consequências e os suspeitos do costume: agressores e vítimas. É partilhar estratégias de intervenção mais eficazes, que os ajudem a sair deste ciclo vicioso. Contudo, só em menor grau se refere o importante papel que as testemunhas que observam estes fenómenos desempenham nestes processos.
Nos anos 50 da década passada, o psicólogo social Solomon Asch conduziu uma célebre experiência, sobre o poder da conformidade nos grupos. Perante uma questão aparentemente simples e objetiva acerca do comprimento de linhas verticais em grupos de 8 participantes, em que 7 são comparsas do investigador (sem que o “participante cobaia” tenha disso conhecimento), os erros de perceção chegam a ser na ordem dos 5cm, sem que exista qualquer tipo de pressão explícita por parte do grupo. Os comparsas estavam instruídos para errarem 12 dos 18 ensaios, propositadamente, sendo a “cobaia” a última a responder. Neste cenário, apenas 25% das “cobaias” nunca se conformaram com a maioria. Asch haveria de justificar este comportamento essencialmente por dois motivos: a necessidade de querer enquadrar-se no grupo (influência normativa) e/ ou acreditar que o grupo poderá estar melhor informado (influência informativa).
Muitas outras experiências semelhantes no campo da psicologia social atestam a importância da pressão de grupo sobre cada um de nós. E é esta dimensão que temos de ter em conta quando procuramos intervir em situações de bullying. Ao colocar o foco nas testemunhas e na promoção de empatia, de sentido de autoeficácia e de esforços para apoiar os pares que são vítimas dá-se um passo em frente na luta contra este flagelo. Porque ninguém é neutro numa situação de bullying. O silêncio é uma forma de cumplicidade!
Ninguém tem de ser obrigado a ser amigo de ninguém, mas todos merecem ser tratados com respeito e dignidade. Muitas vezes ouvimos tentativas de diminuir a gravidade do comportamento por parte dos agressores. A desculpa mais habitual é “estava a brincar” ou “foi sem intenção”. Ora brincadeira é quando ambas as partes gostam. É importante lembrar que uma criança/jovem dificilmente aprende num ambiente no qual não se sinta seguro.
O bullying representa uma ameaça ao desenvolvimento saudável das crianças e jovens, sendo um fator de risco para o desenvolvimento de psicopatologias na vida adulta. As vítimas estão mais sujeitas a desenvolver perturbações da ansiedade e os agressores perturbação de personalidade anti-social. Por isso é importante, não apenas reduzi-lo, como também preveni-lo. Uma maior aposta na promoção de empatia e proatividade nas testemunhas é essencial. Porque a pressão de grupo, que pode ser positiva ou negativa, conta muito!
O bullying entrou na “era digital”, fenómeno mais conhecido por cyberbullying. A forma de infligir maus tratos online e “cara a cara” apresenta mais semelhanças do que diferenças, sendo o cyberbullying uma extensão do que acontece em presença em espaço escolar. O que muda é o modo como a crueldade é perpetrada. É uma forma mais fácil e rápida de alcançar grandes audiências, com possibilidade de o fazer 24 horas por dia e de forma anónima, refletindo a natureza profundamente maliciosa e cobarde destas ações. Também neste
contexto as testemunhas, que na maioria das vezes são pares, voltam a ter um papel importante. Como? Ao não encorajarem a situação, denunciando-a, ajudando a reunir provas, falando com um adulto de confiança e mostrando afeto e cuidado em relação às vítimas.
A aprendizagem dos caminhos que conduzem ao respeito pela individualidade e dignidade humana devem ser percorridos desde cedo. “Eu sou eu e a minha circunstância” como diria Ortega e Gasset. Consigamos nós promover nos mais novos empatia, autoconfiança e comportamentos de ajuda aos pares envolvidos em situações de bullying, para que a circunstância das vítimas seja menos penosa e todos possam crescer em ambientes mais saudáveis.