Aleitamento materno e regimes de visitas dos pais
As posições dos nossos juízes têm evoluído ao longo do tempo, sendo certo que alguns tribunais parecem ainda atribuir ao aleitamento materno uma relevância que muitos especialistas já não lhe atribuem.
“… Alguns tribunais parecem ainda atribuir ao aleitamento materno uma relevância que muitos especialistas já não lhe atribuem, fixando regimes de exercício das responsabilidades parentais que injustificadamente restringem os contactos entre pais e filhos sob o pretexto de que os mesmos se encontram a ser amamentados pelas mães”
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“… Alguns tribunais parecem ainda atribuir ao aleitamento materno uma relevância que muitos especialistas já não lhe atribuem, fixando regimes de exercício das responsabilidades parentais que injustificadamente restringem os contactos entre pais e filhos sob o pretexto de que os mesmos se encontram a ser amamentados pelas mães”
Separações e divórcios são muito frequentes logo após o nascimento dos bebés. O stress causado pela tremendas exigências e necessidades de um bebé recém-nascido, a par das profundas alterações na vida do casal, provocam amiúdes vezes a rutura da relação conjugal. Compreensivelmente, muitos pais, homens, pretendem manter, apesar da separação, contactos frequentes e extensos com os seus filhos ainda bebés. Receiam, como é natural, não conseguir estabelecer uma relação afetiva com os filhos, maioritariamente aos cuidados das mães.
Por vezes, as mães invocam a necessidade de aleitar os bebés para impor aos pais regimes de contactos muito restritivos, inclusive negando a possibilidade de os filhos pernoitarem com estes durante os seus primeiros anos de vida. E qual o relevo que os nossos tribunais atribuem ao aleitamento materno? Como conciliam estes dois interesses aparentemente antagónicos?
Os tribunais de família e menores atribuíram, historicamente, grande relevância ao aleitamento materno, determinando regimes de contactos limitados entre pais e filhos que se conformavam com os horários de uma criança em aleitamento materno.
Tal como em muitas outras matérias no âmbito do direito da família, porém, as posições dos nossos juízes têm evoluído ao longo do tempo, sendo certo que alguns tribunais parecem ainda atribuir ao aleitamento materno uma relevância que muitos especialistas já não lhe atribuem, fixando regimes de exercício das responsabilidades parentais que injustificadamente restringem os contactos entre pais e filhos sob o pretexto de que os mesmos se encontram a ser amamentados pelas mães.
É de notar, todavia, que esta posição judicial parece não ter já cobertura científica. Na verdade, a recomendação da OMS segundo a qual o aleitamento materno se deve prolongar até aos dois anos de idade deve ser encarada com cautela já que tem em vista, em primeira linha, países em vias de desenvolvimento e onde o acesso a alternativas ao aleitamento materno e até a água potável é muitas vezes incerto ou escasso. Num país ocidental, como Portugal, essa recomendação perde muito da sua validade.
Por outro lado, existem alternativas viáveis ao alcance de todos, como sejam a alimentação de substituição ou o armazenamento do leite materno para ser ministrado pelo pai ao bebé.
O professor Mário Cordeiro, autoridade nacional incontestada nesta matéria, insurgiu-se, aliás, em artigo publicado no Jornal i de 20.02.2018, contra o uso do pretexto do aleitamento materno como forma de impedir a fixação de regimes de contactos adequados entre pais e filhos e que inclua pernoitas na casa daqueles.
É, pois, natural que as posições dos nossos tribunais continuem a evoluir, em linha com os dados da ciência, atribuindo ao aleitamento materno, quando se trata de fixar regimes de convívios entre pais e filhos, a importância que ele deve ter quando confrontado com o direito das crianças a manter com ambos os progenitores relações de qualidade e gratificantes.