A atriz na sala de estar
Este texto integra o projecto Aproveitando uma aberta — Quatro monólogos para quatro actores em quatro divisões da casa, da autoria de Madalena Alfaia, que deu origem a quatro vídeos com realização de João Gambino (co-produção Museu de Lisboa / EGEAC). Os vídeos podem ser vistos online, nas redes sociais do projecto, e até 7 de Novembro no Palácio Pimenta, em Lisboa.
Era uma vez uma mulher parecida comigo. (A atriz levanta a tesoura ao lado da cara e sorri em frente, como se estivesse num anúncio de tesouras.) Mesmo parecida, podia ser minha gémea. Pronto, era eu. (Pousa a tesoura.) Era uma vez esta rainha, esta cidadã chamada, por exemplo, Nome. Um dia, apareceu-lhe um homem à porta. Estava em contraluz, o que era apropriado — porque ele não era uma personagem, era só um figurante e, em silhueta, tornava-se um figurante-símbolo, que poderia representar todos os que ficam de fora da vida, nas margens dos textos e não chegam a ser personagens nas suas histórias — mas... onde é que eu estava? Ah, não era eu, era o homem à porta. Estava em contraluz e trazia uma mensagem. A mulher pegou nela para a decifrar. Tinha trezentas páginas e capa dura. A mulher respirou fundo, abriu a mensagem como quem abre um alçapão e saltou lá para dentro. O livro — era assim que se chamava a mensagem — era sobre uma mulher que andava. Enquanto ia lendo, ela, o Nome, ia-se sentindo cada vez mais dentro do silêncio daquela sala de estar. Mais dentro do silêncio e mais perto da sua respiração, da sua imaginação e do seu… corpo? De vez em quando, a mulher parava a leitura e olhava para as mãos: que ideias! Nas pontas dos dedos, pulsavam-lhe ideias incríveis sobre como continuar a vida, como ressuscitar para o mundo da verdade, como reaprender a estar num lugar e não em mil ao mesmo tempo. Com as mãos, podemos estar no presente, como sabem os sapateiros, as peixeiras, as floristas, os atores. (A atriz estranha esta palavra, “atores”.)
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Era uma vez uma mulher parecida comigo. (A atriz levanta a tesoura ao lado da cara e sorri em frente, como se estivesse num anúncio de tesouras.) Mesmo parecida, podia ser minha gémea. Pronto, era eu. (Pousa a tesoura.) Era uma vez esta rainha, esta cidadã chamada, por exemplo, Nome. Um dia, apareceu-lhe um homem à porta. Estava em contraluz, o que era apropriado — porque ele não era uma personagem, era só um figurante e, em silhueta, tornava-se um figurante-símbolo, que poderia representar todos os que ficam de fora da vida, nas margens dos textos e não chegam a ser personagens nas suas histórias — mas... onde é que eu estava? Ah, não era eu, era o homem à porta. Estava em contraluz e trazia uma mensagem. A mulher pegou nela para a decifrar. Tinha trezentas páginas e capa dura. A mulher respirou fundo, abriu a mensagem como quem abre um alçapão e saltou lá para dentro. O livro — era assim que se chamava a mensagem — era sobre uma mulher que andava. Enquanto ia lendo, ela, o Nome, ia-se sentindo cada vez mais dentro do silêncio daquela sala de estar. Mais dentro do silêncio e mais perto da sua respiração, da sua imaginação e do seu… corpo? De vez em quando, a mulher parava a leitura e olhava para as mãos: que ideias! Nas pontas dos dedos, pulsavam-lhe ideias incríveis sobre como continuar a vida, como ressuscitar para o mundo da verdade, como reaprender a estar num lugar e não em mil ao mesmo tempo. Com as mãos, podemos estar no presente, como sabem os sapateiros, as peixeiras, as floristas, os atores. (A atriz estranha esta palavra, “atores”.)