Vacina contra a gripe pode estar associada a melhor resposta imunitária contra o novo coronavírus

O estudo, conduzido por um grupo de investigadores europeus, ainda não foi revisto por pares, mas indica que a vacina para a gripe pode desencadear uma resposta imunitária que ajuda a lutar contra uma infecção como aquela que é provocada pela covid-19.

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Daniel Rocha

Será que as vacinas que já tomamos, como a da gripe, nos podem ajudar a lutar melhor contra a infecção causada pelo novo coronavírus? Ainda é cedo para ter uma resposta definitiva, mas os estudos já realizados apontam para a existência de uma resposta imunitária cruzada — e fortalecida. É o que conclui uma das primeiras fases de um estudo do Centro Médico da Universidade de Radboud, na Holanda, e da Universidade Heinrich Heine, na Alemanha: a vacinação para a gripe pode ter um impacto positivo na “imunidade treinada” contra a covid-19.

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Será que as vacinas que já tomamos, como a da gripe, nos podem ajudar a lutar melhor contra a infecção causada pelo novo coronavírus? Ainda é cedo para ter uma resposta definitiva, mas os estudos já realizados apontam para a existência de uma resposta imunitária cruzada — e fortalecida. É o que conclui uma das primeiras fases de um estudo do Centro Médico da Universidade de Radboud, na Holanda, e da Universidade Heinrich Heine, na Alemanha: a vacinação para a gripe pode ter um impacto positivo na “imunidade treinada” contra a covid-19.

Este ano, a campanha para a vacinação contra a gripe tem sido reforçada um pouco por todo o mundo — em Portugal, a vacinação arrancou mais cedo do que o normal, a 28 de Setembro, com a vacinação dos grupos de risco. O objectivo principal é impedir que a gripe e a covid-19 deixem os hospitais assoberbados, mas este estudo (tal como alguns que já têm sido publicados) sugere que a vacina contra a gripe pode reduzir o risco de infecção grave pela covid-19.

O estudo O Efeito da Vacinação contra a Influenza na Imunidade Treinada: impacto na covid-19 ainda não foi revisto por pares, mas indica que a vacina da gripe (contra o vírus influenza) pode desencadear uma resposta imunitária forte o suficiente para proteger contra uma infecção como a do novo coronavírus, uma vez que insta o corpo a produzir mais moléculas de combate a infecções. Este estudo surge em linha com as conclusões de outros trabalhos (revistos por pares) que apontam para cenários semelhantes.

Contudo, os investigadores pedem cautela na leitura dos dados — esta investigação precisa de ensaios mais robustos para se conseguir tirar uma conclusão mais geral.

No estudo em laboratório, que usou “um modelo in vitro de imunidade treinada”, a equipa de investigadores demonstrou que a vacina quadrivalente “usada nos Países Baixos durante a temporada de gripe de 2019-2020 induziu uma resposta imunitária treinada”, com uma “melhoria da resposta de citocina depois da estimulação das células imunitárias humanas com SARS-CoV-2”, lê-se no estudo.

Para chegar a esta conclusão, os investigadores purificaram as células sanguíneas de pessoas saudáveis e expuseram algumas dessas células à vacina Vaxigriop Tetra, da Sanofi Pasteur. Depois, passados seis dias, expuseram essas células ao SARS-CoV-2 e analisaram-nas um dia depois. Perceberam que as células que receberam a vacina da gripe produziram mais moléculas que lutam contra o vírus, conhecidas como citocinas. Estas moléculas podem ser nocivas quando produzidas mais tarde durante a infecção pelo novo coronavírus, porque podem danificar vários órgãos, mas podem ser benéficas se produzidas antes porque ajudam a reduzir a carga viral e impedem uma inflamação sistémica.

Este estudo sugere que os resultados se devem a um processo chamado “imunidade treinada inata”: as vacinas estimulam o sistema imunitário adaptativo e fazem com que o corpo produza anticorpos capazes de reconhecer e atacar um patogénico específico, se o voltarem a encontrar, e ainda antes de provocar uma infecção grave.

“Há evidências da literatura que nos mostram que a imunidade treinada existe e pode oferecer uma protecção ampla, de formas inesperadas, contra outros patogénicos, para além daqueles que a vacina foi desenhada”, completa Ellen Foxman, imunologista e patologista clínica na Escola de Medicina de Yale, ouvida pela revista Scientific American. Por enquanto, pode ser um “exagero” dizer às pessoas para se vacinarem contra a gripe para se protegerem contra a covid-19, mas as pessoas devem vacinar-se na mesma “porque, pelo menos, vai protegê-las da gripe”.

Médicos vacinados contra a gripe com taxas de infecção menores

No mesmo estudo, os investigadores combinaram as bases de dados dos hospitais onde trabalham para ver se os colegas que foram vacinados contra a gripe durante a época de vacinação de 2019-2020 tinham maiores ou menores probabilidades de se terem infectado com o vírus até 1 de Junho de 2020 — e a análise amostra que tiveram taxas de infecção menores.

Cerca de 2,23% dos profissionais de saúde que não foram vacinados tiveram resultado positivo no teste à covid-19, o que também aconteceu apenas a 1,33% dos colegas vacinados. Mas, apesar de animadores, estes dados não provam, por si, que as vacinas contra a gripe previnem a covid-19. “É um estudo intrigante, mas não dá provas definitivas”, considera Ellen Foxman. Isto porque pode haver outras explicações para a associação encontrada. Por exemplo: as pessoas que escolhem vacinar-se são mais conscientes e propensas a seguir as regras de prevenção da covid-19.

Mihai Netea, um dos imunologistas da Universidade de Radboud, na Holanda, e co-autor do estudo (que também se tem dedicado à análise da importância da vacina BCG na resposta contra a covid-19), concorda com esta leitura. Nota que o comportamento geral pode ser mais relevante do que a vacina para explicar porque é que as pessoas do segundo grupo se infectaram menos. E reconhece que seria necessário um ensaio clínico de maior envergadura, ao nível da população geral, para conseguir retirar conclusões mais fiáveis. Só que esse tipo de estudos também levanta questões — por exemplo, iria requerer um grupo e controlo escolhido de forma aleatória, ao qual seria negada a vacina da gripe o que não é “muito ético”, considera o autor.