Papa Francisco, Igreja Católica e homofobia

Não haja ilusões: a Igreja Católica que vi há 11 anos num debate não mudou com as novas declarações do Papa Francisco. Continua conservadora, preconceituosa e relutante. E ainda assim, dentro da própria Igreja, há quem continue a insistir na mudança, como o Papa.

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LUSA/SANTA SEDE / HANDOUT

Em Novembro de 2009, a Universidade Católica de Lisboa organizou um debate em defesa do “Não” ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, decorrendo poucos meses antes da aprovação da lei no Parlamento. Sabendo do teor do encontro, decidi ir assistir.

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Em Novembro de 2009, a Universidade Católica de Lisboa organizou um debate em defesa do “Não” ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, decorrendo poucos meses antes da aprovação da lei no Parlamento. Sabendo do teor do encontro, decidi ir assistir.

Na altura era um jovem estudante de Ciências da Comunicação da FCSH-UNL e por acaso geria uma página no Facebook de activismo em defesa do casamento homossexual. Fui não por concordar com a ideia subjacente ao debate, mas para confirmar com os meus próprios olhos o que já suspeitava que lá iria acontecer. E não me enganei. O debate foi tão grotesco, com argumentos tão aberrantes, defendidos por padres, professores universitários e alunos, que decidi sair a meio, não suportando mais a argumentação grosseira e pouco rigorosa e incrédulo por, numa instituição de Saber como a Universidade Católica, ser promovido um debate com tanta falta de informação e imparcialidade, independentemente de estar associada ou não a uma religião.

Partindo destas referências, foi com surpresa que li a notícia sobre as declarações do Papa Francisco em defesa da união civil entre pessoas do mesmo sexo. Com surpresa e com prudência. As declarações do Papa são importantes, sim. Afinal trata-se de um dos líderes religiosos e políticos mais preponderantes do mundo e são muitas as pessoas que pautam as vidas pelas suas palavras e pelo seu pensamento. Além disso, numa época em que tem vindo a crescer o discurso de ódio fomentado pela extrema-direita – do qual as pessoas LGBTI+ têm sido alvo –, aliado ao fundamentalismo religioso que perturba a Europa e países como os EUA e o Brasil, tais declarações têm ainda maior peso, na medida em que são uma demarcação do Papa face a esses ideais extremistas. E isso é claramente uma afirmação política de relevo.

Contudo, as declarações do Papa devem ser olhadas com prudência, na medida em que, na prática, não representam nenhuma mudança oficial do posicionamento da Igreja Católica em relação às pessoas LGBTI+. Como bem refere Ana Sá Lopes no artigo Papa, uniões gay e Igreja Católica, “Francisco é o chefe da Igreja Católica, mas não é a Igreja Católica”. No mesmo artigo, Ana Sá Lopes refere-se ainda ao Sínodo de Outubro de 2014, em que “os bispos reunidos em Roma, na altura, não aceitaram que ficasse escrito que os homossexuais tinham ‘qualidades a oferecer à comunidade cristã'”, tendo sido aprovado, apenas, que a “discriminação contra gays ‘deve ser evitada'”. Por muita vontade que o Papa Francisco tenha em levar mudança à Igreja, a Igreja resiste à mudança.

A Igreja Católica é uma instituição milenar cuja história está marcada pela violação dos direitos humanos, das mulheres às pessoas LGBTI+. E em nome das vítimas, não o podemos esquecer. As declarações do Papa não anulam o dever moral de a Igreja pedir perdão publicamente pelos atentados que cometeu contra a vida das pessoas LGBTI+. O próprio Papa Francisco já chegou a afirmar que a Igreja deve um pedido de desculpas aos homossexuais, mas até hoje a instituição ainda não se pronunciou. Em vez disso, tem mantido a sua postura homofóbica. Dou dois exemplos: o decreto de 2017 da Congregação para o Clero, O dom da vocação presbiterial, onde, referindo-se aos candidatos a seminaristas, se afirma que “a Igreja não pode admitir aqueles que praticam a homossexualidade, apresentam tendências homossexuais profundamente radicadas ou apoiam a chamada cultura gay”; e as terapias de reorientação sexual ministradas por padres, mais conhecidas por cura gay, que a Igreja deveria proibir – e em vez disso adopta uma postura de permissividade –, tendo em conta os efeitos nefastos que deixam em jovens e adultos, tantos deles em contextos de extrema vulnerabilidade. Para a Igreja fazer jus às palavras do Papa Francisco, a sua atitude discriminatória tem de ser abolida de uma vez por todas.

Não haja ilusões: a Igreja Católica que vi há 11 anos naquele debate da Universidade Católica de Lisboa não mudou com as novas declarações do Papa Francisco. Continua conservadora, preconceituosa e relutante. E ainda assim, dentro da própria Igreja, há quem continue a insistir na mudança, como o Papa. Talvez essa mudança venha a suceder, um dia. Mas até lá, há ainda muito por fazer dentro do Vaticano e fora dele, para que a Igreja que se diz advogadora de uma mensagem de paz e de amor possa sê-lo de verdade, sem vergonha de se olhar ao espelho.