Brasileiros denunciam xenofobia na Universidade do Porto — que pondera processos disciplinares

Estudantes brasileiros acusam colegas e professores da Faculdade de Engenharia e de Letras da Universidade do Porto de xenofobia e racismo. A instituição pondera avançar com abertura de processos disciplinares, mas precisa de uma queixa formal das vítimas.

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Sara Jesus Palma

O grupo de estudantes universitários Quarentena Académica denunciou esta segunda-feira que estão a ocorrer actos de xenofobia e racismo por parte de alunos e professores nas Faculdades de Engenharia e Letras da Universidade do Porto (U.Porto).

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O grupo de estudantes universitários Quarentena Académica denunciou esta segunda-feira que estão a ocorrer actos de xenofobia e racismo por parte de alunos e professores nas Faculdades de Engenharia e Letras da Universidade do Porto (U.Porto).

Questionado pela agência Lusa sobre a denúncia, fonte oficial da U.Porto avançou que a instituição pondera avançar com a “abertura de processos disciplinares”, mas avisa que só pode o fazer com uma queixa formal das vítimas.

Em entrevista telefónica à agência Lusa, Ana Isabel Silva, dirigente da Quarentena Académica, referiu que o movimento tem recebido denúncias de estudantes estrangeiros, principalmente de nacionalidade brasileira, de que estão a ser cometidos “actos de xenofobia e de racismo” por outros estudantes e também por professores, designadamente da “Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP)”.

Ao P3, Ana Isabel Silva explica que, em causa, estão agressões testemunhadas “nas redes sociais”, nomeadamente em publicações no Facebook e Instagram, onde estudantes brasileiros foram “retratados como macacos e acusados de espalhar a covid-19 na Universidade do Porto”. Em questão está também uma outra página, onde alunas brasileiras foram vítimas de comentários machistas. “O que estes estudantes [brasileiros] têm dito é que este tipo de páginas é muito comum e que, entre eles, vão partilhando [as publicações] e denunciando.”

Mas também há relatos de “ataques directos em aulas”, por parte de professores e colegas. “E coisas mais silenciosas, em trabalhos, notas e exigências”, enumera a dirigente.

A Quarentena Académica é um grupo de cerca de 30 estudantes universitários portugueses, constituído desde Março, quando houve o confinamento decretado devido à pandemia de covid-19, e que tem continuado a receber queixas dos alunos.

Inicialmente, segundo Ana Isabel Silva, os próprios estudantes brasileiros realizaram a denúncia junto da Reitoria da U.Porto. “Foi-lhes dito pela Reitoria que a Universidade não tolerava esses comportamentos, mas não houve nenhuma investigação, nem nenhum processo contra alunos e docentes que [alegadamente] terão cometido esses actos”, acrescentou Ana Isabel Silva, observando que situações de xenofobia se têm vindo a registar desde o início deste ano lectivo, mas aumentaram com a pandemia, nas redes sociais.

A U.Porto apelou “a todos os estudantes que denunciam e apresentem queixa dos actos que conhecerem para eventual abertura de processos disciplinares aos agressores”, disse fonte oficial da instituição. Mas Ana Isabel Silva afirma ao P3 que “já houve várias queixas formais feitas a directores de curso, faculdades e à própria reitoria, mesmo antes desta polémica”. “Os estudantes deixaram de fazer porque nunca deu em nada”, atira. 

A U. Porto esclarece que já denunciou as contas das redes sociais e pediu aos alunos para fazerem o mesmo. “Denunciámos também na Comissão Para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR), organismo especializado no combate à discriminação racial”, acrescenta.

O reitor da U.Porto, António Sousa Pereira, reiterou esta segunda-feira na “Mensagem à comunidade académica”, divulgada já no dia 19 de Outubro, que não pode tolerar na comunidade académica “quaisquer atitudes de xenofobia, racismo, machismo ou discriminação, ou atitudes difamatórias e atentatórias do bom nome e da dignidade individual”. “Apelamos a todos os docentes, estudantes e trabalhadores não docentes para que honrem o carácter superior da nossa instituição, seja no domínio académico e científico, seja nos planos ético, moral, social e da própria linguagem com que comunicamos”, refere.

António Sousa Pereira acrescenta ainda, citando Código Ético de Conduta Académica da U.Porto, que são deveres gerais de todos os membros da comunidade académica “promover um ambiente de respeito mútuo e de sã convivência entre todos os membros da comunidade académica e do público em geral, não praticando actos que configurem qualquer tipo de assédio físico, moral ou sexual, ou actos de discriminação, nomeadamente, com base no seu estatuto universitário e social, idade, sexo, condição física, nacionalidade, origem étnica, cultura, religião ou orientação sexual”. “O reitor fez bem em enviar o comunicado, mas tem de abrir um inquérito dentro da universidade”, atira Ana Isabel Silva. 

Em comunicado, a Quarentena Académica indica que “procedeu na segunda-feira à denúncia pública” de uma das páginas onde se insere uma onda de ataques de teor racista à comunidade de estudantes internacionais da U.Porto. A Quarentena refere ainda que pediu à Reitoria da U.Porto para “averiguar a situação”. A Lusa tentou obter informações junto da FEUP e da FLUP, mas não foi possível até ao momento.

Artigo actualizado às 15h38 de 27 de Outubro: foram incluídas declarações de Ana Isabel Silva ao P3.