Jornalistas detidos em Angola foram libertados sem acusação
Os seis profissionais, detidos no sábado quando cobriam uma manifestação em Luanda, não foram presentes a julgamento sumário como a outra centena de pessoas levadas pela polícia. Ex-líder da UNITA reuniu-se com o Presidente João Lourenço para ouvir explicações.
A polícia libertou sem qualquer acusação os seis jornalistas detidos no sábado, em Luanda, quando se preparavam para cobrir uma manifestação contra o desemprego e a realização das eleições autárquicas que, sem ser organizada pela UNITA, tinha recebido apoio da sua organização da juventude (JURA) e incluía membros do principal partido da oposição em Angola.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A polícia libertou sem qualquer acusação os seis jornalistas detidos no sábado, em Luanda, quando se preparavam para cobrir uma manifestação contra o desemprego e a realização das eleições autárquicas que, sem ser organizada pela UNITA, tinha recebido apoio da sua organização da juventude (JURA) e incluía membros do principal partido da oposição em Angola.
De acordo com Luís Filipe Simões, do Sindicato dos Jornalistas, que esteve em contacto com o secretário-geral do congénere angolano, Teixeira Cândido, as autoridades ficaram de libertar esta segunda-feira os seis jornalistas, sem os apresentar a julgamento sumário, como aconteceu com a centena de outros detidos da manifestação. O facto de estarem devidamente identificados como jornalistas tornou injustificada a detenção.
Aliás, o sindicato português “lamenta” mais este atentado à liberdade de imprensa e “acompanha” de perto todo o processo. “Pensávamos que com o novo Governo de João Lourenço estariam ultrapassados estes comportamentos”, disse Luís Filipe Simões.
O que aconteceu no sábado em Luanda parecia um regresso ao passado em Angola. Uma manifestação que juntou cerca de 2500 pessoas foi desmembrada ainda antes de se realizar, pela acção de um grande contingente da polícia que acabou por deter mais de uma centena de pessoas, entre elas três jornalistas da rádio Essencial, um jornalista e um repórter de imagem da TV Zimbo e um fotógrafo da agência de notícias francesa AFP. Os três jornalistas da rádio Essencial, e o seu motorista, foram os últimos a serem postos em liberdade.
Ao mesmo tempo, os órgãos de informação do Estado apressaram-se a condenar o teor das manifestações e a encontrar ditos cidadãos a repudiar aquilo que os manifestantes pretendiam. Os detidos são acusados de arruaça e desobediência, posição que os órgãos oficiais da imprensa angolana defenderam na sua cobertura.
Mas essa posição gerou uma onda de críticas nas redes sociais, levando mesmo o conselho de administração da Televisão Pública de Angola (TPA) a emitir um comunicado pedindo protecção para os seus funcionários, depois de alegadas ameaças recebidas pela forma enviesada como cobriram o protesto de sábado.
“As redes sociais ‘viralizaram’ publicações de ameaças directas à TPA e aos seus trabalhadores na sequência da cobertura que a estação pública fez às manifestações ocorridas neste sábado, em Luanda”, diz o comunicado, citado pelo diário O País.
Falando em ameaças concretas contra pessoas e instalações, o conselho de administração “apela às autoridades policiais e à Procuradoria-Geral da República a protecção necessária dos direitos ameaçados, assim como espera uma posição veemente das associações que defendem os direitos dos jornalistas e ver esclarecida a questão”.
A UNITA emitiu um comunicado no domingo, onde “denuncia e condena a detenção e espancamento de manifestantes pela polícia” durante aquilo a que chama de marcha da cidadania e não aceita a explicação das autoridades de que a manifestação desrespeitava as regras impostas por causa da pandemia da covid-19.
Para o partido da oposição, a “postura partidária” da governadora de Luanda, Joana Lina Baptista, ficou patente no facto de, “ao mesmo tempo que ordenou repressão dos manifestantes nas ruas da cidade, permitiu que os seus partidários do MPLA realizassem uma actividade política em Viana sem observância do Decreto Presidencial sobre a Situação de Calamidade Pública”.
O partido liderado por Adalberto da Costa Júnior vai mais longe e acusa a governadora de mostrar “o seu ódio ao fazer declarações intimidatórias contra cidadãos que apenas reclamavam a realização de um direito”.
“O secretariado executivo do comité permanente da comissão política da UNITA insta as autoridades angolanas para que libertem imediata e incondicionalmente todos os manifestantes, entre activistas, políticos e cidadãos anónimos, de que se destacam Laura Macedo, Agostinho Kamuango, Francisco Teixeira, Adolfo Campos e outros, alguns dos quais levados para parte incerta. A sua detenção é ilegal e inconstitucional pois, foi feita no quadro do exercício dos seus direitos”, acrescenta o comunicado.
O antigo líder da UNITA, Isaías Samakuva, encontrou-se esta segunda-feira no Palácio Presidencial, em Luanda, com o Presidente João Lourenço para discutir os acontecimentos de sábado e apelar ao diálogo entre o Governo e o seu partido.
“Mais uma vez nesses casos, as portas para se dialogar deviam estar abertas. Pedi ao Presidente da República que procurasse contactar a direcção da UNITA directamente, é importante que se esclareçam algumas situações”, disse Samakuva.
Para Samakuva, a libertação dos detidos na manifestação de sábado, ajudará a esse diálogo.
Segundo o secretário de Estado para o Asseguramento Técnico do Ministério do Interior, Salvador Rodrigues, a marcha de sábado resultou em 103 detidos, seis polícias feridos, a destruição de vários meios da polícia e actos de fogo-posto.
No domingo, durante a missa, o bispo de Caxito, D. Maurício Agostinho Camuto, pediu a saída daqueles que não sabem dialogar: “A Angola que nós desejamos não é esta. Quem não tem coragem para dialogar com o povo, que saia. Deixe o poder. Entregue o poder a outra gente que saiba governar, que saiba escutar o povo, saiba realizar os anseios do povo, as esperanças do povo.”
Para o prelado da Igreja Católica, “ninguém deve sofrer violência porque está a reclamar um direito”.