A modificabilidade da decisão de atribuição da casa de morada de família
As decisões de atribuição de direito de utilização de casa de morada de família não são estáticas: após a tomada de uma decisão que determine que o direito de utilização da casa será atribuído a um dos cônjuges, essa mesma decisão pode, no futuro, ser alterada.
Dispõe o artigo 1793.º do Código Civil que o tribunal pode “… dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer essa seja comum quer própria de outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal”.
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Dispõe o artigo 1793.º do Código Civil que o tribunal pode “… dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer essa seja comum quer própria de outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal”.
Já o número 3 do mesmo artigo prevê que “O regime fixado, quer por homologação do acordo dos cônjuges, quer por decisão do tribunal, pode ser alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária”.
A atribuição da casa de morada da família é, pois, um incidente de jurisdição voluntária, o que significa que as decisões tomadas no seu âmbito podem ser alteradas com base em circunstâncias supervenientes, que justifiquem uma modificação, tomando em conta que, conforme resulta do artigo 987.º do Código de Processo Civil, na decisão a proferir, “… o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna”.
Na mesma esteira, importa tomar com conta a previsão do artigo 988.º do mesmo Código que aponta para a possibilidade de alteração de decisões já tomadas desde que tais alterações operem “… com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração”.
De acordo com este artigo 988.º, “… dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso”.
Estas circunstâncias supervenientes têm que ser relevantes, devendo também ser tendencialmente permanentes e não meramente transitórias ou de carácter potencialmente pouco duradouro.
Assim, após a tomada de uma decisão que determine que o direito de utilização da casa de morada de família será atribuído a um dos cônjuges, essa mesma decisão pode, no futuro, ser alterada dentro do circunstancialismo supra referido, cabendo salientar que o tribunal, ao não estar sujeito a critérios de legalidade estrita, pode, na sua decisão, configurar a solução que, no momento e em face dos factos, considere como a mais conveniente e oportuna.
Importa esclarecer que quando se pede a alteração da decisão de utilização da casa de morada de família, não se pretende verificar se a decisão anteriormente tomada estava correta ou não, na medida em que aquilo que se pretende é que o tribunal profira uma nova decisão com base em circunstâncias que não existiam aquando da tomada da anterior decisão.
Quer na decisão de atribuição da casa de morada de família, quer na decisão que modifique a anteriormente tomada, a regra geral a observar é a de que o direito à utilização da casa deve ser atribuído ao ex-cônjuge que mais precise dela, devendo, para o efeito, ter-se em linha de conta vários pontos como seja a situação patrimonial dos ex-cônjuges, o interesse dos filhos do ex-casal, a idade e o estado de saúde dos ex-cônjuges, a localização da casa, o facto de algum deles dispor de outra casa em que possa viver, a situação profissional de cada um dos membros do ex-casal, etc.
Quando da ponderação de todos os factores supra mencionados – e outros que, no caso concreto, relevem –, se concluir que a necessidade de utilização da casa por um dos ex-cônjuges é consideravelmente superior à do outro, então, o tribunal deverá atribuir àquele o direito ao arrendamento da casa de morada da família.
Em súmula, as decisões de atribuição de direito de utilização de casa de morada de família não são estáticas, na medida em que, levados ao conhecimento do tribunal factos e circunstâncias supervenientes que imponham uma adequação da decisão a proferir à nova realidade existente, o tribunal pode, uma vez provada essa nova realidade, proferir decisão diversa da anterior, o que poderá implicar que o ex-cônjuge que tinha direito à utilização da casa deixe de o ter, passando o outro a ter tal direito na sua esfera jurídica.
Impõe-se, pois, articular de forma precisa e objetiva quais as novas circunstâncias supervenientes que fundamentam o pedido de modificação da decisão anteriormente tomada, cabendo o ónus da prova a quem invoca essas mesmas circunstâncias.
Advogadas na Rogério Alves & Associados, Sociedade de Advogados, SP, RL
As autoras escrevem segundo o novo acordo ortográfico