The Undoing tem Hugh Grant e Nicole Kidman num elenco de luxo — mas será que isso chega?
Mini-série de seis episódios com assassinatos e desigualdade de classes volta a juntar o criador David E. Kelley à actriz Nicole Kidman e as primeiras críticas falam de uma repetição do seu trabalho em Big Little Lies. Chega à HBO Portugal esta segunda-feira.
Grace (Nicole Kidman) tem a vida (aparentemente) perfeita. É uma terapeuta conjugal excepcionalmente bem-sucedida (só os casais com mais dinheiro para gastar — investir, vá — conseguem requisitar os seus serviços); vive em Manhattan numa casa que mais parece uma mansão; o pai, Franklin (Donald Sutherland), é dono de uma fortuna incalculável; o marido, Jonathan (Hugh Grant), é um oncologista carismático e respeitado; o filho, Henry (Noah Jupe), toca violino e frequenta uma escola de prestígio. Num dia não muito atribulado, tentar dar o nó perfeito na gravata de Jonathan antes de um evento cerimonial pomposo com os outros pais da turma de Henry pode ser o seu maior dilema.
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Grace (Nicole Kidman) tem a vida (aparentemente) perfeita. É uma terapeuta conjugal excepcionalmente bem-sucedida (só os casais com mais dinheiro para gastar — investir, vá — conseguem requisitar os seus serviços); vive em Manhattan numa casa que mais parece uma mansão; o pai, Franklin (Donald Sutherland), é dono de uma fortuna incalculável; o marido, Jonathan (Hugh Grant), é um oncologista carismático e respeitado; o filho, Henry (Noah Jupe), toca violino e frequenta uma escola de prestígio. Num dia não muito atribulado, tentar dar o nó perfeito na gravata de Jonathan antes de um evento cerimonial pomposo com os outros pais da turma de Henry pode ser o seu maior dilema.
Até que entra em cena Elena (Matilda de Angelis), mãe pobre que vive no bairro do Harlem e que só conseguiu colocar o filho na caríssima Escola de Reardon graças a uma bolsa de estudo. A sua estonteante beleza mexe inegavelmente com Grace — e o circo mediático que se forma depois da sua morte violenta desassossega aquela comunidade ultra-privilegiada.
The Undoing, mini-série de seis episódios que chega à HBO Portugal esta segunda-feira, 26 de Outubro, lida com desigualdades e lutas de classes que não são novidade na história recente da televisão (e da realidade) norte-americana, especialmente se olharmos para os protagonistas em questão. Esta adaptação do romance You Should Have Known, de Jean Hanff Korelitz, foi desenvolvida por David E. Kelley (de Ally McBeal e Boston Legal, por exemplo), que volta a trabalhar com Nicole Kidman depois de Big Little Lies (2017-2019), outro sucesso monumental da HBO e outra série que coloca no meio das vidas aparentemente extraordinárias de mães abastadas um assassinato que prontamente estraga a festa e que desvenda uma tonelada de mistérios desagradáveis.
Big Little Lies de novo...?
As semelhanças entre essa premiada série — que, para além de Kidman, também tem no elenco Reese Witherspoon, Shailene Woodley ou Zoë Kravitz — e esta nova aposta foram identificadas por muitos críticos que já assistiram a The Undoing antes da estreia, alguns dos quais não terão ficado particularmente rendidos. Judy Berman, da revista Time, elogia o desempenho de Kidman — cuja personagem, à imagem da sua Celeste Wright de Big Little Lies, volta a “oscilar entre introspecção e auto-ilusão, fragilidade típica de uma boneca de porcelana e determinação discreta” —, mas sustenta que “The Undoing cai na mesma armadilha que tantos outros thrillers do pequeno ecrã, colocando grandes twists no fim de cada episódio e esticando o resto do guião durante os primeiros 50 minutos”. “Agora que a televisão se apoderou do cinema, estamos a ver muitas mini-séries que na verdade deviam ter sido filmes”, chega a defender.
Aisha Harris, da National Public Radio (NPR), salienta por sua vez que parece faltar nos diferentes episódios a perspectiva de Elena e do seu filho mais velho, que é o primeiro a dar com o seu corpo ensanguentado. Em vez disso, explica, o espectador apenas vê como a sua morte afecta Grace, Jonathan, Henry e os igualmente ricos amigos da família nuclear. “A série nunca parte verdadeiramente para o estudo perspicaz de classe social e privilégio que anuncia”, escreve.
Jen Chaney, do site Vulture, assume uma posição mais elogiosa, destacando as revelações que adensam “um turbilhão de traição e mentiras que já é suficientemente complicado”. “Uma vez que é da HBO, The Undoing vai desdobrar-se numa base semanal, mas pode acreditar que se os seis episódios fossem disponibilizados de uma vez só, você assistiria a isto tudo em menos de um fim-de-semana”, argumenta.
Estrelas no ecrã
É quanto à prestação das “estrelas” que os críticos se entendem. Hugh Grant é... bem, Hugh Grant, o que significa que o seu Jonathan tem charme para dar e vender, mesmo que o oncologista não seja sempre o marido de sonho que nos primeiros 30 minutos da série parece ser. O britânico de 60 anos — os cabelos brancos já começam a tomar conta da sua cabeça, mas de resto a idade é só um número para o actor — consegue ser engraçado num guião que não está necessariamente voltado para a comédia e o seu personagem foge do típico rico que não tem a mais pequena noção do seu lugar de conforto ou das aflições dos outros — por mais que aqui e ali exagere um pouco na auto-consciência.
Não menos forte é Nicole Kidman, que, segundo Mike Hale, do The New York Times, “consegue fazer a ‘menina de ouro atormentada’ a dormir”. A actriz também é quase perfeita para a Grace que não consegue ver os problemas da sua vida conjugal com a mesma facilidade com que consegue descortinar tudo o que se passa com os seus pacientes e que tenta não perder o equilíbrio emocional enquanto desenterra informações desagradáveis sobre a sua família.
É uma pena que algumas personagens sejam consideravelmente mais unidimensionais — é o caso das amigas de Grace, que, essas sim, ficam presas à caricatura dos ricos completamente desligados da realidade —, porque o guião não ajuda ou porque têm pouco tempo de ecrã. É o problema de Elena, que tem mais momentos de tensão sexual e erotismo em The Undoing do que deixas.