Brejinho da Costa: A que sabe um vinho vindo do fundo do mar?
Chama-se Vinho do Atlântico e estagiou 14 meses no fundo do mar. Qual o efeito que a pressão tem sobre a evolução de um vinho, seja ele branco, tinto, rosé, Moscatel ou espumante? É isso que o enólogo Luís Simões, da Brejinho da Costa, quer descobrir.
Quando seguramos a garrafa não sentimos o toque liso e frio do vidro. Encontramos, sim, uma superfície rugosa, feita de pequenas conchas e outras formas de vida do fundo do mar que ao longo dos últimos 14 meses se foram agarrando a ela.
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Quando seguramos a garrafa não sentimos o toque liso e frio do vidro. Encontramos, sim, uma superfície rugosa, feita de pequenas conchas e outras formas de vida do fundo do mar que ao longo dos últimos 14 meses se foram agarrando a ela.
Sabemos muito pouco do que se passou nesses meses – mas Luís Simões, o enólogo que faz este Vinho do Atlântico, um projecto da Brejinho da Costa, produtor da zona de Pinheiro da Cruz, junto à Comporta, confessa que também para ele tudo isto é ainda um mistério.
Foi há cerca de quatro anos que decidiu fazer a experiência de pôr algumas garrafas a estagiar no fundo do mar para tentar perceber o efeito. As restantes do mesmo vinho – as mesmas castas, o mesmo blend – estagiam na adega, seguindo o processo normal. São duas dessas garrafas, uma de tinto e outra de branco, que temos agora à nossa frente em cima de uma mesa da Sabores do Chiado, uma loja e sala de prova de vinhos e petiscos no número 8 da Calçada do Ferragial, em Lisboa.
A ideia é experimentarmos o vinho ao mesmo tempo que o enólogo. As garrafas foram retiradas do fundo do mar há dois ou três dias e o que resultar da comparação com as que ficaram na adega será uma surpresa também para Luís Simões.
“A Brejinho da Costa fica a quatro quilómetros da praia e o que queremos é explorar muito bem esta parte do nosso terroir”, explica. Solos de areia, brisa marítima, vinhos que querem posicionar-se como diferentes da imagem que habitualmente se tem da Península de Setúbal. E é nesse contexto que surge esta experiência mais radical. “Trabalhamos com um biólogo marinho, que nos tem guiado, e testámos várias possibilidades, várias castas, vários tipos de vinho, para ver as diferenças”, conta Luís Simões. “Todos os anos tiramos do mar pelo menos dois lotes de vinho.”
Neste momento, ao largo da ilha do Pessegueiro e junto ao Porto de Sines (em quatro locais autorizados pela Marinha) estão “umas três mil ou quatro mil garrafas”, algumas a dez metros, outras a 20 metros. “Tive um lote a 30 metros, mas as garrafas vieram todas estragadas porque a rolha deixou entrar água. A 30 metros, a cortiça deixa de aguentar.” Ali, onde só os peixes as vêem, há, dentro de caixas de rede, como as usadas para apanhar polvos, garrafas de vinho branco, tinto, espumante, Moscatel.
“Todos os meses um mergulhador tem que ir lá atar as caixas, embora no Verão as correntes sejam menos intensas.” E, de quando em quando, umas são trazidas à superfície. “Têm que ser limpas, para não ficarem a cheirar mal, e depois são envernizadas.” O que é curioso, nota o enólogo, é que “se são colocadas no mar no Verão, vêm com um tipo de vida agarrada, se são colocadas no Inverno têm outro tipo.”
Em cima da mesa, à nossa frente, há, então, uma caixa de ostras do Sado, para o vinho branco, e uma tábua de queijos variados, para o tinto. Abre-se primeiro o branco, um blend de Encruzado e Alvarinho e um pouco de Arinto – o do mar e, para comparar, o da adega. Luís Simões concentra-se. A diferença é evidente: o vinho que estagiou no fundo do mar parece ter evoluído mais rapidamente, tem um tom dourado mais intenso, e desenvolveu já algumas notas de oxidação.
“Isto é um processo químico”, explica Luís Simões, que tem o apoio da Universidade de Évora e está a trabalhar numa tese baseada nesta experiência. “Sob pressão, o vinho vai criar moléculas e estruturas e torna-se completamente diferente em termos aromáticos, de volume de boca, de textura. Sabemos já que está relacionado com a pressão mas não sabemos qual o tempo necessário para fazer um bom trabalho com determinada casta.”
Abre-se o tinto, feito de Touriga Franca e Touriga Nacional. As diferenças entre o do mar e o da adega são menos evidentes, mas ainda assim perceptíveis. “O do mar é o mais complexo, mais gastronómico em termos de boca, de textura”, vai descrevendo o enólogo. “O outro parece mais jovem, preservou os aromas todos no estágio em garrafa. Estamos a testar outros, o Moscatel, o rosé, o espumante. Noto que as diferenças têm muito a ver com as moléculas do álcool, que se ligam aos taninos do vinho.”
Quando iniciou este estudo, imaginava que seria exactamente ao contrário. “Como na adega há oscilações de 10 graus, entre o Verão e o Inverno, supostamente o vinho deveria evoluir mais rápido, mas não é assim.”
Mas a experiência não vai ficar por aqui. Pedro Santos, director de produção da Brejinho da Costa, revela que o objectivo é que os clientes que o desejarem possam ir, eles próprios, ao fundo do mar buscar a sua garrafa. Já foram feitos alguns mergulhos experimentais (é dada uma miniformação antes para quem nunca mergulhou, mas estamos a falar de profundidades de apenas 10 ou 15 metros) e a ideia é que no próximo Verão – se o evoluir da pandemia deixar – possam começar a ter essa oferta de forma mais permanente.
O Vinho do Atlântico dirige-se sobretudo à restauração, mas encontra-se também à venda neste momento num pack com duas garrafas, a do mar e a da adega (tanto do branco como do tinto), para permitir a comparação. O preço recomendado é entre os 125 e os 150€.