Uma corrida ao Goncourt com algumas surpresas

Os quatro finalistas candidatos ao Prémio Goncourt serão anunciados na próxima semana, a 27 de Outubro. A Academia Goncourt, na sua fase pós-Bernard Pivot, tem trazido algumas surpresas. O vencedor será conhecido a 10 de Novembro, à janela do restaurante Drouant.

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Quando Pierre Lemaitre venceu o Prémio, imagem impossível de repetir em tempo de pandemia Reuters/BENOIT TESSIER

Na próxima terça-feira vai ser divulgada a lista dos quatro finalistas do mais importante prémio literário francês, o Goncourt, atribuído a uma obra de ficção, e que no dia 10 de Novembro coroará mais um vencedor.

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Na próxima terça-feira vai ser divulgada a lista dos quatro finalistas do mais importante prémio literário francês, o Goncourt, atribuído a uma obra de ficção, e que no dia 10 de Novembro coroará mais um vencedor.

Já se sabe que, em ano de pandemia e de afastamento social, o anúncio do vencedor será feito com novas regras. Tudo isto para se evitar a confusão de gente a atropelar-se que habitualmente se gera entre a comunicação social, o júri e o vencedor no momento de anúncio do prémio. Basta ver as fotografias dos anteriores eventos, com os escritores rodeados de fotógrafos e jornalistas, como aconteceu no ano em que Pierre Lemaitre ou Michel Houellebecq​ receberam o prémio. 

Será através da janela do primeiro andar do histórico restaurante parisiense Drouant, onde a Academia Goncourt se reúne desde 1914, que será gritado o nome do escritor que entusiasmou o júri, embora a janela já tenha servido de cenário para os premiados, como aconteceu no ano passado quando o prémio foi atribuído a Jean-Paul Dubois e ao seu romance Tous les hommes n’habitent pas le monde de la même façon (L’Olivier).

O premiado deste ano vai receber simbolicamente um cheque de dez euros, mas verá o seu nome catapultado internacionalmente, o seu livro certamente chegará aos tops de vendas em França e chamará a atenção de editores estrangeiros que o quererão traduzir para ter o Prémio Goncourt nos seus catálogos.

Esta edição do Goncourt traz algumas novidades. Para já, o júri é agora presidido por Didier Decoin, depois da saída de Bernard Pivot no final do ano passado (para ter mais tempo livre, alegou ele). Também a escritora Virginie Despentes abandonou a Academia Goncourt este ano, dizendo não ter tempo para escrever. Por isso, dois novos membros foram eleitos: Camille Laurens e Pascal Bruckner.

Além do presidente e destes novos membros, a Academia é agora constituída por Pierre Assouline, Tahar Ben Jelloun, Françoise Chandernagor, Philippe Claudel, Paule Constant, Patrick Rambaud e Eric-Emmanuel Schmitt.

Também este ano, na selecção das obras a concurso, divulgadas no início deste mês de Outubro, houve já algumas surpresas. Uma delas é a presença, na lista dos candidatos a finalistas do Goncourt, da escritora dos Camarões Djaïli Amadou Amal, com o seu romance Les Impatientes, primeiro livro seu publicado em França, pelas Éditions Emmanuelle Collas. A obra aborda um tema duro, o “casamento forçado, a violação conjugal e a poligamia, através do destino de três mulheres a quem repetem infinitamente: ‘Munyal!’ ('paciência’, em língua fula)”, como descreve Gladys Mario num artigo no jornal Le Monde.

Além de Djaïli Amadou Amal, estão na corrida outros candidatos: Irène Frain, com Un crime sans importance (Seuil), livro onde a romancista evoca o assassinato da irmã; o jornalista e escritor Mohammed Aïssaoui, com Les Funambules (Gallimard), que nos leva à Argélia; Miguel Bonnefoy, com Héritage (Rivages), uma saga familiar; Hervé Le Tellier, com L’Anomalie (Gallimard), sobre um acontecimento inexplicável que perturba a vida dos passageiros de um voo Paris-Nova Iorque; Jean-Pierre Martin, com Mes fous (L’Olivier), abordando o tema da saúde mental em cidades assépticas; Maël Renouard, com L'historiographe du royaume (Grasset), sobre a história de Marrocos; e Camille de Toledo, com o romance Thésée, sa vie nouvelle (Verdier), que ficciona a depressão e o passado sombrio de uma família.

Favorito descartado

Outra das surpresas decorrentes da escolha destes oito seleccionados é que o livro inicialmente considerado favorito ao prémio não aparece na lista dos que vão passar à segunda fase. Trata-se de Yoga, de Emmanuel Carrère (P.O.L), o livro da rentrée em França, um fenómeno de vendas que suscitou um debate entre os limites da ficção e o relato verídico. Na obra, o autor, que pratica ioga há décadas, fala da sua paixão pela meditação, mas também de uma depressão que levou a internamento, da ruptura com a sua ex-mulher e de um desejo de recomeçar.

Emmanuel Carrère é o autor de O Adversário (2000) e Pesadelo na Neve (2001), ambos editados pela Gótica e o primeiro reeditado pela Tinta-da-China em 2019, e de um romance-biografia-ensaio Limonov editado em Portugal pela Sextante em 2012. Cineasta, realizou o filme Amor Suspeito baseado no seu romance Le Moustache. É dele a frase: a literatura “esse lugar onde não se mente”.

Sobre a ausência do seu nome, mais uma vez, nos nomeados para o prémio, como escreve o Le Nouvel Obs, “podemos legitimamente perguntar-nos que papel teve o direito de resposta publicado por Hélène Devynck nesta decisão do Goncourt.” E acrescenta: “Neste texto, a ex-mulher de Carrère, antiga jornalista, acusa o escritor de não ter respeitado os termos do contrato entre ambos, especificando que ela não devia ser citada no livro. Explica também que, apresentando Yoga como um romance autobiográfico sincero, Carrère rompe o pacto de leitura, pois – acrescenta – alguns detalhes foram modificados. Finalmente, Hélène deixa implícito que o seu ex-marido poderá ter feito malabarismos com a ficção para cair nas boas graças do Goncourt, que é conhecido por ser muito cauteloso quanto à autoficção basta lembrar a expulsão de Lambeau, de Philippe Lançon, em 2018, com o pretexto de que esta magnífica narrativa de ressurreição depois do atentado contra o Charlie Hebdo não era ‘uma obra de imaginação’. Le Royaume, o livro anterior de Carrère, foi excluído pelo júri de Drouant pelas mesmas razões, em 2014.”

Nesse texto, um direito de resposta que foi publicado na Vanity Fair francesa, Hélène Devynck, que se separou do escritor em Março, escreve: “Aceitei, no passado, que a minha intimidade fosse utilizada nos livros do Emmanuel. (…) Por ter dito ‘sim’ no passado, não posso dizer ‘não’, agora? Não teria o direito à separação, e seria até à morte objecto da escrita fantasma do meu ex-marido?”. “Os leitores são livres de acreditar ou de duvidar. O autor é livre de contar a sua vida como ele quer, como pode. Eu queria ter a liberdade de não estar lá, de não estar associada a um espectáculo apresentado como sincero onde não reconheço o que vivi”, acrescenta.

Dias mais tarde, Emmanuel Carrère respondeu à ex-mulher no jornal Libération: “Não fui eu quem quebrou o acordo, mas a própria Hélène, que, ao mesmo tempo em que exige ser mantida afastada deste livro, fala nos media sobre o assunto. Eu não a culpo.”

Eliminando o livro das listas finais, o Goncourt evitou a polémica de esta obra ser um relato verdadeiro ou inventado. No seu testamento, Edmond de Goncourt estipulava que o prémio seria para “uma obra de imaginação”.