O PSD saiu do armário
Rio pôde mudar de discurso sem se afogar em críticas (as que o PS lhe dirigiu são pífias e sem sentido) porque, afinal, está a fazer o que António Costa várias vezes lhe pediu para fazer.
“Não raras vezes, aparecem os que não resistem à tentação de agravar os ataques aos governos em funções, aproveitando-se partidariamente das fragilidades políticas que a gestão de uma tão complexa realidade sempre acarreta. Em minha opinião, essa não é, neste momento, uma postura eticamente correcta. E não é, acima de tudo, uma posição patriótica.”
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“Não raras vezes, aparecem os que não resistem à tentação de agravar os ataques aos governos em funções, aproveitando-se partidariamente das fragilidades políticas que a gestão de uma tão complexa realidade sempre acarreta. Em minha opinião, essa não é, neste momento, uma postura eticamente correcta. E não é, acima de tudo, uma posição patriótica.”
Não, caro leitor, quem escreveu esta frase na primeira semana de Abril não foi António Costa, não foi nenhum dos ministros deste Governo nem foi o Presidente da República. Foi o líder do PSD, Rui Rio, que esta semana decidiu ceder à “tentação de agravar os ataques aos governos”, explorar as “fragilidades políticas” decorrentes da “complexa realidade” da pandemia e da crise económica e anunciou o chumbo do partido ao Orçamento de 2021.
Finalmente, o líder do PSD decidiu sair do armário. O Rui Rio apaziguador, eticamente responsável de há meio ano, o político que sugeria estar sempre ali pronto para dar a mão ao Governo, apareceu nas jornadas parlamentares do seu partido transfigurado num líder político visceral, combativo e com instinto fatal. Se é ou não surpresa (para quem assina este texto, sim, é surpresa) esta metamorfose, pouco interessa.
Interessa, sim, que Rio foi capaz de mudar a sua imagem, passando de político colaborante a oposicionista radical sem perder a coerência. Os seus argumentos são fáceis de entender. O Orçamento satisfaz a ala social-democrata com as preocupações de ordem social, mas não cobre o PSD liberal que defende a iniciativa privada ou a eficiência do Estado. Mas, mais ainda, Rio pôde mudar de discurso sem se afogar em críticas (as que o PS lhe dirigiu são pífias e sem sentido) porque, afinal, está a fazer o que António Costa várias vezes lhe pediu para fazer.
De forma fria, Rui Rio encerrou com este golpe a era da “muleta” e mostrou que o PSD acredita ter em breve condições para receber o poder no seu regaço. Essa é que é a grande mudança. Rio assume sem rodeios a sua orientação política porque percebeu que a esquerda regressou ao tribalismo.
Votando contra o Orçamento, Rio aumenta a pressão sobre o Bloco e o PCP (pode ser bom para o Governo), mas, ao fazê-lo, sabe que está a expor os limites da “geringonça” e as vulnerabilidades do PS. Se na sua atitude há substância, o essencial é táctica. Quando a gravidade da crise exigia uma “postura eticamente correcta” ou “patriótica” para poupar o país aos riscos de uma crise política, Rio surpreende, muda de registo e faz a pirueta sem correr riscos de se estatelar. Se ele é um político diferente, como gosta de proclamar, não é por não saber usar o oportunismo.