Rui Pinto pode ter acedido a informação sob segredo de Estado, admite Amadeu Guerra
Ex-director do DCIAP testemunhou em tribunal no caso Football Leaks. “No meu tempo nunca considerámos informação obtida ilícitamente”, afirmou, numa crítica implícita ao acolhimento que tem tido nesta fase o pirata informático por parte das autoridades.
O ex-director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), Amadeu Guerra, admitiu esta quarta-feira em tribunal que o pirata informático Rui Pinto pode ter acedido a informação que se encontrava sob segredo de Estado.
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O ex-director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), Amadeu Guerra, admitiu esta quarta-feira em tribunal que o pirata informático Rui Pinto pode ter acedido a informação que se encontrava sob segredo de Estado.
Entre 6 de Novembro de 2018 e o dia 7 de Janeiro do ano seguinte Rui Pinto acedeu 307 vezes ao servidor da Procuradoria-Geral da República, concluíram os investigadores do caso Football Leaks. O caso BES, Tancos e a Operação Marquês foram alguns dos processos espiados pelo pirata informático, que também se interessou pelos inquéritos sobre a corrupção no mundo do futebol.
“Na posse destas credenciais passou a ter acesso remoto a toda a infra-estrutura da rede da PGR de forma anonimizada, incluindo pastas partilhadas em servidores internos e websites internos com conteúdo funcional”, descreve a acusação. “Procedeu a exaustivas pesquisas e consultas em directórios e ficheiros” deste organismo de cúpula do Ministério Público. O pirata informático não se limitou a ler os ficheiros, tendo exfiltrado parte dela, que armazenou nos seus equipamentos informáticos. Recolheu até informação àcerca da investigação ao hacker que tinha entrado nos servidores do Benfica e do Sporting – ou seja, sobre o inquérito que decorria no DCIAP sobre si próprio.
A acusação diz que não se sabe de quem seriam as credenciais de acesso de que se apropriou para entrar no sistema informático. Mas o inspector que na Polícia Judiciária liderou esta investigação, José Amador, revelou no mês passado em tribunal que Amadeu Guerra, então director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), foi uma das “portas de entrada” na estrutura informática da PGR.
Amadeu Guerra terá recebido na sua caixa de correio electrónico um link que remetia para uma dropbox. Esta mensagem estaria mascarada de um remetente conhecido ou de uma entidade credível, levando o destinatário a não questionar e a não levantar perguntas de segurança. Teria, depois, de introduzir as suas credenciais de acesso para fazer download dos ficheiros. Estas credenciais, contudo, eram remetidas para uma outra página que, de acordo com o Ministério Público, era controlada por Rui Pinto, que terá usado este acesso aos servidores para vigiar e retirar informação que, de acordo com José Amador, esteve ao seu alcance até ao início de 2019.
"No meu tempo não considerávamos informação obtida de forma ilícita"
Confrontado em tribunal com dezenas de documentos encontrados nos equipamentos informáticos de Rui Pinto pelas autoridades, o ex-director do DCIAP foi confirmando serem documentos que estavam no seu computador ou no sistema informático do Ministério Público. Era o caso de uma acta de 2017 de uma reunião da Unidade de Coordenação Anti-Terrorismo, organismo que congrega os serviços secretos e as forças de segurança. Estava classificada como confidencial, e Amadeu Guerra explicou em tribunal, onde prestou depoimento na qualidade de testemunha, que estes encontros versam com frequência matérias melindrosas: “Estas reuniões são extremamente confidenciais e sigilosas. Às vezes até tratam de matérias que estão sob segredo de Estado”.
Acusado de dezenas crimes informáticos e também de extorsão, a Rui Pinto acabou, porém, por nunca ser imputado o delito de violação do segredo de Estado, muito embora a questão tenha chegado a ser equacionada.
Interrogado pelo advogado de Rui Pinto sobre por que razão as revelações de Rui Pinto não terão dado, aparentemente, origem a investigações criminais e fiscais com origem assumida no Football Leaks, ao contrário do que sucedeu em França e em Espanha, Amadeu Guerra foi lapidar: “Sempre direi que quando estive no DCIAP [entre 2013 e 2019] nunca considerámos informação obtida ilícitamente”, declarou, naquilo que pode ser considerado uma crítica implícita ao acolhimento que tem tido nesta fase o pirata informático junto das autoridades, que contam com a sua ajuda para lançar ou prosseguir inquéritos judiciais. O director da Polícia Judiciária e o actual director do DCIAP entendem que o hacker está a regenerar-se, constituindo uma preciosa ajuda na descoberta de esquemas criminosos, quer no universo do futebol, quer no mundo dos negócios.
Amadeu Guerra explicou ainda que a falta de meios pesava naquilo que o DCIAP investigava ou deixava de investigar: “A Polícia Judiciária não conseguia acorrer a todos os processos que queríamos ver investigados, porque não tinha meios”.
Foi este magistrado que resolveu criar, em 2018, uma equipa de três magistrados para investigar as suspeitas de corrupção no futebol. Amadeu Guerra até lhes prometeu meios para trabalharem, mas conta que se distanciou das investigações concretas. Havia um motivo de peso: "Não me quis meter nisso, porque sou benfiquista”.