E hoje, o que desejamos para os nossos filhos?

Malabarista, coach nutricional, instrutor de surf, gamer, terapeuta holístico: tudo isto aceitamos como sensato, perfeitamente possível e altamente entusiasmante. Talvez por já não termos conhecido um trabalho para a vida, por sabermos que a mudança é algo bom que confere experiência, porque somos adultos multitasking.

Foto
Unsplash

Ter um curso superior, conseguir um bom emprego, sem feridas nas mãos, longe do sol a pique, bem sentado e engomado num gabinete espelhado ou numa qualquer repartição de finanças. Foi tudo o que sonharam para nós, com a maior das vontades, melhor das intenções e alguns sacrifícios. Fazia sentido e era o melhor que se podia pedir para um filho.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Ter um curso superior, conseguir um bom emprego, sem feridas nas mãos, longe do sol a pique, bem sentado e engomado num gabinete espelhado ou numa qualquer repartição de finanças. Foi tudo o que sonharam para nós, com a maior das vontades, melhor das intenções e alguns sacrifícios. Fazia sentido e era o melhor que se podia pedir para um filho.

Mas o mundo mudou tanto, deu mais voltas do que alguma vez Galileu poderia imaginar, que nos faz pensar: e agora, o que queremos para os nossos filhos? A resposta complicou-se e muito, tomou contornos filosóficos, levanta ponderações sobre a humanidade, questões éticas e do livre arbítrio. Hoje, temos a sensação de que a vida é mais curta embora que mais longa, cada um de nós tem mais valor e a felicidade é sermos o queremos e não o que podemos ser. Como pais, estamos mais descomplexados perante a maioria das suas vontades e não lhes traçamos objectivos contrários ao primeiro dos nossos desejos: “só quero que sejam felizes”.

Malabarista, coach nutricional, instrutor de surf, vlogger, gamer, terapeuta holístico: tudo isto aceitamos como sensato, perfeitamente possível e altamente entusiasmante. Talvez por já não termos conhecido um trabalho para a vida, por sabermos que a mudança é algo bom que confere experiência, porque somos adultos multitasking, poliglotas, polifacetados, três em um, dotados tecnologicamente e, na grande maioria das vezes, engolidos por uma imensidão de tarefas, percebemos que para eles o horizonte é ainda mais largo, a terra mais plana e infinita. Não nos limitamos a desejar-lhes uma profissão estável que se resume a cinco dias inúteis, um empréstimo com taxas de juro baixas, um híbrido colorido e outros itens que encabeçaram as nossas prioridades. Aceitamos outras opções menos comuns, escolhas mais incertas e até mais difíceis, mas que os enchem de contentamento e um brilho no olhar que sabemos que nenhum dinheiro compra. Percebemos que uma casa no campo, com sombras de luz natural, uma horta que floresce no vagar do tempo, passou a fazer tanto sentido como um apartamento no Marquês.

A verdade é que ainda ficamos pacificados quando vão para a universidade, cumprem esta etapa e se põem na fila de um futuro regular. Mas já não entramos em pânico se nos disserem que querem grafitar, correr o mundo com uma mochila ou plantar mirtilos biológicos em Castro D’Aire.

O Tiago entrou em medicina, a Rita em Direito e a Leonor em História de Arte. O Luís partiu para Londres com uma guitarra e no intervalo de dois solos serve copos em South Kensington. A Eduarda criou uma marca de óculos e gesticula conselhos de estilo para chegar aos 10 mil seguidores. Estão a construir a felicidade. Para eles, carreira é um conceito amorfo, um caminho sempre igual, com as paragens certas, passe mensal, que lhes causa aborrecimento. A percepção sobre a realização profissional e pessoal deixou de caber em linhas rectas, faz-se por atalhos, tentativa e erro, avanços e recuos, sem o peso de não serem o que todos esperavam que fossem.