Vitória de Arce na Bolívia traz elementos novos
O candidato do MAS vai conseguir ser eleito com uma percentagem de votos que lembra a de Evo Morales de 2005 e com uma altíssima taxa de participação: 87%, mostrando que o movimento pode sobreviver sem o seu criador.
Os resultados oficiais das eleições bolivianas ainda devem exigir algumas horas até serem definitivamente publicados, mas a vitória de Luís Arce, do Movimento ao Socialismo (MAS-IPSP), na primeira volta, é facto consumado e aceite até pelos adversários e pela presidente interina do país, baseados nas sondagens de boca de urna e na evolução da contagem oficial.
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Os resultados oficiais das eleições bolivianas ainda devem exigir algumas horas até serem definitivamente publicados, mas a vitória de Luís Arce, do Movimento ao Socialismo (MAS-IPSP), na primeira volta, é facto consumado e aceite até pelos adversários e pela presidente interina do país, baseados nas sondagens de boca de urna e na evolução da contagem oficial.
Ex ministro de Evo Morales, Arce pode atingir em torno de 53% dos votos. Segundo a lei boliviana, a vitória na primeira volta é garantida com 50% ou um pouco acima de 40 % se a diferença do primeiro colocado em relação ao segundo for de pelo menos 10%.
Nas eleições do ano passado, anuladas por suspeita de fraude, que acabaram por causar a demissão e exílio do então presidente Evo Morales, a este foram atribuídos 47% dos votos. Arce ultrapassará bastante essa votação do líder do seu partido, recuperando mesmo a votação do MAS-IPSP em 2005. Elemento de grande impacto na vida política latino-americana, pois diversas correntes político-partidárias persistem na ideia de que a votação nos chamados líderes carismáticos seria sempre superior à de outros candidatos mesmo apoiados por eles. Ideia base das configurações populistas – à direita como à esquerda – com a qual se pretende reforçar a imagem do líder em detrimento dos programas e comportamentos das formações políticas.
É um fator que, no conjunto da América do Sul, tem potencial para derrubar inibições em relação às velhas lideranças e renovar boa parte dos atores políticos.
Não é de excluir que eleitores do MAS-IPSP se tenham recusado a votar em Morales no ano passado, por acharem excessivo o seu número de mandatos (esteve 14 anos no poder), votando agora em Arce pelas ideias que representa. Situação com equivalência em África, onde um dos principais combates é contra a vaga de presidentes que procuram mudar as Constituições e manterem-se no poder três ou mais mandatos.
Com uma forte presença durante vários anos à frente da economia boliviana, Arce tem um perfil diferente de Evo Morales, mais de técnico enquanto o ex presidente é um líder sindical e partidário. Daí a dúvida se a expressão “evismo” – criada pelo ex vice presidente García Linera para definir o regime de Evo Morales – se vai manter e qual será o papel do ex Presidente que prometeu regressar à Bolívia no dia seguinte à vitória de Luís Arce.
É provável que Evo mantenha a sua influência através da liderança partidária, porém, nos dias de hoje ninguém pode garantir continuidade mesmo entre lideranças da mesma formação ou do mesmo governo. Equador, Angola e Mauritânia são exemplos recentes.
Há 7,3 milhões de eleitores inscritos e a taxa de participação foi de 87%. Ao mesmo tempo é alto o interesse sobre as eleições parlamentares que decorreram ao mesmo tempo para 130 deputados e 36 senadores. A dimensão e orientação da bancada do MAS-ISPS serão cruciais para a margem de manobra de Luís Arce.
O candidato colocado em segundo lugar, Carlos Mesa, da coligação centrista Comunidade Cidadã (CC), após aceitar os resultados por antecipação, apresentou-se como cabeça da oposição. Aviso ao MAS-ISPS de que vai prosseguir e também aos direitistas do Cremos, liderados pelo candidato Luís Camacho com cerca de metade dos votos de Mesa, no sentido de lhes lembrar quem é mais forte no campo oposicionista.
Aliás, figuras da CC acusam o discurso de Camacho e a manutenção da sua candidatura como tendo facilitado a vitória do MAS-ISPS.
A Bolívia é constitucionalmente um Estado Plurinacional onde, como na Etiópia, as comunidades são vistas como nações tendo uma cidadania comum. O objetivo declarado é garantir os direitos e reconhecimento de todas, mas é evidente que o aspeto principal reside nos direitos de cidadania e no poder do estado central.
Na verdade, a vida política boliviana tem apresentado fortes marcas raciais, em virtude das desigualdades e discriminações sofridas pela maioria índia. Evo Morales apresentou-se sempre como primeiro presidente índio do país. Desta vez, pode ter ocorrido uma certa “desracificação” pois Luís Arce é considerado branco ou mestiço, consoante as visões pessoais, e o seu vice-presidente, ministro das Relações Exteriores durante 14 anos, pertence à comunidade aimará, a mesma de Morales.
País sem saída ao mar, perdido para o Chile na guerra do Pacifico em finais do século XIX, a Bolívia disputa com o Paraguai – na mesma situação de ausência de litoral – os últimos lugares no desempenho socioeconómico sul-americano. Politicamente, porém, é centro de interesse e preocupações em virtude do quadro interno muito movimentado que, por mais de uma vez, repercutiu através das suas diversas fronteiras.