The Head, a série que tem saudades de John Carpenter
A nova criação dos espanhóis Àlex e David Pastor é um whodunnit gélido que homenageia The Thing e não esconde uma certa admiração por Agatha Christie. Estreia-se esta quarta-feira.
Não se iludam, queridos leitores: The Head, mini-série de seis episódios que se estreia no AXN esta quarta-feira (22h50), pouco tem que ver com alterações climáticas, mesmo que as lindíssimas imagens de cadeias montanhosas cobertas por gelo na Islândia possam sugerir o contrário e por mais que os argumentistas espanhóis Àlex e David Pastor insistam que é com a subida do nível médio das águas do mar que os protagonistas estão verdadeiramente preocupados. Aliás, se não tivermos em consideração a cena em que o protagonista Johan (interpretado pelo actor dinamarquês Alexandre Willaume) pergunta à esposa Annika (a também dinamarquesa Laura Bach) quando é que ela pode “parar de lutar contra o aquecimento global” e juntar-se à festa que o resto da equipa científica com quem trabalha organizou, quase nem ouvimos uma referência a esta que é uma das maiores ameaças e lutas dos nossos tempos.
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Não se iludam, queridos leitores: The Head, mini-série de seis episódios que se estreia no AXN esta quarta-feira (22h50), pouco tem que ver com alterações climáticas, mesmo que as lindíssimas imagens de cadeias montanhosas cobertas por gelo na Islândia possam sugerir o contrário e por mais que os argumentistas espanhóis Àlex e David Pastor insistam que é com a subida do nível médio das águas do mar que os protagonistas estão verdadeiramente preocupados. Aliás, se não tivermos em consideração a cena em que o protagonista Johan (interpretado pelo actor dinamarquês Alexandre Willaume) pergunta à esposa Annika (a também dinamarquesa Laura Bach) quando é que ela pode “parar de lutar contra o aquecimento global” e juntar-se à festa que o resto da equipa científica com quem trabalha organizou, quase nem ouvimos uma referência a esta que é uma das maiores ameaças e lutas dos nossos tempos.
Em vez, então, de erosões costeiras e espécies em vias de extinção, o que vemos nesta aposta do grupo Mediapro Studio, numa co-produção com o serviço Hulu Japan e a HBO Asia, é o “murder mystery” de qualidade passável que Agatha Christie escreveria se alguma vez tivesse passado férias na Escandinávia.
The Head dá conta da vida no centro de pesquisa Polaris VI, na Antárctida, onde um grupo de cientistas pensa ter descoberto uma bactéria que consegue transformar dióxido de carbono em oxigénio a um ritmo muito mais rápido do que as plantas. Depois do último dia de Verão, a luz solar não sairá da toca durante seis longos meses, mas, antes que a escuridão se instale, metade da equipa pega na mochila e voa para a “civilização” – palavra que sai directamente da boca de um dos personagens –, deixando os outros colegas no terreno. Johan é dos que vão, Annika é dos que ficam. O isolamento não demora a beliscar quem decide tentar desafiar o tortuoso Inverno, colocando a saúde mental dos investigadores em xeque. Soa familiar, não soa?
Mais cedo ou mais tarde – ou ainda nos primeiros 13 minutos do episódio-piloto, vá –, a equipa de Verão volta às montanhas. Mas o cenário que encontra no regresso é horripilante: buracos de balas, sangue nas paredes, corpos carbonizados. Sete cientistas estão mortos e dois desapareceram (entre os quais Annika). Resta uma sobrevivente, completamente traumatizada.
Mais do que “The Thing sem o alien”...
É esta a premissa de The Head, série que os irmãos Àlex e David Pastor, desafiados por David Trancoso, começaram a desenvolver há três anos. Em conversa com o PÚBLICO via Zoom, Àlex não deixa de apontar para a “estranha coincidência” que é o facto de a série tocar no agora extraordinariamente sensível tema do isolamento, o que de resto não significa que o argumentista já não esteja habituado a escrever sobre pandemias: afinal de contas, co-realizou Carriers (2009), filme com Chris Pine num dos papéis principais em que quatro amigos tentam fugir do rasto de destruição causado por um vírus letal, ou Los Últimos Días (2013), longa-metragem que também tem como pano de fundo a propagação de uma doença viral misteriosa.
“Com sorte, o público sentirá algum prazer doentio enquanto vê a série”, sugere divertidamente Àlex antes de David se juntar à brincadeira. “As pessoas vão ver uma coisa que consegue ser ainda mais insuportável do que a realidade. ‘A quarentena podia ser pior, eu podia estar preso no meio da Antárctida... Estou só aqui em casa com a minha mulher, ao menos ninguém está a tentar matar-me com uma arma ou uma faca.’ Acertámos a previsão que ninguém queria acertar, como Os Simpsons. Se bem que Os Simpsons têm centenas de episódios, por isso é bom que acertem umas previsões de vez em quando.”
Estabelecida a premissa, The Head torna-se um whodunnit com toques de terror que lembram The Thing – uma inspiração tão óbvia que os autores inclusive põem o grupo de Inverno a ver o filme de John Carpenter numa das cenas do episódio inaugural – e, ainda que só pela questão do isolamento, The Shining – por mais que o Johan de Alexandre Willaume, que não deixa de ser um actor perfeitamente competente, não tenha o carisma com que o Jack Torrance de Jack Nicholson invade a lente de Stanley Kubrick. Até podemos colocar Luis Buñuel e O Anjo Exterminador na lista de referências, embora aqui os cientistas não morram um por um...
Há relatos contraditórios relativamente ao que de facto aconteceu naqueles meses de trevas e sangue, há desconfiança, há agressões verbais e não tão verbais assim. Ou seja, os ganchos que se esperam de uma série que mistura assassinatos, suspense e mistério. Para os irmãos Pastor, o desafio foi “dar aos espectadores o que eles querem de uma maneira que não estão à espera”. “Não queríamos fazer uma simples história de terror e sobrevivência, ‘o The Thing sem o alien’. Precisávamos de uma coisa com várias camadas. Por isso é que a dada altura chegamos a ter três linhas temporais, flashbacks dentro de flashbacks”, sublinham.
The Head cruza cinco línguas (para além do inglês e do dinamarquês, há espanhol, sueco e até um pouquinho de japonês) e foi filmada na Islândia e em Tenerife. Esta quarta-feira, o AXN terá um stand no Cais do Sodré, em Lisboa, onde oferecerá granizados a quem quiser entrar no espírito da mini-série antes da estreia.