Sete médicos têm processos disciplinares por veicularem desinformação sobre covid-19
Grupo fundado em Agosto mostra-se contra o uso generalizado de máscaras e de testes PCR para diagnóstico. Queixas apresentadas na Ordem dos Médicos contra este movimento invocam a ameaça à saúde pública por desobediência das normas da Direcção-Geral da Saúde, tendo subjacente a desinformação científica.
A Ordem dos Médicos abriu processos disciplinares a sete médicos do movimento Médicos pela Verdade, grupo que desvaloriza a gravidade da doença provocada pelo vírus SARS-CoV-2 e se mostra contra o uso generalizado de máscaras e de testes de diagnóstico pela técnica de PCR. Também a Ordem dos Psicólogos está a analisar pedidos de informação que lhe chegaram relacionados com a participação de psicólogos neste movimento.
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A Ordem dos Médicos abriu processos disciplinares a sete médicos do movimento Médicos pela Verdade, grupo que desvaloriza a gravidade da doença provocada pelo vírus SARS-CoV-2 e se mostra contra o uso generalizado de máscaras e de testes de diagnóstico pela técnica de PCR. Também a Ordem dos Psicólogos está a analisar pedidos de informação que lhe chegaram relacionados com a participação de psicólogos neste movimento.
O grupo, fundado em Agosto, junta médicos de várias especialidades, mas segundo a informação disponível no site do movimento nenhum deles é da área da saúde pública ou de infecciologia. Há também médicos dentistas, enfermeiros e psicólogos que aparecem identificados como fazendo parte do movimento.
Fonte oficial da Ordem dos Médicos explicou ao PÚBLICO que, perante os pedidos de informação, denúncias e queixas que receberam relacionadas com clínicos que integram o movimento e as ideias que difundem, “decidiu compilar o dossier e remeteu-o para os conselhos disciplinares respectivos, para análise e efeitos tidos como convenientes”. E aproveitou para “reforçar que o cumprimento das regras já conhecidas, como higiene das mãos, uso de máscara e distanciamento físico são determinantes para o combate à pandemia e devem ser acolhidos por todos os cidadãos”.
Ao que o PÚBLICO apurou, existem pelo menos três queixas que deram origem aos processos disciplinares abertos. Duas referentes ao médico Gabriel Branco, director do serviço de Neurorradiologia do Hospital Egas Moniz e um dos fundadores do movimento Médicos pela Verdade, e outra referente ao mesmo clínico e a mais seis elementos do grupo.
Na sua página da Internet, o movimento Médicos pela Verdade fala de uma “enorme desproporção entre o mediatismo do fenómeno e a gravidade” da covid-19. “Não negamos que se trata de uma virose respiratória com repercussões pulmonares que podem ser muito graves nos pacientes com imunidade deprimida, doenças pré-existentes ou idade muito avançada.” Porém, é desvalorizado o efeito que a doença pode ter noutras pessoas.
O grupo contesta o uso generalizado de máscaras e a realização de testes de diagnóstico pela PCR – que detectam, de facto, a presença de material genético específico do vírus da covid-19 e não têm reactividade cruzada com outros vírus e bactérias, mas o movimento alega que estes testes não provam a presença do novo coronavírus. O movimento contesta ainda o isolamento de pessoas assintomáticas, argumentando que não estão doentes. Embora não estejam doentes, os assintomáticos desempenham um papel na transmissão da doença e na continuação da pandemia, como diversos resultados científicos têm concluído.
“Há uma perseguição”
O médico Gabriel Branco confirmou ao PÚBLICO que alguns dos médicos que pertencem ao movimento, incluindo ele próprio, foram alvo da abertura de um processo disciplinar. “A Ordem dos Médicos não pediu nenhuma informação, não me ouviu e avançou directamente com um processo disciplinar”, afirmou o médico, acrescentando que recebeu uma carta a informá-lo da abertura do processo disciplinar na semana passada. Seguindo os procedimentos normais, será agora nesta fase que os médicos alvo dos processos serão ouvidos e a informação analisada.
“Há uma perseguição a quem quer emitir a sua opinião de forma livre e documentada. Apenas manifestámos a nossa opinião, que discorda do discurso oficial”, reagiu ainda Gabriel Branco sobre as denúncias na Ordem dos Médicos. “Nenhum de nós, médicos que não concordamos com o discurso dominante, foi ouvido, nomeadamente pela comunicação social dominante.”
Segundo o jornal Observador, que na terça-feira noticiou que a Ordem dos Médicos estava a analisar denúncias relacionadas com o movimento, numa das queixas Gabriel Branco terá sido acusado de incitar à desobediência no uso de máscaras e de não usar sempre máscara nas áreas comuns do hospital. Ao jornal online o médico disse que só a tira quando está no gabinete.
Pedro Abreu, professor aposentado da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, foi uma das pessoas que apresentaram queixa contra o movimento. Primeiro fez uma queixa à administração do Hospital Egas Moniz e outra à Ordem dos Médicos contra Gabriel Branco no final de Julho, antes ainda da formação do movimento, “por o médico não usar máscara e desobedecer às normas emanadas da Direcção-Geral da Saúde”, relata ao PÚBLICO. Depois fez outras duas queixas na Ordem dos Médicos, em Agosto, quando o movimento Médicos pela Verdade foi criado: uma contra o médico Gabriel Branco e outra contra os médicos que estiveram na reunião de formação do movimento.
“A base das queixas é a seguinte: as posições defendidas publicamente pelo movimento são uma ameaça à saúde pública, que podem contribuir para o crime de propagação de doença”, diz Pedro Abreu, que sabe de outros médicos que também apresentaram queixa. “Têm subjacente a propagação de desinformação científica, que encontramos nas redes sociais. Essa desinformação científica é uma ameaça à saúde pública.”
Ordem dos Psicólogos analisa pedidos de informação
A Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) também confirmou ao PÚBLICO que “recebeu contactos a propósito da participação de psicólogos no movimento Médicos pela Verdade, tendo reencaminhado os mesmos para o conselho jurisdicional da OPP ao qual compete, no quadro das suas atribuições e competências, analisá-los”. “Importa ainda sublinhar que, entretanto, podem ter sido enviadas denúncias directamente para o conselho jurisdicional, que se apresenta como um órgão autónomo e independente, não sendo, portanto, do conhecimento da direcção da OPP”, referiu fonte oficial desta ordem.
“O conselho jurisdicional é um órgão estatutário, independente, isento e imparcial, constituído por cinco psicólogos eleitos directamente pelos psicólogos portugueses e um consultor jurídico, que tem como competência zelar pelo cumprimento da lei, do estatuto e dos regulamentos internos, quer por parte dos órgãos, quer por parte de todos os membros da OPP”, explicou ainda.
Já a Ordem dos Médicos Dentistas (OMD) afirmou que “está a acompanhar as posições públicas deste movimento e o conselho deontológico e de disciplina da ordem tomará as medidas adequadas no âmbito das suas competências”. “A OMD sublinha que o combate a esta pandemia se faz pela união e foco nas medidas correctas e não pelo desvirtuar da informação ou medidas de saúde pública”, defendeu.
A Ordem dos Médicos Dentistas salientou que se “guia pela evidência científica, defendendo sempre a saúde pública, respeitando as indicações das autoridades de saúde nacionais e internacionais, repudiando quaisquer posições sem fundamento e desprovidas de evidência científica e que coloquem em causa a saúde pública e o bem-estar dos cidadãos”. E que “tem também por missão cooperar com as mesmas autoridades de saúde no sentido de execução de medidas por ela solicitadas, assim como obedecer às suas determinações, sem prejuízo do cumprimento das normas deontológicas”.
Quanto à Ordem dos Enfermeiros, afirmou que “não chegou nenhuma denúncia ao conselho jurisdicional” e consequentemente “não existem inquéritos a decorrer”.