Podemos entrar em Novembro com mais de 3500 casos por dia, avisam investigadores

O problema reside sobretudo nos surtos causados por “eventos de supertransmissão, como os ocorridos em festas ou devido à entrada do vírus em lares”, explicam investigadores que usam modelos matemáticos para fazer projecções sobre a pandemia.

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O ressurgimento de casos de infecções pelo novo coronavírus que está a provocar uma segunda onda mais elevada do que a primeira em Portugal terá tido início em finais de Agosto, ainda antes de as escolas estarem a funcionar em pleno, e ficado a dever-se “a um retomar excessivo do número de contactos contagiosos durante o Verão”, concluem vários investigadores num editorial em que analisam o papel dos modelos matemáticos nas previsões sobre o futuro da pandemia, um artigo que acaba de ser publicado na edição online da Acta Médica. O primeiro autor é Manuel Carmo Gomes, professor de Epidemiologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) e um dos peritos ouvidos pelo Governo.

No artigo, que é assinado por outros investigadores da FCUL, do Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra e do Centro Médico Universitário de Utrecht (Holanda), os autores avisam que os modelos estatísticos que usam “prevêem que entraremos em Novembro com mais de 3500 novos casos por dia”, ainda que, devido a atrasos de diagnóstico e registo, possa ser reportado um valor inferior nessa altura. Mas enfatizam que é “perfeitamente possível” que cheguemos a um “pico superior a quatro mil casos” diários, “a menos que nas próximas semanas ocorram alterações drásticas na frequência de contágios”.

O aumento de contactos contagiosos “não é necessariamente homogéneo”, uma vez que a “maioria das pessoas deverá ter reduzido grandemente os seus contactos relativamente à época pré-covid”, frisam. O problema reside sobretudo nos surtos localizados causados por “eventos de supertransmissão, como os ocorridos em festas ou devido à entrada do vírus em lares”, os quais podem “originar cadeias de transmissão que permanecem indetectáveis durante algum tempo e propagam o vírus antes do rastreio das equipas de Saúde Pública”.

Projecções a longo prazo pouco fiáveis?

Mas se os modelos estatísticos são úteis para fazer projecções no curto prazo, no médio e longo prazo já se revelam pouco fiáveis porque se baseiam apenas na incidência da doença ocorrida no passado recente, acentuam os investigadores. Por isso, e para contornar este problema, utilizam-se modelos matemáticos que são “sofisticados”, uma vez que “requerem conhecimento da biologia do vírus, da evolução da contagiosidade dos infectados, do padrão de contactos entre as pessoas e da forma como as medidas de distanciamento e higiene afectam este padrão”.

Os investigadores lembram, a propósito, que os modelos matemáticos têm “sugerido que apenas cerca de 20% dos infectados serão responsáveis por 80% dos novos casos” e que “quase metade dos contágios” são originados por pessoas infectadas sem sintomas, “o que dificulta a detecção e bloqueio das cadeias de transmissão”.

Foi um modelo deste tipo que serviu, aliás, para projectar o impacto da reabertura das escolas num trabalho feito em conjunto por estes investigadores e que foi apresentado por Manuel Carmo Gomes, em Setembro, na reunião com membros do Governo, no Porto. Foram simulados cenários com diferentes níveis de contactos entre os jovens dentro das escolas: iguais aos que eram antes da pandemia, 70%, 50% e 30% dos contactos nessa época.

O modelo permitiu concluir que a reabertura das escolas tinha uma grande propensão para originar uma segunda onda epidémica em Portugal, mas que isso não era inevitável, na altura em que as projecções foram feitas, em Agosto. Para que a segunda onda fosse evitada, porém, seria necessário, em simultâneo com a redução de contactos nas escolas, uma diminuição dos “contactos contagiosos” (capazes de originar contágios) em toda a comunidade.

“Mesmo que na sociedade os contactos contagiosos sejam reduzidos a 50% da época pré-covid, é necessário que, no mínimo, os contactos dentro das escolas sejam reduzidos também a 50%”, observam. Outra conclusão importante “é que o retorno ao nível de contactos que havia na sociedade pré-covid (por oposição à redução de 50%) também despoleta uma segunda onda, mesmo que os contactos dentro das escolas sejam muito reduzidos”.

Para já, e enquanto não existem dados suficientes para avaliar o papel das escolas na actual onda epidémica, “o que “se pode dizer" é que “não parecem ser grandes centros de exacerbamento da transmissão" do vírus, sustenta Manuel Carmo Gomes. “Ouço relatos heterogéneos: exemplos de infecções que são trazidas do agregado familiar para dentro das escolas (por oposição ao contrário), mas também exemplos de escolas que fecharam devido a surto”, refere ao PÚBLICO.

Para controlar o crescimento da epidemia, advoga a “formalização de um esquema organizado de níveis de risco por município e medidas locais que uniformize” as regras a seguir, “embora com as devidas adaptações às especificidades locais”. As medidas passam pelo reforço do rastreio de contactos, que implica o reforço dos meios de saúde pública no terreno, e pela manutenção da “vigilância apertada aos lares”.

Notícia actualizada às 12h20 com declarações de Manuel Carmo Gomes