Estas mortes são de quê?

Porque a solidão também mata, apenas mais lentamente consequência do tratamento de indiferença que em muitas instituições recebem.

Foto
Paulo Pimenta

Novos rostos de tristeza e solidão assombram o pensamento preocupado de quem vê nos olhos indefesos dos idosos retratos de abandono e ausência. Vidas inteiras que vão caindo no esquecimento, memórias que são jogadas fora ou caem na feroz voragem do tempo, inimigo implacável que é também uma doença de que ninguém fala.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Novos rostos de tristeza e solidão assombram o pensamento preocupado de quem vê nos olhos indefesos dos idosos retratos de abandono e ausência. Vidas inteiras que vão caindo no esquecimento, memórias que são jogadas fora ou caem na feroz voragem do tempo, inimigo implacável que é também uma doença de que ninguém fala.

Falamos particularmente dos idosos que residem em lares da terceira idade, seja por falta de condições família de lhes proporcionar um fim de vida digno ou por uma opção pessoal de quem não quer sentir-se um empecilho numa vida que não é sua. É triste dizê-lo, mas é ainda mais revoltante vê-lo e ficar em silêncio quando a dignidade e a honra para a qual se trabalhou uma vida inteira é colocada em xeque e são condenados ao abandono agora que são novamente indefesos e dependentes de terceiros para as mais básicas actividades do quotidiano.

Temos a obrigação de denunciar, ainda que as autoridades competentes ignorem e desprezem estes avisos, temos o dever cívico e moral de alertar para a solidão que muitos idosos padecem nestes tempos de pandemia, tempos aos quais reconhecemos toda uma dificuldade acrescida mas não justificativa nem perdoável da desumanidade com que milhares de idosos são tratados de uma forma reiterada.

As refeições comem-nas sozinhos, cada um na sua mesa; no tempo de lazer não têm ninguém, demasiado distantes uns dos outros para uma qualquer conversa, olhos postos numa televisão que mal conseguem ver e ouvir. E assim o tempo vai passando, lentamente, uma ânsia que cresce em si, um tumulto interno de quem não quer passar o resto da vida na miséria de ser sozinho. Cresce a tristeza, a amargura, a saudade de quem não podem ver.

Não julguem que não compreendemos os motivos subjacentes a esta postura e linha de acção. Sabemos que está inerente o objectivo de proteger os idosos de uma enfermidade à qual são sumamente vulneráveis, mas esta solução que tomam tampouco ajuda numa pandemia ainda mais antiga que esta que vivemos. Porque a solidão também mata, apenas mais lentamente consequência do tratamento de indiferença que em muitas instituições recebem. É triste, é revoltante, mas é o retrato de solidão que traçamos e consideramos indigno a quem tanto oferece ao mundo.